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Vítimas do Pinheirinho se viram para pagar aluguel e sonham em ter dignidade de volta

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

22/01/2013 06h00

Ao menos 40% das famílias do Pinheirinho passaram a viver em condições de extrema pobreza após a reintegração de posse do terreno em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, a 97 km da capital paulista, que completa um ano nesta terça-feira (22). É o que aponta a principal liderança do movimento sem-teto Valdir Martins, conhecido como Marrom. Sendo assim, grande parte dessas pessoas se vira como pode para pagar o aluguel e sonha em ter a dignidade de volta.

"Há muitos morando em lugares improvisados, como garagens, e áreas de risco, outros vivendo de favor na casa de amigos e familiares, e ao menos umas cinco famílias em condições de rua", afirma Marrom, que relaciona a situação ao aumento do aluguel na cidade e a insuficiência da bolsa-aluguel de R$ 500 para custear as despesas da locação de imóveis.

Até novembro de 2012, segundo dados da Prefeitura de São José dos Campos, 1.719 famílias ligadas ao Pinheirinho recebiam o auxílio oferecido pelo governo do Estado em parceria com o município. Mas, em dezembro do mesmo ano, 149 famílias tiveram o pagamento bloqueado por não terem sido localizadas pelas assistentes sociais. "Na medida em que essas famílias estão se apresentando à prefeitura, com a documentação exigida, o pagamento está sendo desbloqueado", informou a assessoria de imprensa da cidade.

Para conseguir bancar o aluguel, Keyth Rodrigues, 31, teve que se submeter a morar na periferia da cidade em uma casa de apenas dois cômodos. Ela e a filha dividem o único quarto do local, que também é utilizado como sala. "As minhas condições de vida caíram muito neste um ano", que desde a reintegração de posse viu sua vida desmoronar. "Perdi a casa, fiquei desempregada e meu marido foi embora."

Com os olhos cheios de lágrimas e um olhar marcado pela tristeza, Keyth compara a perda de sua antiga casa no Pinheirinho à perda da dignidade. "Me senti uma mendiga, abandonada por todos", diz sobre o tempo que viveu no abrigo. "Um dia você tem tudo, mas no outro, quando acorda, já não tem mais nada", completa.

Vítima do Pinheirinho diz que não é mais o mesmo após tiro

A única renda de Keyth e da filha de 14 anos é a ajuda de custo do governo. "R$ 400 vai direto para o aluguel, os outros R$ 100 sobram para pagar as contas e comprar comida", conta ela, que pretende vender lanches para complementar a renda. E, se não bastasse, em dezembro ela teve o benefício suspenso porque a assistente social não encontrou a casa onde mora. "Menos mal que a proprietária entende minha situação. Mas a situação parece ter sido resolvida e nesse mês, provavelmente, vou receber retroativo." E sobre o futuro, ela diz não fazer muitos planos. "Não sei o que vai ser daqui para frente. Só espero que eles [o governo e o município] cumpram o que estão prometendo: as nossas casas."

Me senti uma mendiga, abandonada por todos

Keyth Rodrigues, 31

Situação parecida é vivida pelo catador José Nivaldo de Melo, 44, que foi para o Pinheirinho em 2004, local onde conheceu a mulher, casou-se e teve uma de suas filhas. A família Melo passou por três diferentes casas neste ultimo ano e até em um galpão de reciclagem sem porta viveu. "Estávamos no paraíso e não sabíamos", diz o patriarca, ao se referir ao tempo que passou na ocupação, em uma casa de alvenaria com dois quartos, uma cozinha e um banheiro.

Atualmente, ele paga R$ 400 para morar em uma casa de apenas dois cômodos: um quarto, onde dorme com a mulher grávida de nove meses; e uma cozinha, que serve de dormitório para os três filhos do casal e de sala. Na parede, as marcas do mofo e as rachaduras revelam a falta de conservação do local.

Com a reintegração de posse, Melo perdeu todos os pertences, só conseguiu retirar documentos e algumas peças de roupas. "Todos os eletrodomésticos, os móveis e os brinquedos das crianças ficaram. Não tinha como pagar um carreto para retirá-los", lembra. Mas, a pior perda para ele foi o material reciclado que alojava em um galpão do terreno, estimado em mais de R$ 1.000. "Tudo foi queimado, inclusive nosso gato. A Polícia Militar até permitiu a retirada do material, mas não tinha nem para onde levar meus filhos, para onde ia levar tudo aquilo?".

Minha esperança é ter um lar e voltar a ter dignidade

José Nivaldo de Melo, 44

Perdas que deixam marcas na vida de Melo, que diz se lembrar do barulho dos tiros da polícia toda vez que fecha os olhos, assim como o olhar de aflição e de medo dos moradores do Pinheirinho. "As lembranças da reintegração de posse são tristes, mas do tempo em que vivi lá são ótimas. Não gosto nem de passar em frente ao terreno para evitar recordações", declara. "Minha esperança é ter um lar e voltar a ter dignidade."

Divisão do aluguel

Para driblar as dificuldades relacionadas aos custos do aluguel, algumas famílias decidiram dividir o mesmo imóvel. Como é o caso do catador Esmael Alves dos Santos, 41, que mora com outras nove pessoas [filhos, neto, nora, sobrinha, cunhado e mulher] para conseguir bancar o aluguel de R$ 700. A casa térrea tem uma garagem, além de dois quartos, uma cozinha, uma sala e um banheiro. "A gente se divide como pode, mas tem espaço para todos", diz.

Nunca mais invadirei terreno de ninguém

Esmael Alves dos Santos, 41

Há bem mais espaço do que móveis. "Tudo que construí durante os últimos oito anos perdi na reintegração. Ficou tudo embaixo do entulho", conta o catador, que afirma que não tinha condições de pagar o frete para a retirada dos móveis da casa que chegou a investir R$ 16 mil. Mas, além da perda material, Santos conta nunca ter se sentido tão humilhado na vida. "Senti na pele o que é o preconceito. Nós éramos identificados com uma pulseira e em qualquer lugar que íamos, percebia um olhar de desconfiança das pessoas. Até hoje quando falo que era do Pinheirinho sinto um olhar torto."

Embora Santos sinta muita falta da vida que levava no Pinheirinho, principalmente pelas amizades que fez lá, o catador afirma que o choque vivido na reintegração de posse lhe deixou uma lição: "Nunca mais invadir terreno de ninguém. Até porque tudo que se gasta, se perde. Agora, só invisto se for minha."

O drama da morte


Após 26 anos sem ver o pai, a camareira Ivanilda Jesus dos Santos, 35, saiu de Ilhéus (BA) para encontrá-lo em uma cama de hospital em São José dos Campos. O que ela não sabia era que Ivo Teles dos Santos, 70, teria sido espancado por três policiais durante a reintegração de posse do Pinheirinho, no dia 22 de janeiro de 2012.

"Quando cheguei ao hospital, os enfermeiros me disseram que ele teria chegado de Samu e tinha sofrido um ataque cardíaco", conta ela, que não suspeitou da informação, já que desde a separação dos pais, nunca mais tinha o visto, tampouco ouvido falar nele. "Meu pai não estava falando, apenas chorava muito e fazia sinais com a cabeça."

Ivanilda levou o pai para morar com ela em Ihéus, e no dia 10 de abril ele morreu. "Depois que ele morreu, recebi a visita de dois policiais que me mostraram alguns vídeos de meu pai todo machucado", disse a camareira, que espera que os culpados sejam punidos.

A dona de casa Rose Aparecida Silva, 43, chegou a investir aproximadamente R$ 20 mil na casa em que morava no Pinheirinho. "E na hora que ela estava do jeito que sonhava a vi virar pó", conta ela, que atualmente divide o aluguel de R$ 800 com a filha. Ela trocou sua antiga residência de sete cômodos por uma de quatro, que para caber toda família precisou de uma adaptação. O banheiro da suíte se transformou em um quarto.

"Nossa qualidade de vida piorou muito, tanto do ponto de vista emocional como financeiro", conta Rose, que não tem condições de trabalhar porque cuida de uma prima deficiente mental. Na casa, apenas a filha mais velha, que vende lingerie, e o marido, que é catador, trabalham.

Moradias em construção

Alguns dias após a polêmica reintegração de posse do Pinheirinho, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciou a construção de moradias para as famílias que viviam no terreno de propriedade da massa falida da empresa Selecta em até três anos. A previsão é que 1.317 unidades habitacionais sejam construídas em duas áreas, Jardim Altos de Santana e bairro Putim.

Um terço do prazo estipulado pelo Estado se passou e, segundo a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), as obras já foram iniciadas. "O terreno foi comprado. O projeto está na fase da assinatura dos contratos com a Caixa Econômica Federal", informa a assessoria de imprensa do governo do Estado.

Paralelamente a esse projeto, Alckmin autorizou, no início deste ano, a construção de outras 1.404 moradias em cinco empreendimentos em São José dos Campos, com investimentos de R$ 128,3 milhões. As construções serão viabilizadas pela agência de fomento habitacional Casa Paulista e pelo programa do governo federal "Minha Casa, Minha Vida".

Ainda que esses imóveis não sejam destinados exclusivamente aos moradores do Pinheirinho, o novo prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida (PT), afirma que esses joseenses também podem ser eventualmente beneficiados. "Esses conjuntos habitacionais atenderão prioritariamente as famílias que vivem em áreas de risco e também àquelas que aguardam na fila cadastral do município. Mas, muitas dessas pessoas também estavam no Pinheirinho e, eventualmente, poderão ser atendidas."

 

Entenda o caso

No dia 22 de janeiro de 2012, a Polícia Militar de São Paulo entrou no terreno conhecido como Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo, para cumprir o mandado de reintegração de posse da área, que pertence à massa falida da empresa Selecta, do grupo do empresário Naji Nahas. O terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, ocupado desde 2004, abrigava cerca de 9.000 pessoas.

A ordem de desocupação foi expedida pela juíza estadual Márcia Loureiro, mesmo após o TRF (Tribunal Regional Federal) ter suspendido a ação. Apenas na noite do fatídico dia 22 que o Superior Tribunal de Justiça emitiu uma decisão liminar que dava a competência sobre a permissão de reintegração de posse para a Justiça Estadual.

Área é desocupada pela PM
em São José dos Campos (SP)

  • Arte/UOL

A ação, que durou três dias, foi marcada por violência. Ao menos uma pessoa ficou ferida com gravidade e pelo menos 22 foram detidas. O aposentado Ivo Teles dos Santos, que teria sido espancado por três policiais durante a ação, morreu em abril do mesmo ano de traumatismo craniano.

Todos os moradores desalojados foram identificados com uma pulseira e encaminhados para abrigos na cidade, como quadras e igrejas. Na ocasião, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, prometeu a construção de moradias para as famílias em até três anos e ofereceu um aluguel social no valor de R$ 500 até que as unidades habitacionais fiquem prontas.

Ao todo, 138 animais de estimação dos moradores da comunidade foram levados a dois canis particulares de São José dos Campos (SP). Os animais foram recolhidos por veículos do centro de controle de zoonoses e por empresas especializadas. Os gastos com cada animal foi quase o dobro do valor da bolsa aluguel pago às famílias despejadas.

No dia 31 de janeiro, organizações não governamentais encaminharam à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) um relatório denunciando violações de direitos humanos que teriam ocorrido durante a desocupação da área.

Até julho do mesmo ano, a Defensoria Pública de São Paulo já havia ingressado com cerca de 600 ações judiciais de indenização em favor dos ex-moradores do Pinheirinho.

Um leilão do terreno, avaliado em R$ 187,4 milhões, foi marcado para outubro de 2012, mas as famílias do Pinheirinho entraram com uma ação na Justiça questionando o pregão e conseguiram suspendê-lo por tempo indeterminado.