Defesa usa antropóloga da USP para dizer que Gil Rugai não é "estranho ou esquisito"
A defesa do estudante Gil Rugai, 29, lançou mão de uma doutora em antropologia no terceiro dia de júri, nesta quarta-feira (20), para tentar convencer os jurados de que o réu não se trata de uma “pessoa estranha, esquisita”.
Para a testemunha, a professora da USP Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, a construção da personalidade do réu durante a investigação pode ter se pautado por “estereótipos” e “preconceitos”. Gil Rugai é acusado de matar o pai e a madrasta em 2004.
Formada em ciências sociais e direito, a testemunha também é pesquisadora-sênior do Núcleo de Estudos da Violência da USP e destacou ter estudando durante anos os ritos no Tribunal do Júri paulista.
Ela alertou os jurados que, “no Brasil, e de um modo geral”, não é respeitado um princípio jurídico que determina que, caso eles tenham dúvida sobre a culpabilidade do réu, ele deve ser absolvido --no latim, o “indubio pro reo”.
“O que temos é uma sede punitiva, e o indubio tem se decidido contra o réu”, disse.
A defesa insistiu com a especialista no perfil de pessoa estranha e sem emoções que Gil Rugai teria adquirido perante a opinião pública, nos últimos anos, em função de situações e de provas apresentadas pela polícia e pela acusação.
Logo no início do caso, em 2004, chegou a se noticiar que Gil Rugai teria relação com o nazismo. Ontem, os advogados mostraram um vídeo de uma peça de teatro na escola, durante a adolescência do réu, em que o nazismo era abordado, mas sem apologia.
Segundo a polícia, também foram encontradas no quarto de Gil Rugai, à época, seringas om sangue, raticida, um filme com temática homossexual e homicida e a carta de uma amiga em que ela dizia ao réu que, se o fosse, ele deveria se assumir gay.
Para a pesquisadora da USP, o uso de elementos como esses nas investigações não é gratuito.
“Essa coleta [de provas] é uma questão de seletividade”, disse. “Estão em construção narrativas pautadas em estereótipos e em valores sociais usados para compor um cenário com elementos subjetivos calcados em valores morais”, definiu.
Sobre o uso de elementos nazistas, a professora citou que a ideologia “não é politicamente correta” para se referir a esses valores morais. Sobre a homossexualidade, foi taxativa: “Eu diria que dar ênfase a sua opção sexual mostra o quanto isso é relevante e alvo de preconceito”, disse.
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O promotor do caso, Rogério Zagallo, convidou a estudiosa para uma palestra na faculdade onde ele leciona. E devolveu: “O seu discurso vai cair como uma luva lá na academia”.
“Discordo, pois é na academia que se formam os profissionais que vêm depois para o Tribunal do Júri”, ela respondeu.
Zagallo tentou mostrar aos jurados o conhecimento parcial da antropóloga sobre o caso Gil Rugai depois de indagar, e receber respostas negativas, se havia lido “as mais de 5.000 páginas do processo”, se conhecia as provas ou se conhecia o réu.
“Eu não li, mas tenho certeza que os jurados também não leram [as 5.000 páginas]”, rebateu a testemunha, frisando, ainda, que os sete cidadãos que analisarão se Rugai é culpado ou não estão tendo acesso, na realidade, a “interpretações” oferecidas pela acusação e pela defesa.
Acusação e defesa avaliam depoimento
Para o assistente de acusação, Ubirajara Mangini, a testemunha falou bem, mas não acrescentou elementos concretos sobre o envolvimento do réu no crime.
“A doutora deu uma aula maravilhosa sobre o júri, mas a esquisitice dele [Gil Rugai], que pelo menos eu considero, é um conjunto de fatos que nos leva a crer que Gil Rugai é uma pessoa diferente das outras. Mas isso não o traz à cena do crime: o que traz são as provas”, disse.
A avaliação de um dos advogados da defesa, Thiago Anastácio, entretanto, foi oposta sobre o depoimento: “Foi absolutamente avassalador.”
Já a antropóloga disse que espera ter deixado os jurados com dúvidas, já que, na opinião dela, “esse é um caso que carrega muitas dúvidas e poucas certezas”.
Ana Lúcia declarou também em entrevista coletiva que viu Gil Rugai pela primeira vez hoje, no plenário.
Entenda o caso
O ex-seminarista Gil Rugai, 29, é acusado de tramar e executar a morte do pai, o empresário Luiz Carlos Rugai, 40, e da madrasta, Alessandra de Fátima Troitino, 33, em 28 de março de 2004.
O casal foi encontrado morto a tiros na residência onde morava no bairro Perdizes, zona oeste de São Paulo.
Segundo a acusação, o crime foi motivado pelo afastamento de Gil Rugai da empresa do pai, a Referência Filmes. O ex-seminarista estaria envolvido em um desfalque de R$ 100 mil e, por isso, teria sido demitido do departamento financeiro.
Durante as perícias do crime foram encontrados indícios que, segundo a acusação, apontam Gil Rugai como o autor do crime. Um deles foi o exame da marca de pé deixada pelo assassino numa porta ao tentar entrar na sala onde Luiz Carlos tentou se proteger.
O IC (Instituto de Criminalística) realizou exames de ressonância magnética no pé de Rugai e constatou que havia lesões compatíveis com a marca na porta.
Outra prova que será apresentada pela acusação foi uma arma encontrada, um ano e meio após o crime, no poço de armazenamento de água da chuva do prédio onde Gil Rugai tinha uma agência de publicidade.
O exame de balística confirmou que as nove cápsulas encontradas junto aos corpos do empresário e da mulher partiram dessa pistola.
O sócio de Rugai afirmou que ele mantinha uma arma idêntica em uma gaveta da agência de publicidade e que não a teria visto mais lá no dia seguinte aos assassinatos.
Gil Rugai chegou a ser preso duas vezes, mas foi solto por decisões da Justiça.
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