Propaganda diz que reforma da Previdência 'combate privilégios'. É verdade?
O governo busca o apoio da população à reforma da Previdência e, para isso, lançou em novembro uma campanha publicitária defendendo as mudanças na aposentadoria, com o argumento principal de que ela acabará com privilégios.
A propaganda faz parte do esforço do governo para conseguir os 308 votos para aprovar a reforma na Câmara dos Deputados. Apesar de ser uma prioridade do Planalto, ela gera receio até entre os congressistas aliados por ser vista como uma medida impopular, principalmente com a proximidade das eleições do ano que vem.
A Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) entrou com uma ação contra a propaganda. A Justiça do Distrito Federal chegou a suspender o anúncio em decisão liminar (provisória) na semana passada, dizendo que ele desinformava e era ofensivo. A suspensão, porém, foi derrubada dias depois.
O UOL checou algumas das afirmações feitas na propaganda para saber se elas condizem com a proposta de reforma da Previdência que está sendo discutida no Congresso. Leia abaixo.
"O que vamos fazer de mais importante é combater os privilégios. Tem muita gente no Brasil que trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo."
CONTROVERSO: Segundo o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, a possibilidade de se aposentar sem uma idade mínima, apenas por tempo de contribuição (35 anos para homens e 30, mulheres), permite que as pessoas se aposentem com menos idade. A propaganda se refere a esses casos, afirma.
Ele diz que essas pessoas, em geral, têm uma renda maior, porque para os trabalhadores mais pobres é mais difícil conseguir um emprego com carteira assinada por um longo período e acumular tempo de contribuição.
Assim, "algumas categorias da aposentadoria por tempo de contribuição" e "algumas categorias de servidores" se enquadrariam nessa definição de "trabalhar pouco", segundo Caetano.
Dois especialistas ouvidos pelo UOL têm opiniões divergentes entre si.
Eduardo Zylberstajn, pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), diz que "sem dúvida" há muita gente que trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo.
"A idade média de aposentadoria no INSS, para quem se aposenta por tempo de contribuição, é perto de 55 anos. E muitos servidores públicos ainda conseguem se aposentar abaixo da idade mínima [exigida para funcionários públicos federais]", afirma.
Para o advogado previdenciário Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), a afirmação da propaganda é incompleta, e a definição do que é privilégio é "subjetiva".
Ele diz que as mudanças feitas na Previdência desde 1998 já aproximaram as regras dos servidores da União das dos demais trabalhadores.
Os servidores federais homens que ingressam no serviço atualmente precisam de 60 anos de idade e 35 anos de contribuição para se aposentar, enquanto as mulheres precisam de 55 anos de idade e 30 de contribuição, e devem respeitar o limite máximo do INSS (R$ 5.531,31 em 2017), segundo o advogado. "Será que isso é privilégio?", questiona.
O problema, para o presidente do Ieprev, é que os servidores que entraram no sistema antes das últimas reformas (1998, 2003 e 2013) continuam podendo se aposentar com os benefícios antigos, já que são considerados direitos adquiridos. Assim, segundo Carvalho, gente que "trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo" pode não ser afetada pela reforma atual.
"Com a reforma, servidores públicos ou não terão regras equivalentes."
CONTROVERSO: Roberto de Carvalho diz que nem todos os requisitos para se aposentar foram igualados entre trabalhadores de empresas privadas e servidores públicos na atual proposta de reforma da Previdência. O tempo mínimo de contribuição para servidores se aposentarem será de 25 anos, segundo o texto, maior do que os 15 anos exigidos aos trabalhadores de empresas privadas.
Marcelo Caetano diz que a propaganda está correta. "Existe equivalência entre as regras, mas elas não são iguais", diz. "Equivalência é equivalência e igualdade é igualdade."
Ele afirma que a diferença entre o tempo mínimo de contribuição exigido se justifica porque servidores têm estabilidade no emprego, o que permite que contribuam por mais tempo, com maior segurança, enquanto os demais trabalhadores enfrentam maior rotatividade no mercado de trabalho e podem ter mais dificuldade para alcançar o tempo mínimo exigido.
"Só daqui a 20 anos a idade para se aposentar será de 62 anos para mulheres e 65 para homens."
INCOMPLETO: Um dos pontos centrais da reforma é criar uma idade mínima para que todos possam se aposentar. Na proposta atual, essa idade seria de 62 anos para mulheres e 65 para homens.
Rodolfo Olivo, coordenador da FIA (Fundação Instituto da Administração), diz que haverá uma regra de transição, ou seja, essas idades não valerão imediatamente após a aprovação da reforma. A propaganda da reforma, portanto, está correta nesse ponto.
A idade mínima proposta começa em 53 (mulheres) e 55 (homens) na iniciativa privada, e 55 (mulheres) e 60 (homens) no serviço público. A partir de 2020, vai aumentando, até chegar a 62/65 para todos, em 2038.
Roberto de Carvalho afirma, porém, que a campanha não informa que a reforma deixa as portas abertas para que essas idades mínimas (62 e 65) aumentem no futuro. Com isso, não há certeza de que em 2038 as idades mínimas serão, de fato, 62/65, podendo ser maiores, segundo Carvalho.
A reforma prevê que a idade mínima poderá subir de acordo com o aumento da expectativa de sobrevida da população. Para isso, seria preciso aprovar uma lei específica no futuro, determinando como será esse aumento.
Marcelo Caetano diz que a propaganda não está incompleta nesse ponto, porque a reforma define a idade mínima de 62/65 e, para aumentá-la, é preciso criar uma nova lei.
"Estabelecendo-se uma lei lá na frente, há uma possibilidade de alteração, sim. Mas a idade mínima que estará estabelecida na Constituição [com a reforma] é 65 e 62", diz o secretário.
Zylberstajn diz que "nos parâmetros atuais, essa [62/65] é a idade mínima. Se a expectativa de vida subir, mudam os parâmetros".
"Creio que seria, sim, importante explicitar que a idade mínima também precisa ser uma função da expectativa de vida, até porque ajuda a entender a necessidade da reforma", afirma o economista.
Marcelo Caetano diz que o pouco tempo da propaganda não permitiu uma explicação mais detalhada. "Aí tem a questão da publicidade. Você tem que fazer a explicação em um espaço de tempo mais curto", diz.
"Também não muda nada para os trabalhadores rurais."
CONTROVERSO: Roberto de Carvalho afirma que hoje pequenos trabalhadores rurais, de agricultura familiar, conseguem se aposentar mesmo sem ter contribuído com o INSS por 15 anos, desde que comprovem o trabalho no campo por esse período e recolham uma alíquota de 2,1% quando vendem sua produção. Com a reforma, serão exigidos 15 anos de contribuição para todos, segundo o advogado.
Em entrevista ao Blog do Sakamoto, Evandro José Morello, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), também afirmou que os pequenos agricultores serão afetados pela reforma.
Marcelo Caetano, porém, nega que a reforma irá exigir essa contribuição do pequeno agricultor, e reafirma que as novas regras não vão trazer nenhuma mudança para o trabalhador rural. "Não vai passar a ser exigida essa contribuição individual. Se você for ver, o que se está propondo é totalmente compatível com a redação que está no texto constitucional de hoje", afirma o secretário da Previdência.
"O Brasil vai ter mais recursos para cuidar da saúde, da educação e da segurança de todos."
CORRETO: Uma eventual economia de gastos trazida pela reforma liberaria recursos para outras áreas, segundo os especialistas consultados pelo UOL.
O governo diz que está fazendo a reforma para combater o rombo na Previdência e que, atualmente, os gastos com aposentadoria e outros benefícios do INSS superam a arrecadação. O rombo do INSS foi de R$ 150 bilhões em 2016, segundo o governo.
Entidades que são contra a reforma da Previdência defendem que essas contas não estão corretas, e que o rombo não é tão grande, ou mesmo não existe. Essa foi a conclusão da CPI da Previdência, feita neste ano no Congresso.
Independentemente do rombo, os especialistas consultados pelo UOL afirmam que, se os gastos com a Previdência diminuírem, sobraria mais dinheiro para outras áreas.
Rodolfo Olivo diz que, na prática, o governo tem um caixa só e, à medida que os gastos com Previdência caem, liberam-se recursos para outras áreas.
O economista Eduardo Zylbertajn também considera correta a afirmação da propaganda do governo. "Se não fizer a reforma, uma parcela cada vez maior do Orçamento federal irá para a Previdência e deixará de ser usado em outras áreas sociais muito importantes."
"Como existe aquela limitação do teto por 20 anos [limite para os gastos públicos], quanto mais recursos forem destinados à seguridade, menos recursos vamos ter para outras áreas", diz Roberto de Carvalho.
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