Post do PT confunde conceitos ao acusar BC de "alimentar lucro dos bancos"
Nem sempre fazer um meme para simplificar um assunto complexo se mostra uma boa ideia, porque a postagem pode mais confundir do que explicar. Para economistas ouvidos pelo UOL, é o que faz uma publicação do Partido dos Trabalhadores, que acusa o Banco Central do Brasil (BC) de fazer repasses ao Tesouro para "alimentar lucro dos bancos".
"O desgoverno Bolsonaro pretende transferir cerca de R$ 400 bilhões dos lucros cambiais do Banco Central para abater parte da dívida pública. É mais uma tentativa para favorecer o setor financeiro que já foi premiado com R$ 1,3 trilhões [sic] durante a pandemia. A medida é a mais evidente demonstração da farsa repetida pelo governo Bolsonaro de que 'o PT deixou o país quebrado'", diz a postagem do dia 19 de agosto no Facebook.
O texto é acompanhado de uma montagem com os rostos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de Paulo Guedes, ministro da Economia. Até ontem, o post tinha mais de 620 comentários e 2 mil compartilhamentos.
O desgoverno Bolsonaro pretende transferir cerca de R$ 400 bilhões dos lucros cambiais do Banco Central para abater...
Publicado por PT - Partido dos Trabalhadores em Quarta-feira, 19 de agosto de 2020
Para economistas ouvidos pela reportagem, em vez de aprofundar a discussão sobre política monetária, a publicação faz confusão entre conceitos econômicos e induz a uma ideia errada da ligação entre a operação e o lucro dos bancos. Em um texto publicado no seu site dias depois, o partido explica melhor sua lógica e corrige conceitos do post.
Operação é real, mas publicação mistura conceitos econômicos
Ao UOL, o Banco Central confirmou o repasse de R$ 325 bilhões da "reserva de resultado" para o Tesouro, para o pagamento da Dívida Mobiliária Federal interna. Este dinheiro não representa as reservas cambiais em si, mas o resultado dos ganhos dessas reservas, uma espécie de lucro.
"Reservas cambiais ou internacionais são o que o país guarda de outras moedas, em sua maioria dólares por meio de títulos públicos americanos. Quem administra e faz as operações dessa moeda é o BC e às vezes ele tem lucro. É parte deste ganho que foi repassado", explica Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo).
"Pelo fato de as reservas internacionais do Brasil, hoje, serem muito grandes, quando a moeda nacional deprecia, como aconteceu com o real desde dezembro, isso propicia também grandes ganhos em real nestas reservas. O BC repassou parte desta sobra", explica Fernando Nogueira da Costa, ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal e professor da Unicamp (Universidade de Campinas).
O economista aponta ainda que o Tesouro e o BC "têm uma conta única" e a publicação induz a uma ideia errada de transferência de dinheiro entre os órgãos.
A historiadora Ana Paula Salviatti, doutoranda em Economia pela Unicamp, bate no mesmo ponto. Ela diz haver uma "confusão de fundamentos".
"O post é equivocado porque está tratando algo que é o fluxo de caixa das operações do Banco Central como se fosse recurso do BC. Só que os recursos já são do Tesouro, só cabe ao BC administrar a política monetária", avalia Salviatti, que trata sobre política monetária e operações compromissadas em sua tese de doutorado.
Post confunde ao fazer ligação direta entre operação e lucro dos bancos
Para os economistas, dizer que a operação é feita para favorecer bancos privados é um equívoco. De diferentes escolas, os analistas disseram que a publicação cria "uma grande confusão" ao estabelecer relação direta entre um e outro.
"Não consigo entender [a ligação direta]. Teoricamente, ao facilitar a vida do Tesouro [com a liberação de mais recursos], a contraparte é justamente o sistema bancário, pois, com mais reserva, o Tesouro não tem de recorrer a juros piores", avalia Marçal.
Para ele, este dinheiro foi liberado neste momento como uma espécie de "medida de emergência" dado contexto atual. "A pandemia pegou pesado com o Tesouro, foram muitos recursos [gastos]. Este dinheiro faz com que ele fique mais tranquilo e só precise ir ao mercado renegociar dívida quando tudo estiver mais calmo", analisa o economista.
O ex-vice-presidente da Caixa diz considerar a publicação "leviana". "Eu sou de esquerda, progressista e heterodoxo, mas este é um discurso muito equivocado. Falar isso faz parte daquela tradição de esquerda de demonizar banqueiros, mas não há uma consequência direta aí", afirma Costa.
"É como se só a remuneração dos títulos públicos fosse um canal de remuneração ao alcance de bancos e instituições financeiras, o que não é necessariamente uma verdade", avalia Salviatti. "As próprias operações do BC para retirar liquidez do mercado poderiam ser apontadas como uma forma de remuneração das instituições financeiras", exemplifica.
Ao UOL, o BC afirmou que as reservas internacionais "dão confiança ao mercado acerca da segurança do país para enfrentar potenciais choques externos" e que sua atuação no mercado de câmbio "visa a manutenção de seu normal funcionamento".
Texto do PT explica e corrige publicação
Em resposta ao UOL, o PT enviou uma publicação em seu site do dia 28 de agosto, atualizada na última segunda (1º), em que cita o valor correto do repasse (R$ 325 bilhões) e expõe a sua lógica de como a medida pode ser "uma verdadeira doação aos bancos". Segundo economistas ouvidos pelo partido, as instituições privadas "ganham duas vezes com a transferência dos recursos".
"O Tesouro resgata títulos e paga os credores, ou seja, os bancos. Com isso, aumenta as reservas bancárias e tem que enxugar a liquidez. E faz isso com títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (operações compromissadas). Ou seja, a dívida fica no mesmo patamar e o governo enche as burras do mercado com dinheiro público", diz o texto.
Segundo o BC, em agosto de 2016, quando Dilma Rousseff (PT) deixou a presidência, as reservas estavam em US$ 369,5 bilhões. Em julho deste ano, em US$ 354 bilhões. Os números do mês passado ainda não foram divulgados.
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