Wálter Maierovitch

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Opinião

Bolsonaro não confessou, mas deu escorregada fatal ao admitir reuniões

Depois de tornar-se réu, com a sua defesa técnica prévia não acolhida quando pediu à Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) a rejeição da petição inicial acusatória apresentada pelo procurador-geral Paulo Gonet, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou a atuar em duas frentes defensivas.

A primeira frente, fora dos autos, é de natureza política --muitas vezes, com a própria voz, ao vivo e a cores. A outra frente combativa, é realizada nos autos, como réu, pelos seus advogados, que lhe suprem a capacidade processual.

Bolsonaro, com relação à defesa extrajudicial, parece conhecer e levar a sério o ensinamento deixado pelo escritor, filósofo e orador sacro Antonio Vieira (1608-1697).

Num dos seus concorridos sermões, o padre jesuíta observou que, no mundo dos vivos, todos os dias são de julgamentos. Ou melhor, as pessoas são julgadas e julgam o tempo todo.

Só faltou Bolsonaro lembrar uma outra conclusão de Vieira: "O caminho da verdade é único e simples, o da falsidade, vário e infinito".

Para sobreviver politicamente, manter musculatura eleitoral e pressionar para obter uma lei de anistia para nela se agarrar como tábua de salvação, Bolsonaro mantém uma frente defensiva fora dos autos processuais.

Tem mais. Bolsonaro não pode abrir mão dessa frente extrajudicial, política, por ser ela a abastecedora das redes sociais. Os esperneios fornecem aos adeptos do bolsonarismo argumentos falaciosos, mas capazes de sustentar a imagem de perseguido e injustiçado.

O problema são os seus frequentes escorregões e as deslavadas mentiras de Bolsonaro.

Tiro no pé

Como deu para perceber das manifestações ocorridas num novo cercadinho e na entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Bolsonaro valeu-se do esperneio, da repetição de teses como a fraude nas urnas eleitorais e de fatos contados pela metade: lembrou ter Aécio Neves contestado as eleições e o sistema eletrônico do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Não contou que Aécio desistiu do recurso impugnatório e justificou o protesto apenas como infundado inconformismo, ou melhor, o inconformismo do mau perdedor.

Bolsonaro não chegou, nessa sua frente política, à confissão fora dos autos processuais, mas passou perto. Nesses esperneios de Bolsonaro só faltou a verdade real.

Como sabem os operadores do direito, o esperneio é livre e incensurável. O problema, frise-se, ocorre quando o esperneio tromba com a defesa técnica, como acabou se acontecer com Bolsonaro.

Em outras palavras, o apelidado direito de espernear, o popular "jus sperneandi", pode, caso mal usado, trazer prejuízos à defesa técnica, no processo criminal.

Como se tem notado, a cada fala de Bolsonaro, os seus defensores processuais ficam de "cabelos em pé".

Por exemplo, Bolsonaro admitiu ter convocado os chefes militares para discutir medidas como intervenção militar e decretações de estado de sítio e de defesa. Como todo dia é de juízo, como ensinou Vieira, muita gente julgou a fala de Bolsonaro como confissão.

A confissão é chamada, mundo afora, da "rainha das provas". Mas, Bolsonaro, na defesa fora do processo, não confessou. Apenas admitiu fato que, para quem tem mais de um neurônio, leva, sem necessidade de grandes elucubrações, à conclusão de ele ter liderado um tentado golpe de Estado.

No juízo popular, muitas vezes, o peixe morre pela boca. E a admissão por Bolsonaro de fato relevante poderá ser-lhe prejudicial, em especial politicamente.

Admissão de fato consequencial

Os juízes têm livre convencimento das provas. O livre convencimento precisa, no entanto, ser motivado, bem explicado. Gonet, que representa o Ministério Público, a parte acusadora, deverá juntar aos autos a manifestação de Bolsonaro referente à admissão da convocação dos comandantes militares para tratar de medidas voltadas a impedir a posse do candidato eleito, Lula da Silva.

Na defesa fora dos autos, Bolsonaro apresentou uma admissão mal ensaboada. Não lavou o golpismo. Ao contrário, ficou mal cheirosa a convocação de chefes militares para discutir "alternativas políticas para a nação". Àquela altura do campeonato, com derrota nas urnas e sem nenhuma convulsão social.

Ao admitir a convocação e o encontro com os comandantes das forças, Bolsonaro não tinha como apresentar-lhe motivos para exigir intervenção militar. Em todo território nacional não existia lugar com comprometimento da ordem pública e da paz social. Tudo estava na mais absoluta tranquilidade, paz e ordem.

De concreto, também, inexistiam situações de intranquilidade motivadoras de imposição de estado de sítio. Muito menos, para se convocar forças, Exército, Aeronáutica e Marinha, para restabelecer o império da lei e a restauração da ordem pública. Bolsonaro, à época, estava convicto da furada tese do "poder moderador das Forças Armadas".

Em resumo, a convocação militar tinha outro motivo, o golpe de Estado, com abolição violenta, pela força, do Estado democrático de Direito.

Até a "velhinha de Taubaté", a célebre personagem criada pelo respeitado escritor Luís Fernando Veríssimo, não acreditaria tratar-se, como sustentou Bolsonaro sem corar, no caradurismo, de um encontro para discussão de "alternativas políticas para a nação". A alternativa, o caminho político, já havia sido escolhida pelos cidadãos brasileiros, em urnas não fraudadas.

Bolsonaro, com a sua admissão extrajudicial provoca a todos a realizarem um raciocínio lógico-consequencial. E o raciocínio lógico, consequencial é o de ter convocado os militares para garantir o sucesso do golpe de Estado. Queria a força armada ao lado, para sustentar da sua ilegítima vontade de manter-se no poder, a rasgar a Constituição e eliminar o sistema democrático.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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