Entenda o que muda no sigilo bancário com nova resolução do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 6 de setembro de 2024, que instituições devem fornecer informações de clientes aos Fiscos estaduais nas operações de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) por meios eletrônicos, como pix, cartões de débito e de crédito. Assim, a decisão altera disposições sobre o sigilo bancário, vigente no Brasil desde 2001 pela Lei Complementar nº 105. O Comprova explica o que muda com a resolução do tribunal.

Conteúdo analisado: Posts que afirmam que uma decisão do STF acabou com o sigilo bancário no Brasil.

Comprova Explica: Em uma votação realizada no dia 6 de setembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) alterou disposições sobre o sigilo bancário, o que tem dividido opiniões e vem sendo usado para gerar desinformação. Algumas publicações sugerem que a medida implica no "fim do sigilo", mas o Comprova explica que, na prática, não é bem assim que funciona.

O tribunal validou regras de convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que obrigam as instituições financeiras a fornecer aos estados informações sobre pagamentos e transferências feitos por clientes (pessoas físicas e jurídicas) em operações eletrônicas, como pix, cartões de débito e crédito, em que haja recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

Na prática, apenas as administrações tributárias dos estados e do Distrito Federal (DF) terão acesso aos dados bancários dos clientes, conforme voto da ministra Cármen Lúcia, relatora da proposta no STF. Segundo ela, o objetivo da medida é exclusivamente o de fiscalização.

No voto, Cármen Lúcia citou um precedente de 1966 do STF, segundo o qual "o sigilo bancário só tem sentido quando protege o contribuinte contra o perigo da divulgação ao público, nunca quando a divulgação é para o fiscal" (MS 15.925).

No entanto, para a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), que ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a norma viola a garantia constitucional do sigilo bancário (artº 5, X e XII).

A votação foi acirrada: os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, André Mendonça, Kássio Nunes Marques e Luís Roberto Barroso concordaram com o Consif e votaram contra a medida. O placar final ficou em 6 contra 5, prevalecendo a proposta da relatora Cármen Lúcia.

O que é sigilo bancário?

Conforme explica o Jusbrasil, o sigilo bancário consiste na proteção pelos bancos e instituições financeiras às informações que possuem dos seus clientes no âmbito das relações bancárias. A proteção se estende a pessoas físicas e empresas.

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No livro "O sigilo bancário", do professor e advogado Sérgio Carlos Covello, o termo é definido como a "obrigação que têm os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em virtude de sua atividade profissional".

O jurista Nelson Abrão, em seu livro "O sigilo bancário e direito falimentar", o caracteriza como "a obrigação do banqueiro - a benefício do cliente - de não revelar certos fatos, atos, cifras ou outras informações de que teve conhecimento por ocasião do exercício de sua atividade bancária e notadamente aqueles que concernem a seu cliente, sob pena de sanções muito rigorosas, civis, penais ou disciplinares".

O doutor em Direito Tributário, André Felix Ricotta de Oliveira, explica que o direito ao sigilo bancário vem do princípio constitucional do direito à privacidade e intimidade, previsto no art. 5º, inc. X, da Constituição Federal.

Contudo, assim como a privacidade, este não é um direito absoluto e deve ceder diante do interesse público e da da Justiça, de acordo com o princípio da razoabilidade, conforme a resolução 219.780 do STF, do relator Ministro Carlos Velloso (1999).

O sigilo será quebrado?

André Felix Ricotta de Oliveira disse que a medida do STF não configura quebra do sigilo bancário, já que, na prática, a decisão apenas constitucionalizou o que já ocorria, sem previsão legal.

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Álvaro Palma de Jorge, professor de Direito da FGV Rio, explicou ao Comprova que a medida não irá tornar os dados públicos, mas sim permitir que, ao invés de os dados serem repassados apenas para a Receita Federal, eles também sejam disponibilizados para as receitas estaduais.

"Se eu quiser ter acesso aos seus dados bancários, por exemplo, eu estou vedado de ter esse tipo de acesso. Mas, por legislação, já existe uma série de informações fiscais que os bancos precisam ofertar para a Receita Federal", explicou.

Além disso, o especialista considera que não há nada de "muito novo" nesse convênio que foi discutido. Segundo Álvaro, o tema foi pauta apenas para debater a constitucionalidade da concessão de dados aos estados.

"Se a gente tem um padrão e, de repente, a gente começa a movimentar 10 milhões de vezes mais do que você tem na conta, e você não tem uma renda compatível, é estranho para o Fisco. O Fisco vai querer entender por que isso está acontecendo. Será que você está lavando dinheiro de drogas? Será que você está recebendo dinheiro que você não está tributando? Então, esse compartilhamento hoje já existe. O Fisco, em determinadas situações, recebe informações do sistema bancário", afirmou.

Portanto, o sigilo bancário não será quebrado com a decisão do STF. Isso porque as instituições continuam responsáveis por preservar os dados de seus clientes, como explica Palma. Segundo o especialista, o banco pode transferir algumas dessas informações para o Fisco e para a Receita, sempre mantendo o sigilo dos dados sob pena de responsabilização em caso de divulgação para terceiros.

O professor dá como exemplo a declaração de Imposto de Renda (IR). Quando o contribuinte faz a declaração, comunica informações particulares e obrigatórias, que a Receita tem obrigação de manter em sigilo.

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"O conceito que a ministra Cármen Lúcia, por exemplo, está usando, é o mesmo do sigilo que foi discutido lá atrás: passar do banco para a receita não tem problema, porque os dois têm obrigação de sigilo. Passar de uma receita federal para uma receita estadual, não tem problema, porque os dois têm sigilo", disse Álvaro.

Lei Complementar nº 105

A Lei Complementar nº 105 (LC 105), de 10 de janeiro de 2001, estabelece que instituições financeiras devem conservar sigilo em suas operações ativas e passivas, bem como dos serviços prestados.

A lei determinava que apenas a Secretaria da Receita Federal, ou seja, a administração tributária da União, recebesse mensalmente informações das instituições financeiras sobre as operações efetuadas pelos usuários de seus serviços, em especial recebíveis através de cartões de crédito e débito, explicou André Felix.

"Os estados sem autorização ou determinação legal pediram as mesmas informações das instituições financeiras, ou melhor, de operadoras de cartão de crédito e débito", acrescentou.

Para efeitos da lei, são consideradas instituições financeiras: bancos de qualquer espécie, distribuidoras de valores mobiliários, corretoras de câmbio e de valores mobiliários, sociedades de crédito, financiamento e investimentos, sociedades de crédito imobiliário, administradoras de cartões de crédito, sociedades de arrendamento mercantil, administradoras de mercado de balcão organizado, cooperativas de crédito, associações de poupança e empréstimo, bolsas de valores e de mercadorias e futuros, entidades de liquidação e compensação, outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.

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Além disso, as empresas de fomento comercial ou factoring também devem obedecer às disposições da Lei.

A LC 105 define ainda o que não constitui violação do sigilo bancário. É o caso da troca de informações entre instituições financeiras para fins cadastrais; o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes a entidades de proteção ao crédito; comunicação às autoridades competentes de informações sobre ilícitos penais ou administrativo; e revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados.

Portanto, a quebra de sigilo poderá ser decretada quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente em casos criminais, como terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, contrabando, tráfico de armas, extorção, sequestro, entre outros.

A Lei também permite o compartilhamento de informações de que trata o § 2º do art. 11 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, bem como o fornecimento de dados financeiros e de pagamentos, relativos a operações de crédito e obrigações de pagamento adimplidas ou em andamento de pessoas naturais ou jurídicas, a gestores de bancos de dados, para formação de histórico de crédito, como define a LC nº 166 de 2019.

O que dizem as opiniões contrárias à decisão do STF?

O questionamento dos ministros que votaram contra a decisão se dá primeiramente pelo formato com que a medida foi elaborada. Gilmar Mendes, em seu voto, aponta que ao invés de convênio, a previsão de compartilhamento deveria estar definida em lei, para que houvesse regras bem definidas.

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O segundo ponto destacado é a falta de informações a respeito do tratamento desses dados. "Você tem que ter algum critério para que faça sentido fazer essa transferência [de dados], para que, na hora que fizer essa transferência, tenha uma espécie de um filtro de que só pessoas de interesse do Fisco sejam atingidas, e não qualquer pessoa", pontuou o professor da FGV Rio.

Palma também considera importante avaliar que, por mais que a Receita Federal seja sofisticada e com histórico positivo na manutenção de sigilos, os dados serão enviados para órgãos estaduais, que podem não ter a mesma sofisticação de recursos. "Então, faz sentido que seja disciplinado por lei e um pouco mais restrito", conclui.

Fontes consultadas: Conteúdos do Jusbrasil e do STF, Constituição Federal, trechos dos livros "O sigilo bancário" e "O sigilo bancário e direito falimentar", bem como entrevista com o professor de Direito da FGV Rio, Álvaro Palma de Jorge, e com o doutor em Direito Tributário, André Felix Ricotta de Oliveira.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Jusbrasil possui um artigo sobre os aspectos fundamentais do sigilo bancário e o STF publicou notícia explicando a decisão do Plenário. O Comprova já checou conteúdos desinformativos sobre o tribunal, mostrando que o Supremo não alterou lei sobre reforma agrária pondo fim à propriedade privada. O projeto também concluiu que vídeo engana ao usar súmula da Corte para dizer que Reforma Tributária seria inconstitucional.

Este conteúdo foi investigado por Correio do Estado e Metrópoles. A investigação foi verificada por A Gazeta, Tribuna do Norte, Nexo, O Povo, Estadão, Folha e Terra. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 19 de setembro de 2024.

Comprova

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.

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