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Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Projetos imobiliários inovadores ampliam acesso à moradia digna

1º.mai.2018 - Foto de arquivo do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no centro de São Paulo após um incêndio. O prédio de 24 andares localizado no Largo do Paissandu foi sede da antiga Companhia Brasileira de Vidro e abrigou as sedes do INSS e da Polícia Federal e estava ocupado por sem-tetos - rauljustelores/Instagram/Reprodução
1º.mai.2018 - Foto de arquivo do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no centro de São Paulo após um incêndio. O prédio de 24 andares localizado no Largo do Paissandu foi sede da antiga Companhia Brasileira de Vidro e abrigou as sedes do INSS e da Polícia Federal e estava ocupado por sem-tetos Imagem: rauljustelores/Instagram/Reprodução

Colunista do UOL

29/04/2022 04h00

Frequentemente, a cidade e suas dinâmicas são descritas nos espaços acadêmicos de forma pessimista. Neles, repercute-se a visão que o processo de desenvolvimento urbano se encontra, há muito, colonizado por interesses privatistas do mercado imobiliário.

Essa é, no entanto, uma posição arriscada. A ênfase dada à crítica pode ser um véu a encobrir possibilidade de pensar alternativas. Ou então deslocá-las para uma perspectiva revolucionária que é complexa e leva tempo. A urgência também precisa ter lugar. Enquanto se planeja a revolução que vai transformar os modos de produzir cidade, é preciso resolver a falta de saneamento básico, o buraco no asfalto e a oferta de transporte público. Mesmo depois da revolução, esses e outros problemas práticos terão de ser solucionados.

Não é preciso abandonar a crítica —nem mesmo a alternativa revolucionária— para acolher propostas reformistas, que podem ser muito importantes para resolver problemas urbanos seríssimos, como é o caso do déficit habitacional.

Fundo FICA

Dois projetos imobiliários inovadores neste campo merecem destaque. O primeiro é o Fundo FICA, iniciativa gestada por ativistas e professores universitários. O fundo nasceu em 2015 e recebe doações de apoiadores para adquirir imóveis no centro de São Paulo e alugá-los por um valor justo para famílias que ganham entre 2 a 3 salários mínimos. Atualmente são 174 pessoas que contribuem mensalmente, além de 86 associados que têm direito a voto nas assembleias. A ideia é apoiar o uso socialmente justo da propriedade e viabilizar o acesso a pessoas com renda menor a regiões mais infraestruturadas (e caras) da cidade.

O Fundo FICA, recentemente, ampliou seu escopo de atuação por meio do Compartilha, que intervém na realidade dos cortiços, adquirindo imóveis, recuperando-os e formalizando as relações de aluguel - e praticando um preço 30% abaixo da média do mercado. Os investidores, motivados pela causa, são remunerados com algum retorno financeiro.

Projeto SOMA

Outra iniciativa é o Projeto SOMA, sigla que designa "Sistema Organizado de Moradia Acessível", e que conta com o apoio da bolsa de valores de São Paulo. Esse projeto tem por objetivo garantir o acesso à moradia digna no centro de São Paulo - como o Fundo FICA - por meio de uma produção habitacional voltada para a locação.

Idealizado pelo Grupo Gaia, Din4mo e pela MagikJC, incorporadora que atua no centro em projetos enquadrados no Programa Casa Verde Amarela (antigo Minha Casa, Minha Vida), o Projeto SOMA partiu do diagnóstico que 3 em cada 5 famílias que desejavam morar no centro não se enquadravam nos critérios das instituições financeiras para acesso a crédito.

O principal apelo de investimento da iniciativa é a tendência de alta na procura por produtos ESG. Embora haja alternativas mais rentáveis, muitos investidores entendem que devem alocar parte de suas carteiras em projetos de impacto social.

As duas iniciativas terão de lidar com desafios os mais variados. A escala é, provavelmente, o maior deles. De qualquer forma, são maneiras inovadoras de enfrentar um problema que, para muitas pessoas acomodadas no lugar da crítica, depende exclusivamente do Estado - ou da alternativa revolucionária. Evidente que o Estado tem um papel fundamental na construção de um conjunto de normas que organizem o desenvolvimento urbano de acordo com premissas alinhadas ao interesse público e comprometidas com a inclusão e com um uso mais eficiente da infraestrutura urbana.

O maior benefício, no entanto, é o emprego proativo da inteligência e da criatividade que rompem a bolha do pessimismo e mostram que é possível à sociedade civil e ao setor produtivo elaborar alternativas criativas e apresentá-las ao debate público como uma contribuição para enfrentar esse e outros desafios.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Mackenzie e em Direito da Cidade pela UERJ. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com