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Moradores de cortiços constroem os próprios apartamentos em Santos (SP)

Rafael Motta

Do UOL, em Santos (SP)

25/03/2013 06h00

"São tantas emoções!", diz, como se fosse um bordão, Samara Margareth Conceição Faustino, 53. Ela se refere aos altos e baixos de um projeto comunitário, reconhecido internacionalmente, que nasceu da busca por um direito: moradia decente ?e própria? para pessoas residentes em cortiços da região central de Santos (72 km de São Paulo). E construída por elas mesmas, em mutirões.

Parte desse objetivo poderá ser cumprida ainda neste ano, após quase duas décadas de esforços coletivos. Está prevista para daqui a oito meses a inauguração da primeira fase do conjunto habitacional Vanguarda, formado por prédios que estão sendo erguidos em um terreno doado pelo governo federal no bairro Paquetá, zona portuária da cidade.
 
Tanto os 113 apartamentos da etapa inicial do empreendimento quanto os 68 da segunda e última etapa, sem data certa para conclusão, ficam nos arredores das zonas de cortiços ?habitações coletivas improvisadas em casarões abandonados, com iluminação e ventilação precárias e onde são frequentes casos de tuberculose. Calcula-se que 14 mil pessoas (3% dos santistas) vivam neles. 

O conjunto Vanguarda é resultado de trabalhos liderados por Samara. Ainda hoje, na prática, ela é a líder principal da ACC (Associação dos Cortiços do Centro), da qual foi presidente e, agora, é coordenadora de projetos sociais. A instituição surgiu em 1996 e, aos poucos, seus integrantes reuniram conhecimentos legais e técnicos para reivindicar a construção de moradias populares.
 
Em julho de 2003, a ACC começou a procurar apoio técnico para elaborar um projeto e conseguir ajuda do poder público. ?Os prédios do governo não atendem quem mora sozinho ou tem família com mais de seis pessoas. Por isso, projetamos apartamentos sala-living e de um, dois e três quartos?. Em média, custam R$ 52 mil ? não há imóveis deste tipo por menos de R$ 100 mil em Santos.
 
Conquista e reconhecimento
 
Quatro anos depois, a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) doou o terreno à associação. Graças à inclusão no programa Crédito Solidário, da Caixa Econômica Federal, foram garantidos R$ 4,515 milhões para as obras ?R$ 255,6 mil da própria ACC, R$ 869 mil da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, estadual) e R$ 3,390 milhões da CEF.
 
As obras começaram em janeiro de 2009. O resultado da batalha fez com que o projeto Vanguarda recebesse, naquele ano, o Prêmio Caixa ? Melhores Práticas em Gestão Local.
 
No ano seguinte, por indicação da CEF, a iniciativa dos moradores de cortiços concorreu ao Prêmio UN-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos). Terminou entre os 50 melhores projetos do gênero no que se refere a melhorias em condições de vida da população.
 
Em 2011, a ACC se tornou a primeira instituição, na região, a obter recursos do programa federal Minha Casa, Minha Vida, com R$ 3,6 milhões para a segunda fase das obras.
 
Dificuldades e esperança
 
Mas, no caminho, surgiram problemas. Recentemente, Samara Faustino e membros da ONG Ambienta, que acompanhava o projeto desde o começo, desentenderam-se por causa de questões técnicas e a forma de gestão da obra. Uma empreiteira foi admitida para orientar a ACC a corrigir falhas na construção, continuar os trabalhos e receber verba que ainda falta para a obra.
 
Uma possível fonte de recursos é a Prefeitura de Santos, da qual se espera uma ajuda aproximada de R$ 1 milhão para custear o que falta dos serviços ?materiais elétrico, hidráulico e para acabamento da obra, que encareceram ao longo dos quatro anos de construção.
 
Quando tudo estiver pronto, haverá, além dos apartamentos, uma área de lazer para crianças e sete boxes para comércio e atividades culturais (como biblioteca, padaria, loja e uma espécie de cozinha-escola para aulas de culinária).
 
Entre as moradoras dos futuros apartamentos da primeira fase, estão as donas de casa Genira Marinho de Lima, 68, e Olinda Ferreira Silva, 65. As duas trabalham no canteiro de obras juntando e transportando tijolos de um ponto a outro da obra.
 
Genira espera não precisar mais morar com uma filha. Olinda quer esquecer a época em que, doente, perdeu um apartamento que estava pagando fazia cinco anos, por não poder honrar o restante do compromisso. ?Eu tinha de passar por isso. Hoje, me sinto bem por estar aqui?.
 
E Samara? Também irá morar no Vanguarda, mas em um dos 68 apartamentos da segunda fase, ainda nas fundações. Por enquanto, continua em um dos cortiços da avenida São Francisco, também no Paquetá, numa realidade que conhece desde a infância. ?O comandante é o último a abandonar o navio?, sorri, entre ?tantas emoções?.