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Promessa de Marina prevê criação de 2,5 milhões de vagas em creches

Ítalo Rômany

03/09/2018 04h00

Esta reportagem faz parte da série UOL Confere Promessas de Campanha, que vai verificar promessas feitas pelos presidenciáveis para checar a sua viabilidade. A cada semana serão descritas e avaliadas uma promessa de cada um dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na mais recente pesquisa Datafolha. Saiba mais sobre esta série.

Nesta segunda, será abordada uma proposta de Marina Silva (Rede): a criação de 2.5 milhões de vagas em creches.

O que a candidata prometeu

O plano de governo de Marina Silva (Rede) afirma: "Nossas metas incluem a ampliação da oferta de creches para crianças de 0 a 3 anos dos atuais 30% para 50% em todo o país".

Ilustração Marina -  -

A promessa não é nova no histórico de campanha da ex-senadora. Na eleição de 2014, o programa de governo de Marina não incluía uma meta, mas afirmava que seria necessário "desburocratizar repasses de recursos e integrar os diferentes programas já existentes" para ampliar o número de vagas em creches. Citava também a necessidade de convênios com entidades privadas, sem detalhar como isso funcionaria. Na campanha anterior, de 2010, Marina propunha creches públicas com cogestão e supervisão comunitária.

Qual é o contexto

Atualmente, o Brasil tem 11,8 milhões de crianças com até três anos de idade, segundo projeção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Desse total, há 3,4 milhões matriculadas em 67.902 creches do país, de acordo com dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Portanto, para atingir a meta de ter 50% das crianças de zero a três anos em creches, seria necessário criar cerca de 2,5 milhões de vagas.

A meta de atender metade destas crianças em creches consta também no Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê diretrizes para governos federal, estaduais e municipais até 2024. Mas é algo que o Anuário da Educação 2018, da ONG Movimento Todos pela Educação, só prevê que ocorra depois de 2040, se for mantido o ritmo atual de oferta de vagas em creches. Relatório da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente diz que a meta de ter 50% das crianças de até três anos em creches só será atingida em 2043.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) diz que as creches são de responsabilidade das prefeituras. Os recursos para educação no país vêm do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que reúne impostos de Estados e municípios e uma complementação da União. A maior parte (60%) é destinada ao pagamento de professores, e o restante deve financiar um dos níveis do ensino básico (até 17 anos). Ou seja, as prefeituras decidem o que fazer com 40% dos recursos.

Um outro programa, voltado para crianças até quatro anos, está praticamente parado pela drástica redução de recursos. Trata-se do Brasil Carinhoso, programa do Ministério do Desenvolvimento Social, que transfere recursos para os municípios bancarem despesas com manutenção e desenvolvimento de crianças beneficiadas pelo programa Bolsa Família. Estudo da Abrinq mostra que o orçamento do programa caiu mais de 95% neste ano em relação a 2017, passando de R$ 137 milhões para R$ 6,5 milhões.

A falta de recursos também paralisou as obras de 593 creches no país, que estão inacabadas e sem previsão de retomada, segundo o Ministério da Educação (MEC). Quando estiverem prontas, receberão 62.936 crianças em período integral. A assessoria de imprensa do ministério informa que não há previsão de retomada nem estimativa de valores necessários para concluir as obras.

A Confederação Nacional dos Municípios publicou um estudo em dezembro do ano passado, no qual estima que, para terminar as 476 obras inacabadas de creches (existentes naquele momento), seriam necessários no mínimo R$ 717 milhões.

Há espaço de manobra para o novo presidente aumentar a contribuição da União para as despesas de educação dos Estados e municípios, porque o Fundeb ficou de fora do teto de gastos públicos (a emenda constitucional 95). Mas, para isso, a arrecadação precisará crescer ou o governo deverá transferir recursos de outras áreas para a educação. Em 2020, segundo ano do novo governo, o Congresso poderá revisar a distribuição dos recursos do Fundeb, o que poderá abrir possibilidades.

Como a candidata vai cumprir a promessa

Questionada sobre a fonte de recursos para cumprir a promessa, a assessoria da campanha de Marina respondeu: "Os recursos para a ampliação do número de vagas irão advir do orçamento público para a Educação, como todos os investimentos desta área".

Segundo a campanha da candidata da Rede, a limitação para elevação de gastos públicos, imposta pela emenda constitucional 95, não seria um problema. "Será feito um ajuste fiscal que promova as reais prioridades do Brasil", diz a assessoria da candidata. A ampliação de creches será uma dessas prioridades. O aumento de vagas, diz a assessoria, será feito junto com os municípios e com a possível participação da sociedade civil.

O que pode ser feito

A administradora executiva da Fundação Abrinq, Heloísa Oliveira, não considera “impossível” a meta, mas pondera que o governo precisaria ter recursos que hoje estão limitados. Para ela, um primeiro passo seria a retomada de obras paradas do Programa Proinfância, lançado no segundo mandato do ex-presidente Lula, com o objetivo de reestruturar creches e escolas para ampliação de vagas. A prioridade para a abertura de novas creches, segundo Heloísa, deve ser a região Norte, onde apenas 13,8% das crianças estão em uma creche.

O diretor de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Eduardo Marino, concorda sobre as dificuldades para cumprir a meta. Até que se consigam avanços, ele sugere mudanças nas regras para que as mães que trabalham fora de casa tenham preferência nas creches. Marino propõe também que o Plano Nacional de Educação seja rediscutido para aumentar a meta nas grandes metrópoles e capitais, diminuindo em pequenas cidades do país.

Há projetos em tramitação no Congresso com essa proposta?

Os projetos em tramitação propõem o uso de creches particulares, já que não há vagas suficientes na rede pública. O projeto 6.981, de 2017, de Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) e Daniel Coelho (PSDB-PE), prevê dedução no Imposto de Renda para empresas que destinem recursos para o pagamento de mensalidades de crianças de famílias de baixa renda em creches privadas. Já o projeto 9.707, de 2018, de Miguel Lombardi (PR-SP), autoriza a União a pagar até 50% das mensalidades de creches particulares para famílias sem vaga no sistema público.

No Senado, o projeto 200, de 2018, de Wilder Morais (DEM-GO), permite destinar recursos do Fundeb para pagar creches particulares para crianças de até três anos. Hoje essa destinação é proibida.

Avaliação: Dá pra fazer, mas depende de mais recursos, o que demandará remanejamento de despesas

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