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Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O planejamento urbano precisa incluir a perspectiva das mulheres

Colunista do UOL

10/03/2022 20h23

No dia 8 de março é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Neste dia, vários debates importantes envolvendo questões de gênero são realizados e ganham maior alcance e visibilidade, embora a relevância dessa pauta seja permanente. E um dos temas que tem mobilizado inúmeros pesquisadores e ativistas é a perspectiva das mulheres no âmbito do planejamento urbano.

Para o senso comum, pode parecer difícil enxergar de que forma o planejamento urbano se relaciona com as questões de gênero. E, na posição de homem, gênero deste autor, enxergar os desafios da vida urbana para as mulheres é ainda mais difícil. No entanto, são muitos os exemplos de situações do cotidiano que mostram a urgência dessa discussão. Começando pela calçada, que representa o espaço que abriga o meio de transporte mais utilizado no Brasil: o deslocamento a pé. O caminhar representava, no início da última década, 43,7% das movimentações das pessoas, de acordo com dados da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP).

As calçadas de boa parte das cidades brasileiras são irregulares, acidentadas e propícias a acidentes que vão de quedas a torções e fraturas. Além disso, a regra é que apenas o leito carroçável seja coberto pela iluminação pública, o que as torna inseguras em especial nos deslocamentos noturnos. Quadras extensas demais cortadas por avenidas segregadas por barreiras físicas, como gradis, também ampliam a sensação de insegurança nas cidades, pois facilitam abordagens indesejadas e assédio, e confirmam que o desenho urbano, em suas múltiplas escalas, é feito e determinado pelas necessidades masculinas.

A distribuição de equipamentos públicos é, ainda, outro fator que prejudica a qualidade de vida das mulheres. A falta de capilaridade de unidades de atendimento de saúde especializadas em saúde feminina impõe a necessidade de grandes deslocamentos, que consomem tempo e recursos. No caso das mães, a distância das creches e a falta de disponibilidade de vagas de educação infantil em período noturno, para os filhos das trabalhadoras em horários alternativos, são fatores que impedem a retomada do trabalho profissional, aumentando a dependência financeira de seus maridos ou companheiros.

No plano da arquitetura, a disparidade é ainda maior. O coletivo Arquitetas Invisíveis apresentou, em 2015, uma pesquisa que identificou 48 mulheres com trabalho de alto impacto na história da Arquitetura que foram invisibilizadas pelo machismo predominante neste e em outros campos de atuação profissional. O problema não para por aí: mesmo o projeto das casas segue uma lógica patriarcal, com cozinhas e áreas de serviço, espaços tradicionalmente reservados às mulheres, segregados dos cômodos sociais.

Algumas iniciativas, no entanto, têm aberto clareiras importantes. No País Basco e em Valência, foi aprovada uma lei que obriga projetos de moradias públicas a evitar paredes entre cozinhas e salas e a prever espaço adequado para lavanderias, visando estimular a corresponsabilidade dos integrantes do núcleo familiar. No Brasil, floresce um importante ativismo que luta por uma mobilidade ativa adequada e segura às especificidades de gênero e que teve na urbanista e cicloativista Marina Kohler Harkot, morta por atropelamento em 2020, uma liderança de destaque.

Inúmeros movimentos correlatos terão decisivo impacto neste debate. O reconhecimento do cuidado como um trabalho invisibilizado e que penaliza e sobrecarrega as mulheres provocará gestores públicos a diminuir distâncias e estimular a conexão entre as moradias e os serviços públicos. A proliferação de casos de violência sexual no transporte público ampliará a pressão por mais segurança nestes espaços. Políticas de financiamento habitacional que priorizem à mulher a garantia do direito de propriedade reduzirão o ciclo de dependência econômica que a tantas submete.

A desigualdade de gênero ainda é um problema que afeta profundamente o Brasil e o mundo. As cidades, seus habitantes e sua dinâmica podem, contudo, oferecer oportunidades importantes para superar seus dilemas, se começarem a reconhecer que a desigualdade de acesso aos benefícios da urbanização atinge, de forma mais aguda, as mulheres.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com