Testemunhas do caso Amarildo entram em programa de proteção do governo federal
O adolescente de 16 anos e a mãe dele, testemunhas no inquérito que investiga o desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, foram oficialmente incluídos no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte do governo federal.
CÂMERAS NÃO FUNCIONARAM
A ONG Rio de Paz colocou manequins na praia de Copacabana, na zona sul, em protesto contra o desaparecimento de Amarildo
- As câmeras da UPP da Rocinha pararam de funcionar no mesmo dia em que Amarildo foi levado para lá por policiais "para averiguação". O relatório da empresa Emive mostra que, das 80 câmeras instaladas na favela, apenas as 2 da sede da UPP apresentaram problemas. MAIS
A informação foi confirmada nesta quinta-feira (3) pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que coordena o programa. Os dois deixaram o Rio de Janeiro no dia 21 de setembro e foram levados para “um local seguro”. Ao depor na polícia, o adolescente disse que Amarildo fora morto por um traficante da Rocinha, mas depois declarou que foi coagido por policiais militares para dar o depoimento.
Na quarta-feira (2), o titular da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil fluminense, delegado Rivaldo Barbosa, disse que indiciou dez policiais militares pelo desaparecimento de Amarildo. Eles vão responder pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver.
O inquérito tem 2.000 páginas e foi entregue ao Ministério Público do Rio de Janeiro na terça-feira (1º). O ajudante de pedreiro sumiu no dia 14 de julho, depois de ser levado por PMs para a sede da UPP na comunidade. O ex-comandante da unidade sustentou que Amarildo foi ouvido e liberado, mas nunca apareceram provas que mostrassem o pedreiro saindo da UPP, pois as câmeras de vigilância que poderiam registrar a saída dele não estavam funcionando.
Tortura
Segundo o relatório da Polícia Civil, que pede a prisão preventiva dos dez PMs indiciados, a tortura de moradores era costumeira nos contêineres da sede da UPP, no topo da favela.
Entre os PMs que vão responder pelos três crimes há dois oficiais: um tenente e o major Edson Santos, que comandava a UPP quando ocorreu o sumiço, em 14 de julho. Se condenados, as penas individuais podem chegar a 30 anos. Todos negam as acusações. Eles afirmam que Amarildo foi ouvido e liberado em seguida. O advogado Marcos Espínola, que defende quatro dos dez PMs, afirmou que as provas contra os acusados são frágeis. "A polícia quis dar uma satisfação à opinião pública. Tenho certeza de que a fragilidade das provas resultará na absolvição dos policiais pela Justiça."
BLOG DO MÁRIO MAGALHÃES
"A coragem que tempera o inquérito do caso Amarildo é inversamente proporcional ao destaque diminuto que as conclusões policiais receberam nos meios de comunicação: parece que se trata apenas de mais uma peça produzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro"
Amarildo desapareceu depois de ter sido levado à sede da UPP supostamente para averiguação. Segundo o relatório, a PM deteve o pedreiro em busca de informações sobre traficantes. Os PMs teriam torturado Amarildo para tentar obter informações sobre um paiol de armas do tráfico.
O relatório sustenta que Amarildo não era associado ao tráfico, mas tinha conhecimento do que acontecia por morar ao lado de uma boca de fumo e atuar como churrasqueiro de traficantes. No início da investigação, o delegado Ruchester Marreiros, então adjunto da 15.ª DP, tentou associar Amarildo à quadrilha e relatou que ele teria sido morto por traficantes.
Ditadura
Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, comparou o caso do pedreiro Amarildo de Souza ao assassinato de seu pai nas dependências do DOI-Codi em São Paulo durante a ditadura militar. Ele observou que os casos têm semelhanças pelo pedreiro também ser vítima de agentes do Estado.
"No dia 25 fará 38 anos do assassinato do meu pai e trago aqui um trecho do 'Estadão' que diz: 'inquérito indica tortura com choque e asfixia antes da morte'. É a mesma manchete do caso Amarildo. Essas coisas, 38 anos depois, continuam a acontecer", afirmou.
Prova testemunhal
O promotor de Justiça Homero das Neves Freitas, que recebeu o inquérito da Divisão de Homicídios, disse que toda a prova da investigação é testemunhal. Segundo o promotor, não há qualquer indício físico que incrimine os dez policiais militares indiciados - inclusive o major Edson Santos.
"A prova é toda testemunhal. A prova testemunhal é a chamada 'prostituta das provas'. Eu tenho indícios mínimos para oferecer denúncia contra os policiais militares. Não quer dizer que eles são os culpados. Isso quem vai definir é o juiz de direito", afirmou Freitas, que deve oferecer a denúncia à Justiça, juntamente com o pedido de prisão dos PMs.
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