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Em três anos, governo federal destina mais de R$ 400 mi contra chuvas no RJ; especialistas criticam "febre de obras"

Camila Campanerut

Do UOL, em Brasília

09/01/2013 06h00

De 2010 a 2012, o governo federal, por meio do Ministério da Integração Nacional, destinou R$ 425,9 milhões para obras de construção e socorro às vítimas de desastres naturais, sobretudo por causa de chuvas, no Estado do Rio de Janeiro. Desses recursos, R$ 339,3 milhões, 79% do total, já foram pagos ao governo estadual.

Os recursos na casa dos milhões, no entanto, não bastam para que os problemas de enchentes, deslizamentos e alagamentos deixem de ocorrer a cada verão, segundo especialistas ouvidos pelo UOL, que criticam a “febre de obras” e a falta de uma política coerente de uso dos recursos, além da pouca integração entre os governos federal, estadual e municipais.

Recursos federais para o Estado do Rio

AnoRecursos destinadosRecursos pagosÁreas mais afetadas
2010R$ 240 milhõesR$ 210 milhõesMorro do Bumba, Angra dos Reis, Paraty e Ilha Grande
2011*R$ 150 milhõesR$ 118 milhõesRegião serrana
2012*R$ 35,9 milhõesR$ 11,3 milhõesVolta Redonda, Sapucaia e ao menos mais 13 municípios
2013--Baixada fluminense
TOTALR$ 425,9 milhõesR$ 339,3 milhões 
    
  • fonte: Ministério da Integração Nacional
  • *Nos anos de 2011 e 2012, os valores se referem ao que o ministério da Integração Nacional, por meio da Secretaria Nacional de Defesa Civil, destinou ao governo estadual após as tragédias causadas pelas chuvas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, o que chamou de Operação Serrana.

Em 2010, R$ 240 milhões foram destinados pelo governo federal; em 2011, R$ 150 milhões; e, em 2012, R$ 35,9 milhões (veja tabela ao lado). O ministério não informou em que época do ano os recursos foram pagos.

Os recursos foram usados em obras variadas. Em 2010, o dinheiro foi usado para contenção de encostas e construção de casas em Angra dos Reis; construção de unidades habitacionais em Duque de Caxias e Belford Roxo, e para obras de reconstrução dos municípios de Araruana, Cachoeiras de Macacu, Maricá, Petrópolis, Saquarema e Tanguá, o que incluí a recuperação de vias, ruas, estradas, desobstrução de canais e rede de drenagem, reconstrução de pontes, contenção e estabilização de encostas e construção de casas.

Em 2011, parte do dinheiro foi para socorro e assistência às vítimas, dentro da chamada Operação Serrana. Os municípios beneficiados com os recursos foram Areal, Bom Jardim Petrópolis, Nova Friburgo, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro, Teresópolis.Também houve dinheiro destinado a reconstrução de pontes e pontilhões.

No ano passado, o dinheiro também foi usado para socorro e assistência às vítimas e parte para obras de reconstrução.

Logo nos primeiros dias de janeiro deste ano, o problema se repetiu: as chuvas voltaram a castigar o Estado do Rio, desta vez, com mais força no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, provocando a morte de pelo menos de duas pessoas e deixando centenas de desalojados e desabrigados.

De acordo com o ministério da Integração Nacional, a liberação do restante dos recursos será feita apenas após a prestação de contas, pelo Estado, do primeiro repasse.

Para 2013, ainda não foi feito anúncio oficial das verbas que serão repassadas pelo governo federal ao Estado do Rio. No início da semana, a prefeitura de Duque de Caxias já se adiantou e informou que pedirá R$ 30 milhões para o Ministério da Integração Nacional para construir ponte, reurbanizar a área afetada, reconstruir ruas e pagar o aluguel social a 150 famílias.

Em entrevista coletiva na última sexta-feira (4), o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), admitiu que há lentidão na realocação das vítimas de 2011, que ainda não receberam suas casas. Das mais de seis mil moradias previstas, as primeiras 400 devem ser entregues a partir de abril deste ano. Alguns dos moradores sobrevivem com o aluguel social, no valor médio de R$ 500.

“O balanço, infelizmente, de maior atraso destes recursos todos é o balanço dos investimentos habitacionais na região serrana. [Há] O problema da desapropriação, dos recursos judiciais, apresentados pelos proprietários dessas áreas e a decisão final da justiça”, afirmou Cabral. 

O governador, no entanto, não reclamou do montante destinado pelo governo federal ao Estado para obras de prevenção, assistência e reconstrução dos locais atingidos nos últimos anos.

Outro problema destacado pelo governador e pelo ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, é a revisão da atual legislação para permitir a maior celeridade nas obras, por meio de um sistema diferenciado de contratação.

“Febre de obras” não resolve

Apesar da destinação de milhões para obras de construção e socorro às vítimas de desastres naturais, especialistas consultados pelo UOL afirmam que, além de dinheiro, falta uma política coerente, que defina onde investir os recursos, tanto para prevenção quanto para medidas emergenciais.

“O essencial hoje é definir-se o que deva ser realmente feito em termos emergenciais e preventivos. Até porque não será com uma febre de obras que os problemas serão resolvidos. Ou seja, é preciso, antes de mais nada, ter-se garantia que os recursos que houver serão tecnicamente bem aplicados. O governo federal e os governos estaduais, por serem melhor preparados para tanto, deverão dar suporte técnico aos municípios para as decisões a tomar, como também acompanharem ‘pari passu’ (simultaneamente) a aplicação dos recursos”, avalia Álvaro Rodrigues dos Santos , consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente e ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).

A curto e médio prazos, o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade São Paulo) Augusto José Pereira Filho destaca ações prioritárias:  “retirar todas as pessoas das áreas durante o período de risco significativo, melhorar os sistemas de alerta, equipar mais e melhor a Defesa Civil, investir em medidas estruturais e em educação ambiental”. “Há condições politicas, legislativas, judiciarias e técnicas para melhor prevenir, mitigar e salvar vidas preciosas para o Brasil”, afirmou ao UOL

Outro entrave é que o dinheiro destinado pelo governo às áreas afetadas esbarra em obstáculos no caminho. O TCU (Tribunal de Contas da União), que acompanha o destino dos recursos, muitas vezes recomenda a paralisação delas quando identifica aumento nos preços ou irregularidades.

Para o professor de engenharia geotécnica da Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) Willy Lacerda, o tribunal de contas deveria destinar técnicos para fazer um acompanhamento inicial das obras, que muitas vezes são orçadas rapidamente para garantir o recurso, mas que pecam pela imprecisão, fazendo com que elas saiam mais caras do que se esperava.

“Tem que haver um acompanhamento muito rápido, muito ágil [por parte do TCU], para poder ir corrigindo estes desvios à medida que eles forem sendo constatados e não encarar tudo como sendo roubalheira. Nem todo desvio é roubo. Muitas vezes o projeto não foi feito a tempo”, afirmou Lacerda. 
Na avaliação de Álvaro Rodrigues dos Santos, o foco emergencial deve estar na remoção e no reassentamento dos moradores das áreas de alto e muito alto risco.

A mesma ponderação foi feita pelo diretor da Coppe-UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa. “O grande problema é a realocação das famílias. É a necessidade de tirar as pessoas que moram em local de alto risco e colocá-las em condições dignas em local que não tenha o mesmo risco, mas tem que ter casa, transporte”, afirmou ao UOL

Avanços

Rosa destaca que houve avanços, nos últimos anos, mas a falta de integração os governos federal, estaduais e municipais impede a continuidade e complementação das atividades.

“O governo federal criou um centro de desastres naturais localizado em Cachoeira Paulista (no interior de São Paulo), no âmbito do Inpe, que é um instituto do governo federal. O governo municipal tem um centro de monitoração da cidade, com informação, com automação. Existem alguns sistemas de alarme para ser acionado com um sistema sonoro nas áreas de risco. Eu acho que falta uma concatenação (encadeamento) de isso tudo”, afirma.

“Aqui no Rio, o instituto de geotecnia há muitos anos fez um trabalho importante de contenção e áreas muito perigosas no Rio de Janeiro. Mas a gente sabe que, volta e meia, acontecem novamente estes acidentes. Isso não é muito fácil, a topografia não ajuda”, afirmou.

“Falta uma política coerente. Recursos que uma autoridade pública seja capaz de executar de maneira eficiente. É isso o que falta em geral no Brasil, não só no Rio”, completou.