Vídeo não é de fazenda de filho do Lula e mostra ovelhas, não bois
Um vídeo postado no TikTok atribui, falsamente, um rebanho de bois supostamente mantidos em uma fazenda em São Félix do Xingu, no sul do Pará, a um filho do ex-presidente Lula, sem determinar qual deles.
O conteúdo é uma montagem de dois vídeos distintos. O primeiro foi localizado pelo Comprova sendo compartilhado por diversas contas em redes sociais estrangeiras e sequer apresenta cabeças de gado. Trata-se, na verdade, de um grande rebanho de ovelhas sendo pastoreado por dois cães. O segundo apresenta uma fila de caminhões. Não foi possível identificar onde o vídeo foi gravado, mas ele está no YouTube há pelo menos quatro anos.
A equipe procurou o responsável pela postagem da montagem via comentário no TikTok, mas ele não respondeu até esta publicação. O mesmo conteúdo, mas sem as legendas, foi postado por um usuário no Instagram, no dia 9 de junho. O Comprova também entrou em contato, mas não obteve resposta.
Como verificamos?
O Comprova dividiu as duas partes do vídeo e separou os frames utilizando a ferramenta InVid. Em seguida, utilizou o mesmo aplicativo e o TinEye para fazer a busca reversa pelas imagens e saber se os vídeos já haviam sido publicados anteriormente na internet e em qual contexto. O buscador Yandex encontrou publicações desde 2017 que utilizavam trechos dos vídeos.
Em seguida, a verificação enviou mensagens para os responsáveis pelas publicações mais antigas do trecho que mostra os animais e do trecho que mostra os caminhões. No primeiro caso, uma página turca respondeu. No segundo, não houve retorno.
Utilizando o Google, o Comprova também pesquisou os nomes dos filhos do ex-presidente associados à palavra "fazenda", além de consultar as empresas registradas em nome de um deles, alvo frequente de postagens contendo informações falsas.
Por fim, encaminhou mensagens ao autor da postagem no TikTok e para um usuário do Instagram, que também publicou o conteúdo, mas sem legendas.
Verificação
- Filho do Lula e as supostas fazendas
Não há notícia de que os filhos do ex-presidente Lula sejam proprietários de fazendas no sul do Pará. Ao utilizar o Google para pesquisar os nomes deles associados à palavra "fazenda", o Comprova descobriu que há dezenas de verificações desmentindo boatos de que o mais velho, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, seja pecuarista.
O Boatos.Org, por exemplo, fez verificações semelhantes a esta em junho deste ano, em fevereiro do ano passado e em 2016, destacando que os boatos sobre supostas fazendas da família de Lula circulam há muitos anos.
Em 2013, a página E-Farsas mostrou ser falso que Lulinha comprou uma fazenda avaliada em R$ 47 milhões. Em 2019, a Agência Lupa mostrou que "fazenda de R$ 50 milhões do filho de Lula" é, na verdade, um campus universitário em Piracicaba, e o Estadão Verifica mostrou ser falso que o filho do presidente comprou "a maior fazenda do mundo". Já em 2021 foi desmentido que ele é dono da Fazenda Fortaleza, no interior de São Paulo, pelo Aos Fatos e pelo G1.
O próprio Comprova já fez outras verificações envolvendo o nome do filho mais velho do ex-presidente, demonstrando ser falsa postagem que associa o governador de São Paulo João Doria e Lulinha na compra da vacina Coronavac e que não existe delação afirmando que ele "embolsou" R$ 317 milhões.
Utilizando a ferramenta CruzaGrafos, o Comprova identificou que Lulinha é sócio de quatro empresas que têm como atividade principal serviços em tecnologia da informação. Elas são holdings de instituições não financeiras, ou seja, entidades controladoras das participações de um conjunto de companhias. São elas a BR4 Participações LTDA., a LLF Participações - Eireli, a FFK Participações LTDA. e a G4 Entretenimento e Tecnologia Digital LTDA.
Em março deste ano, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou paralisação de uma investigação aberta contra Lulinha, suspeito de ter recebido R$ 132 milhões da operadora Oi/Telemar por meio de contratos com empresas do grupo Gamecorp, que reúne serviços de jogos eletrônicos, mídia e tecnologia. A suspensão é válida até que seja definido quem será o juiz competente.
Ele foi investigado no âmbito da 69ª fase da Operação Lava-Jato e o processo foi remetido à Justiça Federal de São Paulo. Antes da deflagração da fase, a Polícia Federal chegou a pedir a prisão de Lulinha, que foi negada pela 13ª Vara Federal de Curitiba.
A investigação aponta haver indícios de que os valores tenham sido usados ex-presidente Lula foi condenado. A condenação foi anulada em março deste ano pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, entendendo que a competência do julgamento é da Justiça Federal do Distrito Federal. Os casos do pai e do filho estão sendo julgados em processos diferentes.
- Vídeo mostra rebanho de ovelhas
Realizando buscas por fragmentos do vídeo que mostra o bando de animais, o Comprova chegou a uma verificação da AFP Fact Check de Hong Kong que checou um boato em circulação na Ásia. Embora não tenha confirmado quem é o autor das filmagens ou onde elas foram gravadas, o veículo diz que o conteúdo retrata ovelhas e foi compartilhado em 2019 em uma rede social russa.
Neste caso, o vídeo também foi utilizado para a construção de informações falsas, mas que circularam fora do Brasil. Na ocasião, os responsáveis pelas publicações enganosas afirmavam se tratar da doação de 30 mil ovelhas pela Mongólia à China durante a epidemia de coronavírus. Acontece que antes da doação, anunciada em 27 de fevereiro de 2020, as imagens já circulavam na internet.
O Comprova seguiu fazendo buscas pelas imagens e identificou que o mesmo vídeo foi postado em uma conta árabe intitulada "Raridades da pecuária e da agricultura" no Facebook, com a legenda: "Glória ao Deus Todo Poderoso, Senhor dos mundos", no dia 15 de agosto de 2020. Nesta publicação, ele é mais extenso e aparecem dois cachorros pastoreando o rebanho.
Outras postagens foram localizadas em uma rede social russa, em dezembro de 2019, e em uma plataforma de vídeos do país, em 6 de maio do mesmo ano. Nesta última, o conteúdo traz uma montagem com outro vídeo no qual mulheres aparecem tratando peles de ovelhas.
Dois dias antes, em 4 de maio de 2019, o vídeo do rebanho foi publicado em uma conta do Instagram que só posta vídeos de ovelhas. A legenda, em turco, diz: "eles controlam este rebanho com 2 cães". Essa foi a postagem mais antiga do conteúdo localizada pelo Comprova. Uma mensagem foi enviada ao usuário, questionando mais informações sobre as imagens. Ele respondeu ter visto o conteúdo em uma página há muito tempo, de onde fez o download, mas sem lembrar qual. Afirmou, ainda, não ser o responsável pela gravação das imagens.
- Fila de caminhões está no Youtube desde 2017
Não foi possível identificar onde foram gravadas as imagens que mostram uma extensa fila de caminhões. Buscando pelos fragmentos do vídeo, o Comprova chegou a dois arquivos postados no Youtube. Um, de 3 de janeiro de 2020, já associava a presença dos veículos a um "embarque gigante na fazenda do Lulinha em São Félix do Xingu". A legenda do outro, de 2017, só diz "congestionamento muito grande de caminhões!". Neste, as imagens estão cobertas por um filtro. O Comprova deixou comentários em ambos os conteúdos, questionando a origem dos vídeos, mas não recebeu retorno até o momento.
- Autor é apoiador de Bolsonaro e tem como foco a ufologia
O autor do post verificado no TikTok, Rogério Bin, é de São Paulo, trabalha como dedetizador e escreveu o livro "Os anjos são reais?". Na conta dele na plataforma, as postagens são principalmente sobre ufologia e óvnis. Em 2019, postou no próprio canal do YouTube uma reportagem da Record na qual afirma, em entrevista, ter sido abduzido. O vídeo original não foi localizado no canal do Repórter Record Investigação.
As postagens políticas começaram a aparecer na conta já em 2021. Foram identificadas, além da verificada aqui, outras quatro neste sentido: uma contra o lockdown - criticando o governador de São Paulo João Doria -, uma de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), uma defendendo o voto impresso e uma culpando os governos estaduais pelo preço do gás. Essas duas últimas questões foram alvos de verificações recentes do Comprova (aqui, aqui e aqui).
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, eleições ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.
Com a proximidade das eleições de 2022, aumenta a circulação de informações falsas construídas para atacar a imagem de figuras políticas ou de pessoas associadas a elas, como no caso dos filhos de Lula. O ex-presidente é cotado como candidato à presidência no próximo pleito.
Postagens falsas ou enganosas podem comprometer a avaliação dos eleitores no momento de decidir por um candidato. Neste caso, por exemplo, o post no Tik Tok alcançou quase 60 mil curtidas, 35 mil compartilhamentos e mais de 2 mil comentários.
Conteúdo bastante semelhante já foi verificado em duas ocasiões pelo Boatos.Org (aqui e aqui). Além disso, há diversas outras verificações desmentindo a propriedade de fazendas por parte do filho de Lula, como as publicadas por E-Farsas, Agência Lupa, Estadão Verifica, Aos Fatos e G1.
Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Este conteúdo foi investigado por Correio de Carajás e Estado de S. Paulo, e verificado por UOL, BandNews FM, Jornal do Commercio, Piauí, Folha, A Gazeta, Jornal Correio e Correio Braziliense. A checagem foi publicada pelo projeto Comprova no dia 16 de julho de 2021.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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