Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Moraes terá de enfrentar impeachment por abuso de poder e desvio de função

Existem limites para tudo. Uma medida para cada coisa. Vale tudo, jamais. Coube ao poeta romano Orazio, morto no ano 8 a. C, lembrar desses limites e cunhar a imortal locução latina "est modus in rebus".

No campo do nosso estado de Direito e referentemente aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o "modos in rebus" significa atuar no seu campo de competência e atribuição, sem abusos e se desviar da função. Não se pode, também, confundir prova emprestada e transformar estruturas do Judiciário em delegacia de polícia, para perseguir pessoas e preparar relatórios.

Segundo reportagem da Folha de S. Paulo da lavra dos jornalistas Fábio Serapião e Glenn Greenwald, o ministro Alexandre de Moraes, do STF e já presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), "ordenou" aos seus assessores realizações de investigações para serem juntadas ao inquérito das "fake news" com o objetivo de embasar decisões judiciais de Moraes contra bolsonaristas.

Como no sistema processual penal de legítima admissão das chamadas "provas emprestadas", criou-se, no caso, um arremedo. Arremedo ilegal que fez o setor do TSE denominado "Combate à desinformação" enviar peças e relatos para Moraes agir contra pessoas certas, ao seu talante, sem provocação do Ministério Público.

A matéria, com casos concretos sendo citados, mostrou o emprego de três componentes que não combinam com administração da Justiça: perseguição, abuso de poder e desvio de função.

Moraes não requisitou investigações ou diligências da Polícia Federal, em função de polícia judiciária. Viu crimes e agiu por conta própria. Como um xerife com poderes ilimitados, Moraes, segundo a reportagem, comandou as investigações e escolheu os seus alvos.

Em síntese, Moraes transformou o seu gabinete e o mencionado setor do TSE numa espécie de delegacia de polícia. E ele reclamava da demora: "Vocês querem que eu faça tudo? O seu corpo de assessores não resistiram às ilegalidade: "Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia."

Um juiz inquisidor, como Moraes apresentou-se no caso da matéria jornalística, subtraiu funções de órgão de atuação persecutória, como o Ministério Público e a polícia.

Moraes abusou ao colocar as estruturas do Supremo e do STF para uma sua atuação com abuso de poder.

Atenção: abuso de poder é causa para impeachment, com tipificação de crime de responsabilidade.

Irregularidades e nulidades não existem na fase de inquérito, apuratório. Mas abuso de poder e desvio de função geram causa para impeachment.

No caso, e comprovada a veracidade da matéria jornalística, nada repercutirá no resultado da eleição.

Assanhados bolsonaristas não podem chegar ao delírio de clamar por novas eleições, com nulidade total. Não houve afronta à soberania popular e o sufrágio foi livre. Portanto, e em face da reportagem, tudo deve ficar limitado, circunscrito, à responsabilidade pessoal do ministro Alexandre de Moraes.

Na verdade, e infelizmente, o ministro Moraes ainda não tirou a beca de promotor de Justiça. E nem de advogado auxiliar de acusação.

Com a deixa dada pela inconstitucional portaria do ministro Toffoli, o ministro Moraes não mais se comportou como juiz, mas como um inquisidor tipo Torquemada. Deveria ter seguido o exemplo do saudoso ministro Teori Zavascki, que, no chamado mensalão, atuou de forma irretocável, sem nunca trocado a toga de magistrado pelas vestes de inquisidor.

Como acontece em regra com todo inquisidor, as apurações e investigações não acabam nunca. E os inquéritos de Moraes prorrogam-se por tempo não razoável. Prisões precipitadas são impostas e garantias esquecidas.

Volto ao caso da reportagem da Folha. Tudo transcorreu à revelia do Ministério Público, mas especificamente da Procuradoria-Geral da República.

Para complicar, a mostrar que no mundo da inquisição nunca a fórmula do menos com menos gera mais, juntaram-se Moraes e o juiz auxiliar Airton Vieira, que é desembargador polêmico do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ordens ilegais, como todos sabem, não devem ser cumpridas.

Vieira é polêmico por ser a favor da pena de morte, da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, e contra regime prisional aberto para traficante de drogas. Ou seja, duas cabeças polêmicas, Moraes e Vieira, a lembrar Javer, personagem de Vitor Hugo na monumental obra intitulada Os Miseráveis.

Repito. Os fatos da matéria jornalística investigativa são graves, e apontam para abuso de poder e desvio de finalidade, por se buscar pessoas dadas como autores de ilicitudes, mas sem aplicação das regras legais e das garantias constitucionais. É válido ao magistrado encaminhar peças ao Ministério Público e até requisitar inquéritos policiais. Virar promotor ou delegado, não pode.

Não dá para um magistrado fazer espionagens e investigações. Nem transformar sedes de tribunais em delegacias de polícia, com togados com estrela de xerife no posto e lugar de delegados de polícia judiciária.

Como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não detém competência correcional sobre ministros do STF, o único caminho, à luz de infrações graves como as mencionadas na matéria jornalística, é o impeachment. E qualquer eleitor (cidadão) pode, junto à presidência do Senado, postular, sem necessidade de contratação de advogado.

Em um pano rápido, não há necessidade de esfera de cristal para se perceber haver o ministro Alexandre de Moraes colocando-se em um enrosco, macular a imagem da Justiça.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes