Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Sobre NIMBYs, decisões públicas e consequências coletivas nas cidades
A sigla NIMBY refere-se à expressão em inglês "not in my backyard" - não no meu quintal - e sintetiza um padrão de comportamento de moradores das cidades que são contrários a determinadas mudanças em sua vizinhança.
Esse padrão pode se manifestar, por exemplo, quando há o anúncio de um novo empreendimento imobiliário no bairro ou quando o Poder Público pretende promover mudanças nas leis de zoneamento. A partir de eventos assim, grupos de ativismo se mobilizam, buscam convencer pessoas e fazem pressão sobre tomadores de decisão. Em alguns casos, judicializam a questão em disputa.
Não dá para escapar do caráter conflituoso da cidade. E nem convém, já que a exuberância da vida urbana está na diversidade de sua composição. Não há, também, como desqualificar ou deslegitimar o comportamento NIMBY em si. Os cidadãos têm o direito de se manifestar, mesmo quando sua pretensão é egoísta ou quando lançam mão de mera retórica, sem fundamentação técnica para sustentar suas posições.
Dois problemas que merecem ser enfrentados, contudo: quando o comportamento NIMBY esconde a defesa de privilégios - ou de privilégios sem contrapartidas públicas - e quando é empacotado e vendido com o rótulo de "interesse público", para forçar uma tomada de decisão que trará consequências nocivas para as cidades.
O primeiro se manifesta, por exemplo, quando se luta por manter um bairro estritamente residencial, infraestruturado, com limite de gabarito, ao lado do metrô - ou quando se faz isso batendo o pé contra o reajuste do IPTU. Posturas assim devem ser rechaçadas publicamente.
Já o segundo aparece quando o debate público e os processos decisórios fracassam em filtrar essas posições, seja porque: a) os debates são realizados por especialistas que se prestam a legitimar - ainda que precariamente - posições NIMBY; b) as decisões são tomadas por agentes que cedem a pressões por mera conveniência política.
Neste caso, é preciso que os tomadores de decisão atuem com firmeza. Eles são, afinal, a última barreira de contenção contra visões egoístas. Na prática, não se tem podido esperar a filtragem dessas visões do debate público.
Mesmo quando ocupada por atores com competência técnica para discernir sobre temas de interesse público (e mais sujeitos a serem constrangidos quando defendem o indefensável), a esfera pública tem reverberado de forma sorrateira agendas NIMBY.
Concorre para isso o fato de o Urbanismo não ser uma ciência exata. Decisões sobre as cidades devem estar amparadas em evidências, mas, ainda assim, elas espelham processos sociopolíticos em que visões diferentes sobre a cidade são colocadas em disputa.
Se no passado grupos do campo progressista empunhavam faixas para defender a efetividade de planos diretores participativos, hoje muitas dessas organizações não se comovem em retalhar a legislação urbana ou forçar interpretações que abarquem formas de ocupar o território incompatíveis com o interesse público.
Isso ocorre porque tais grupos permanecem presos à uma lógica binária e simplista de oposição a qualquer custo do mercado imobiliário. Nesse arranjo, a narrativa NIMBY é oportuna porque ela é essencialmente sedutora. É difícil perceber camadas quando se desenha um mundo que se resume a cidadãos desejosos por preservar seus modos de vida e agentes do mercado sempre predatórios.
Sair das armadilhas que esse quadro produz depende de um caminho difícil, porém pedagogicamente rico. A cidade ganha quando os cidadãos conseguem compreender minimamente os interesses em jogo, sem começar a caminhada acreditando que os agentes que interagem no espaço urbano podem ser classificados apenas por suas intenções.
O sucesso das cidades passa pela capacidade das pessoas entenderem que disputas são normais, mas que sua solução envolve compreender com clareza que decisões são boas para a coletividade.
Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com.
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