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Nada foi feito para preservar a sociedade, diz pai de Liana Friedenbach 10 anos após crime

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

05/11/2013 06h01

Mesmo dez anos após o assassinato do casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé, na zona rural de Embu Guaçu, região metropolitana de São Paulo, o pai da jovem de 16 anos afirma que "nada foi feito para preservar a sociedade" e que "não merecemos conviver com esse perigoso psicopata", referindo-se a Roberto Aparecido Alves Cardoso, mais conhecido como "Champinha".

Segundo Ari Friedenbach, vereador em São Paulo pelo Pros, o assassinato de sua filha, ainda que tenha chocado toda a população em 2003, não serviu para impulsionar mudanças no sistema brasileiro para evitar que casos semelhantes viessem a se repetir. "Há ainda uma grande lacuna no Estatuto da Criança e do Adolescente a respeito dos menores psicopatas", cita ele, que também se posiciona contrário a maioridade penal. "Menores que cometem crimes hediondos deviam ser responsabilizados, independente da idade. Já cansei de ver jovens assassinando jovens."

Aos 16 anos, Champinha matou Liana com 15 facadas após torturá-la e violentá-la em quatro dias de cativeiro. Ela e Felipe tinham ido acampar na região, mas foram dominados pelo menor e outras quatro pessoas. Todos os maiores foram condenados, já o menor nunca foi a julgamento e passou três anos na Fundação Casa. Em 2006, no entanto, a Justiça determinou a interdição civil de Champinha que, segundo laudo do IML-SP (Instituto Médico Legal de São Paulo), tinha transtorno de personalidade.

E o caso volta a ganhar repercussão nacional não apenas por completar dez anos, mas também por causa de uma nova perícia judicial, marcada para o dia 28 de novembro, que vai decidir se Champinha, atualmente com 26 anos, tem ou não condições de voltar a conviver em sociedade.

"A defesa já entrou com vários pedidos de liberdade sem restrição para Champinha. Cabe ao Ministério Público identificar se ele teria ou não condições de voltar a viver em sociedade sem colocar em risco a vida de outras pessoas. Mas como não temos condições técnicas para fazer essa avaliação, recorremos a essa perícia psiquiátrica", explica a promotora de Justiça Maria Gabriela Manssur.

Segundo ela, a avaliação será feita por um médico psiquiatra --cujo nome não foi divulgado--, que terá que responder as seguintes questões, de acordo com a promotoria: "Champinha está curado? A doença apresenta alguma periculosidade? Você se responsabilizaria por eventuais atos que o jovem venha a cometer? Ele precisará de outro tipo de tratamento, caso seja colocado em liberdade? E o sistema de saúde público teria condições de propiciar esse tratamento? Ele tem valores éticos e morais suficientes para se conduzir em sociedade?". Maria Gabriela diz querer ter em mãos todas essas respostas para avaliar as condições mentais do autor do crime de Liana.

"Nós esperamos que ele não seja colocado em liberdade. E, mesmo que o laudo aponte que ele tenha condições de voltar a viver em sociedade, não sou obrigada a condicionar minha decisão ao documento", afirma a promotora, que diz acreditar que --pela gravidade dos atos, a frieza e a crueldade de Champinha-- ele não tem condições para voltar às ruas. A Justiça deve dar seu parecer sobre o futuro do jovem no início de 2014.

A defesa, como apontou Maria Gabriela, alega que não existe prisão perpétua no Brasil. "Ele não está preso, está interditado civilmente por um tempo indeterminado", diz a promotora, que cita o caso de muitos estupradores, que, após serem colocados em liberdade, voltaram a cometer os mesmos crimes. "Não podemos prejudicar vários em detrimento de um. A segurança da sociedade vale muito mais do que o direito de liberdade de outro."

Outro argumento usado pela defesa na tentativa de conseguir a liberdade do jovem é que ele estaria vivendo em condições sub-humanas e que não estaria recebendo o tratamento adequado. "Ele vive muito melhor do que muito cidadão do bem, com direito a tratamento odontológico, atividades físicas e até aula de inglês", afirma Maria Gabriela. "É lógico que um dia vai sair da intervenção, mas não se depender do Ministério Público", acrescenta.

Ari Friedenbach não se diz contrário a uma nova avaliação psiquiátrica e se diz confiante de que o resultado do laudo comprove a patologia dele já comprovada em análises anteriores. O vereador faz questão de acompanhar de perto cada passo desse processo e, diante da possível soltura de Champinha, responsabilizar os envolvidos pela decisão quando ele cometer "novos crimes brutais".

"É uma aberração colocar uma pessoa como ele em liberdade", completa o pai de Liana, que diz que não há perdão para quem tira uma vida com tanta violência. "A gente aprende a conviver com a perda irreparável dentro do possível, mas para nossa família não existe a conjugação do verbo perdoar."

O UOL entrou em contato com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que informou que desde setembro deste ano não cuida mais da defesa de Roberto Aparecido Alves Cardoso. A família do jovem contratou um advogado particular, cujo o nome não é divulgado, já que o caso corre em segredo de Justiça.

Entenda o caso

No início de novembro de 2003, Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 19, decidiram acampar em uma floresta isolada de Embu Guaçu, região metropolitana de São Paulo, sem comunicar os pais. O casal foi capturado por Champinha e um amigo, que teriam ido até o local para pescar. Como o casal não tinha dinheiro, os criminosos decidiram sequestrar as vítimas com a ajuda de outras três pessoas.

Todos os criminosos abusaram sexualmente da moça. Segundo a investigação, Paulo César da Silva Marques, conhecido como "Pernambuco", matou Felipe com um tiro na nuca, no dia 2 de novembro. Três dias depois, Champinha levou Liana até um matagal, matando-a com 15 facadas e um golpe na cabeça com o lado sem fio do facão, que provocou um fatal traumatismo craniano.

Os corpos das vítimas foram abandonados na mata e encontrados no dia 10 de novembro. "Champinha" e seus comparsas --"Pernambuco", Antônio Caetano, Antônio Matias e Agnaldo Pires-- foram presos dias depois. Entre julho de 2006 e novembro de 2007, a Justiça condenou os quatro acusados a até 124 anos de prisão.

Champinha, que confessou o crime, passou três anos na Fundação Casa. Após cumprir a pena, a Justiça considerou que o jovem não tinha condições de viver em sociedade e o enviou para a Unidade Experimental de Saúde, na zona norte de São Paulo, local onde está desde 2006.