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Após uma semana de júri, Gil Rugai é condenado a 33 anos e 9 meses pelas mortes do pai e da madrasta em SP

Ana Paula Rocha e Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

22/02/2013 18h55Atualizada em 22/02/2013 23h42

Quase nove anos após o crime, Gil Rugai foi condenado a 33 anos e nove meses de prisão nesta sexta-feira (22) pelas mortes do pai, Luiz Carlos Rugai, e da madrasta, Alessandra de Fátima Troitino, ocorridas em São Paulo no dia 28 de março de 2004. O julgamento durou uma semana. A sentença foi proferida pelo juiz Adilson Paukoski Simoni. A pena deve ser cumprida, inicialmente, em regime fechado por serem considerados crimes hediondos, porém, ele poderá recorrer em liberdade.

O réu foi condenado por duplo homicídio qualificado. O crime de estelionato, pelo qual também era acusado, prescreveu, por isso não houve condenação. "O réu tem uma personalidade extremamente dissimulada e perigosa", disse o juiz durante a leitura.

Pela morte do pai, Gil Rugai foi condenado a 18 anos e nove meses de prisão; já pelo homicídio da madrasta, foram 15 anos de reclusão.

No entanto, a condenação foi divulgada antes da leitura da sentença pelo magistrado porque, logo após saírem da sala do Conselho de Sentença, o promotor do caso, Rogério Zagallo, e o assistente de acusação, Ubirajara Mangini, se abraçaram e comemoraram.

Os 260 lugares disponíveis no plenário do júri foram ocupados enquanto o juiz proferia a sentença. Uma câmera transmitiu a leitura da pena ao vivo para todas as emissoras do país.

Quatro jurados votaram pela condenação por duplo homicídio e três pela absolvição --os votos param de ser lidos quando já há maioria--, já o agravante de motivo torpe (supostamente por ter sido demitido da empresa do pai após desfalques) ficou em quatro a um. "Missão dada é missão cumprida", disse Zagallo. "Saiu a condenação merecida, justa e adequada. Foi feita justiça".

Zagallo disse ainda que “nenhum outro réu” que ele ajudou a condenar, em quase 20 anos de Tribunal do Júri, é “tão dissimulado” quanto o estudante condenado pela morte do pai e da madrasta.

"Cansei de fazer acusações sobre diversos réus do PCC [Primeiro Comando da Capital], homicidas, traficantes, e em qualquer nesses casos eu divido um carro com qualquer um dos réus que já condenei. Mas com Gil Rugai eu não divido um carro”, comparou.

Na avaliação do promotor, que elogiou o “trabalho aguerrido” da defesa, o réu tem “um desvio de personalidade” que não condiz com a imagem que mostrou de si durante o interrogatório.

"Ele é perigoso, não é esse anjinho, ele não vai participar do conclave", ironizou, referindo-se ao processo de escolha do futuro papa, no Vaticano, diante de declarações de Gil Rugai de que já pensou em se tornar sacerdote. O estudante fez dois anos de teologia e parou.

Após o julgamento, o juiz falou rapidamente com os jornalistas e explicou as razões para que Rugai não saísse preso do júri.

“O réu acabou ficando solto porque atualmente o posicionamento é este: quando o sentenciado se encontra solto, permanece solto; se está preso, continua preso. E, neste caso em particular, há a pendência de um recurso que hoje tramita no Supremo Tribunal Federal, onde foi concedida uma liminar para soltar o réu, mas o mérito ainda não foi analisado”, explicou o magistrado.

De acordo com o magistrado, a decisão se balizou ainda pelo princípio da presunção da inocência, previsto na Constituição. “Resumindo, a decisão foi em um conjunto de regras que existe dentro de um país soberano”, avaliou.

A mãe do réu, Maristela Grego, e o irmão, Léo Rugai, que foi testemunha de defesa durante o julgamento que durou uma semana, deixaram o plenário chorando junto ao advogado Thiago Anastácio e se abraçaram sob aplausos do lado de fora do Fórum Criminal da Barra Funda.

Para a antropóloga Ana Lúcia Pastore Scheitzmeyer, que também foi testemunha arrolada pela defesa, a comemoração do promotor e do assistente de acusação logo após saírem da sala do Conselho de Sentença foi uma quebra de ritos. "Se eu fosse juíza, entraria com uma ação no Ministério Público".

Para a cientista, a atitude do promotor e do assistente, e das pessoas que aplaudiram, foi um desrespeito com todos da família. "Como se decide a vida de uma pessoa como se fosse um circo?", disse.

Debates

Durante a fase de debates, que antecede a decisão do Conselho de Sentença, o promotor Rogério Zagallo surpreendeu o plenário ao anunciar que não faria a réplica a que tinha direito. Ele não informou os motivos de ter abdicado da medida --que o daria uma hora a mais de discurso para tentar convencer os jurados da culpa do réu.

Os debates entre acusação e defesa começaram na manhã de hoje. Cada uma das partes teve 1 hora e meia para falar diretamente com os jurados.

Em sua fala, Zagallo descreveu Gil Rugai como uma pessoa agressiva e de personalidade dupla, a ponto de beirar a psicopatia.

Já a defesa tentou dissociar a imagem do réu à da estudante Suzane Von Richthofen. "O caso Richthofen não é o caso do Gil", disse o advogado Thiago Anastácio.

Em 2006, Suzane foi condenada a 39 anos e seis meses de prisão pelo assassinato dos pais, Manfred e Marísia von Richthofen, ocorrido em 31 de outubro de 2002.

Interrogatório do réu

O réu foi interrogado por cerca de quatro horas e meia na quinta-feira (21) e negou que esteve na casa do pai no fim de semana do crime, ou que estava brigado com o empresário na época das mortes, no entanto, admitiu que gosta de munições e que chegou a fazer um curso de tiro, cuja arma usada foi uma pistola 380 --mesmo modelo usado nos assassinatos. Ele também não confirmou que teria desfalcado a empresa do pai, principal motivo apontado pela acusação para os assassinatos.

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O réu também contou, durante o interrogatório, que não foi tratado de maneira "muito gentil" pelo delegado que investigou os homicídios, Rodolfo Chiareli. Além disso, uma das principais provas usadas pela promotoria para acusá-lo, a marca de pé na porta do cômodo onde supostamente Luiz Carlos Rugai tentou se esconder, e que uma lesão no pé de Gil Rugai seria compatível com um trauma deste tipo não foi explicada pelo réu. "Eu sei que eu não chutei aquela porta. Eu não estava lá. Como chegou a esta conclusão, eu não sei", disse.

Após 35 minutos de inquirição da promotoria, a defesa do réu o orientou a não mais responder as perguntas da acusação. No momento da interrupção, o réu era questionado se conhecia uma lista de pessoas colocada pelo promotor --entre elas, algumas testemunhas--, bem como se tinha algo contra ou a favor delas. "Não é o momento adequado de fazer seu discurso", disse o advogado Marcelo Feller ao promotor Rogério Zagallo.

O advogado de defesa Marcelo Feller, disse após o fim do interrogatório do réu, durante conversa com jornalistas, que o "verdadeiro suspeito" pela morte do pai e da madrasta do estudante é, na realidade, um assistente pessoal do empresário, Agnaldo Souza Silva. Ele havia sido demitido por Luiz Carlos cerca de um ano antes do assassinato. 

 

Testemunhas

A primeira testemunha ouvida pelo júri foi o vigia da rua em que o casal assassinado morava, denominado apenas como Domingos. Ele afirmou ter "certeza absoluta" que o réu deixara a casa do empresário cerca de 20 minutos após ter ouvido barulho de tiros. Ele foi a única testemunha a relacionar o réu diretamente ao local e dia dos assassinatos. Posteriormente, Valeriano Rodrigues dos Santos, um outro vigia da rua, disse que não viu o ex-seminarista saindo do local do crime.

Os advogados de defesa criticaram a maneira como as perícias foram conduzidas na residência do casal. “A acusação juntou no processo que os pés na porta [da sala onde Luiz Carlos foi morto] eram do Gil com base no depoimento de um sapateiro", disse. Peritos do IC (Instituto de Criminalística) de São Paulo, no entanto, afirmaram que a marca encontrada na sala "encaixa perfeitamente" na imagem sobreposta do pé do jovem.

Já no segundo dia do julgamento, a defesa tentou desqualificar o depoimento do instrutor de voo Alberto Bazaia Neto, testemunha de acusação, que disse ter ouvido o pai de Rugai dizer que tinha "medo" do filho depois de descobrir supostos desvios de dinheiro na empresa. Os advogados do réu mostraram documentos indicando apreensão de drogas no Aeródromo de Itu (SP) --onde fica o aeroclube em que Bazaia Neto é instrutor de voo.

O delegado que investigou o crime em 2004, Rodolfo Chiareli, disse durante seu depoimento que não tem dúvidas de que Rugai foi o autor dos assassinatos, e que a principal evidência encontrada foi o desvio de dinheiro da empresa Referência Filmes, de propriedade de Luiz Rugai, relatado por diversas testemunhas. A hipótese, no entanto, não teve nenhuma prova pericial apresentada pelo delegado, que admitiu não ter pedido um laudo que comprovasse os desfalques na empresa. 

O contador da empresa de Luiz Rugai, Edson Tadeu de Moura, depôs na quarta-feira (20), e também disse não ter como comprovar supostos desvios feitos pelo réu na empresa do pai. 

O irmão de Gil Rugai, Léo Rugai, disse em depoimento não saber se havia ocorrido alguma briga entre o pai e o irmão próximo à data do crime, e afirmou que  "era bastante comum" o irmão ser demitido e readmitido pelo pai. Segundo ele, Gil é inocente.

No penúltimo dia do julgamento, o ex-sócio do réu, Rudi Otto, confirmou ter visto uma pistola com o jovem antes dos assassinatos. Segundo ele, a arma estava em uma pasta que Rugai chamava de "mala de fuga", onde guardava também dólares, veneno e facas.

Indagado pelo promotor sobre as razões para ter desconfiado de Rugai "de imediato" após o crime, a testemunha relatou que o então sócio "estava estranho" na semana anterior aos assassinatos.