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Contra Mais Médicos, Bolsonaro promete criar carreira de médico de Estado

Ítalo Rômany

06/09/2018 04h00

Esta reportagem faz parte da série UOL Confere Promessas de Campanha, que vai verificar promessas feitas pelos presidenciáveis para checar a sua viabilidade. Nesta semana, serão descritas e avaliadas uma promessa de cada um dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na mais recente pesquisa Datafolha sem Lula, divulgada em 22 de agosto. Saiba mais sobre esta série.

Nesta quinta, será abordada uma proposta de Jair Bolsonaro (PSL): a criação da carreira de médico de Estado.

O que o candidato prometeu

O programa de Jair Bolsonaro promete: "Será criada a carreira de médico de Estado, para atender as áreas remotas e carentes do Brasil."

Em vídeo, Bolsonaro disse: "Vamos criar a figura do médico de Estado, com salário compatível, e para as regiões, caso o médico queira ir pra lá, ele já sabe qual é o salário dele. (...) E o salário vai ser mais que atrativo, tenho certeza. O dinheiro vai ficar no Brasil, e o pobre vai ter atendimento de qualidade, pois sabe que o médico é médico. Os cubanos que temos aqui ninguém sabe, na verdade, o que são."

Ilustração Bolsonaro -  -

Qual é o contexto

O objetivo da proposta é incentivar médicos a trabalharem em lugares distantes, com salários atrativos. Entre as vantagens de uma carreira de
servidor do Estado, com entrada por meio de concurso público, o profissional teria piso salarial fixado em lei, garantia de pagamento, estabilidade no cargo e promoções por antiguidade e merecimento.

Quem lançou a ideia foi a Associação Médica Brasileira (AMB), em 2009, afirmando que a criação da carreira de médico de Estado facilitaria o acesso da população a médicos porque faltam profissionais em muitas regiões, especialmente as mais pobres. Pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que, enquanto São Paulo concentra 28% do total de médicos do país, o Maranhão tem apenas 1,3%. O próprio CFM reconhece que houve aumento no número de médicos nos últimos anos, mas a desigualdade na distribuição entre as regiões persiste. Atualmente, há mais de 451 mil médicos atuando no Brasil.

Em novembro do ano passado, o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, quando questionado sobre a criação da carreira de médico de Estado, disse: "A equação é muito complexa, porque esbarra em princípios constitucionais da isonomia. O limite constitucional do teto do servidor público diz que, nos municípios, o maior salário é do prefeito. Isso não viabiliza a contratação de médicos nesses locais."

O teto do salário dos gestores municipais é definido por cada Câmara de Vereadores, como consta na Constituição. Por exemplo, o prefeito de Rurópolis, município de quase 50 mil habitantes no Pará, ganha R$ 14 mil. Já o prefeito de Xique-Xique, na Bahia, recebe R$ 18 mil.

Em defesa da criação da carreira de médico de Estado, a AMB entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2013, questionando a criação do Mais Médicos, lançado pela então presidente Dilma Rousseff. A entidade alegava que o programa promovia “o exercício ilegal da medicina”, ao trazer milhares de médicos cubanos para trabalhar no Brasil sem a realização de exames de revalidação de diploma. Por 6 votos a 2, o STF rejeitou o pedido, no final de 2017.

Hoje, segundo o Ministério da Saúde, 16.721 médicos participam do Mais Médicos: 8.612 cubanos; 5.056 brasileiros e 3.053 intercambistas (brasileiros formados no exterior e de outras nacionalidades). No ano passado, o orçamento do programa foi de R$ 3,1 bilhões. Segundo o ministério, todos os profissionais (estrangeiros e brasileiros) que participam do Mais Médicos recebem bolsa-formação (já que não há vínculo empregatício) de R$ 11,8 mil mensais, para 40 horas semanais de trabalho.

Como o candidato vai cumprir a promessa

A reportagem entrou em contato com a assessoria de campanha do candidato Jair Bolsonaro, por telefone, e-mail e aplicativo de mensagens. Até o fechamento deste texto, não houve resposta.

O que pode ser feito

Para criar a carreira de médico de Estado, Bolsonaro, se eleito, precisará apresentar ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). São necessários dois turnos de votação, com o apoio de 308 deputados e 49 senadores. A coligação do candidato tem apenas oito deputados na Câmara e nenhum senador. Caso consiga fazer um acordo e reunir os votos necessários para criação da carreira, o candidato teria de definir de onde virá o dinheiro para as contratações.

O vice-presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), Diogo Leite Sampaio, diz que a criação da carreira de médicos poderia ser feita com o orçamento de programas já existentes na área da saúde, como o próprio Mais Médicos. Mas a AMB não tem cálculos nem do número ideal de médicos a serem contratados, nem dos salários a serem pagos e tampouco do valor orçamentário necessário para implantação.

Na defesa do projeto, Sampaio afirma que a proposta da AMB prevê que o médico de Estado tenha especialização em saúde da família. "Se um médico fizer um atendimento qualificado, 80% dos problemas de saúde são resolvidos na atenção primária, através da prevenção. É um programa gigantesco. Não seria um custo, mas um investimento", argumenta.

O coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS (Sistema Único de Saúde), Donizetti Giamberardino, do CFM, aponta que um dos gargalos da saúde pública é o serviço de atenção básica, sob responsabilidade dos governos municipais. Quem mais sofre são as cidades pequenas, de até 50 mil habitantes, que representam 90% dos municípios brasileiros.

Segundo ele, uma alternativa seria aperfeiçoar o programa Mais Médicos, substituindo os atuais profissionais por outros, por meio de concursos públicos. "O vínculo (com o Mais Médicos) é precário. Teria de ser transformado em algo mais formal, substituindo contratos precários por uma carreira", afirma Giamberardino.

Há projetos em tramitação com essa proposta?

A PEC 454, de 2009, em tramitação na Câmara Federal, de autoria de Ronaldo Caiado (DEM-GO), cria a carreira de médico de Estado a partir de concurso público. É a proposta apoiada pela Associação Médica Brasileira. Sem prever a origem dos recursos orçamentários para implantar a carreira, já foi aprovado pelas comissões da Câmara e espera votação em plenário desde 2016.

No Senado Federal, há três PECs em tramitação. A 116, de 2015, que cria carreira nacional de médico e dentista de saúde da família do SUS, está em análise pelo relator na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). As propostas 34, de 2011, e a 140, de 2015, que também criam a carreira de médico de Estado, aguardam designação de relator na CCJ.

Avaliação: Dá para fazer, mas depende de mudança na Constituição

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