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Marina Silva promete fornecer remédio de alto custo sem ordem judicial

Leda Antunes

26/09/2018 04h00

Esta reportagem faz parte da série UOL Confere Promessas de Campanha, que vai verificar promessas feitas pelos presidenciáveis para checar a sua viabilidade. A cada semana serão descritas e avaliadas uma promessa de cada um dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na mais recente pesquisa Datafolha. Saiba mais sobre esta série.

Nesta quarta, será abordada uma proposta de Marina Silva (Rede): o acesso de pacientes a remédios de alto custo sem a necessidade de ordem judicial.

O que a candidata prometeu

"Nós vamos disponibilizar os medicamentos essenciais, remédios de pressão alta, diabetes e de alto custo para que a população não tenha que entrar na Justiça", disse a candidata à Presidência, Marina Silva (Rede), em uma rede social.

Ilustração Marina -  -

Qual é o contexto

A assistência farmacêutica é uma ação de saúde pública que integra o SUS (Sistema Único de Saúde). Os remédios oferecidos de forma gratuita são determinados pela Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais). A lista, definida pelo Ministério da Saúde, é divida em três componentes: básico, estratégico e especializado.

Na primeira categoria, entram os medicamentos voltados para a atenção básica, distribuídos nos próprios postos de saúde. No componente estratégico, estão os remédios para doenças infecto-contagiosas, muitas vezes relacionadas à situação de pobreza, como tuberculose, hanseníase e malária, além dos antirretrovirais para tratamento de pessoas vivendo com HIV/Aids, entre outros.

O componente especializado abrange uma lista de medicamentos usados em situações clínicas específicas, principalmente doenças crônicas graves, com tratamento mais caro ou mais complexo. É nesse grupo que entram a maior parte dos medicamentos de alto custo distribuídos pelo SUS. Em 2017, o Ministério da Saúde gastou mais de R$ 6 bilhões com remédios de alto custo para atender a 2,2 milhões de pacientes.

Apesar disso, alguns pacientes têm de recorrer à Justiça para garantir o remédio que precisam. Isso acontece quando não recebem o medicamento pela via administrativa - por negativa ou demora na análise do pedido -, quando há falha no fornecimento nos centros de distribuição de estados e municípios, ou então porque o medicamento prescrito pelo médico não está contemplado na lista oficial do SUS.

Em oito anos, os gastos do Ministério da Saúde para atender a ordens judiciais de compra de medicamentos, insumos e suplementos alimentares aumentaram 912%. Entre 2010 e 2017, o governo federal desembolsou R$ 5 bilhões. Segundo o ministério, os dez remédios mais caros foram para o tratamento de doenças raras, como a lipodistrofia familiar e a doença de Fabry.

Como a candidata irá cumprir a promessa

A campanha de Marina Silva não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem para esclarecer a proposta. No entanto, no último debate presidencial, realizado pela TV Aparecida, no dia 20, a candidata falou sobre o assunto e deu alguns detalhes.

"No caso dos remédios de alto custo, uma coisa que nós vamos fazer é quebrar as patentes, como foi feito no caso da Aids", disse. Marina se refere ao decreto 6.108, de maio de 2007, assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que determinou quebra de patente do Efavirenz, medicamento antirretroviral utilizado por pessoas com HIV e distribuído pelo SUS. Com a decisão, o governo pôde importar o medicamento de outro fabricante, não mais do laboratório americano que detinha a patente, por um valor 70% menor.

A candidata também mencionou um caso mais recente, do Sofosbuvir, medicamento utilizado no tratamento da hepatite C que teve sua patente concedida à farmacêutica norte-americana Gilead. Em maio deste ano, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) conseguiu a autorização da Anvisa  (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para produzir a versão genérica do remédio. A droga seria utilizada no SUS e geraria uma economia de R$ 1 bilhão para o Ministério da Saúde. Uma decisão do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual), na semana passada, manteve a exclusividade do laboratório americano na produção. A Fiocruz, portanto, não poderá fornecer o genérico mais barato.

No debate, Marina criticou a decisão do INPI. Ela e seu colega de chapa, o candidato a vice-presidente Eduardo Jorge (PV), entraram na Justiça pedindo a quebra da patente e conseguiram uma liminar favorável no último domingo, dia 23. A decisão provisória da Justiça Federal do Distrito Federal anula a patente do remédio. Ainda cabe recurso.

O que dá para fazer

O INPI é o órgão responsável por conceder patentes no Brasil. A patente garante ao detentor a exclusividade sobre produção do remédio por 20 anos. No caso dos medicamentos, o pedido também passa pela análise da Anvisa, que deve avaliar os aspectos do produto relacionados à saúde pública e emitir um parecer. O INPI avalia se o produto é uma novidade, se é uma invenção e não uma descoberta, e se tem aplicação industrial, explica o pesquisador Jorge Bermudez, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Se o entendimento do INPI for contrário ao da Anvisa, ele prevalecerá.

Depois da patente concedida, um presidente pode quebrá-la por decreto, como fez o ex-presidente Lula no caso do Efavirenz, em 2007, afirma Bermudez. Se eleita, a candidata Marina Silva poderia fazer o mesmo para o Sofosbuvir, por exemplo.

No entanto essa não é uma decisão trivial e funciona como uma terceira etapa de um processo, aponta o pesquisador. "Primeiro, o governo declara interesse público nesse produto e nessa doença, depois tenta negociar um preço melhor com o detentor da patente e, como último recurso, pode decretar a licença compulsória."

Para o farmacêutico Everton Borges, membro do grupo de trabalho sobre judicialização de medicamentos do CFF (Conselho Federal de Farmácia), a quebra de patentes não funciona em todos os casos de remédios de alto custo. "É interessante se falar em quebra de patente, mas é preciso definir os critérios, quais os medicamentos e quem irá produzir", avalia. No caso da hepatite C, Borges afirma que fica clara a importância de uma decisão como essa, pois há interesse público e capacidade de produção nacional. Porém, a situação não é a mesma para todos os medicamentos judicializados no país.

Túlio Batista Franco, professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que apenas a quebra de patentes defendida pela candidata não seria suficiente para resolver o problema da judicialização. Ele cita um relatório de 2016, do Conselho Nacional de Justiça, que apontava 300 mil ações judiciais -- de um total de 1,3 milhão relacionadas com direito à saúde -- pedindo acesso a medicamentos. "Então, a quebra de patentes serve para resolver alguns casos específicos, sem grande impacto na judicialização", afirma.

O psiquiatra Salomão Rodrigues Filho, do CFM (Conselho Federal de Medicina), afirma que a redução da judicialização depende de maior agilidade do Ministério da Saúde em atualizar a lista dos medicamentos essenciais (Rename). Para Fabiola Vieira, do Ipea, esse processo não pode ser influenciado pela indústria farmacêutica. Ela também alerta para o impacto que a inclusão de todos esses remédios na lista do SUS poderia ter no orçamento do ministério.

"A gente sabe que fornecer tudo para todos é inviável. Não há recursos suficientes para tudo isso", acrescenta Everton Borges, do CFF. Para ele, é preciso um estudo detalhado do que poderia ou não ser incorporado à lista. Segundo o próprio Ministério da Saúde, a incorporação de novas tecnologias no SUS, incluindo medicamentos, tem sido feita a partir da análise da eficácia, efetividade e custo-benefício, e é acompanhada de regras precisas quanto à indicação e forma de uso.

Avaliação: Dá pra fazer, mas especialistas avaliam que só quebra de patente não resolve o problema

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