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"É o último recurso", diz delegado sobre reconstituição da morte de Claudia

Henrique Coelho

Do UOL, no Rio

03/04/2014 06h00

O último recurso. É desta maneira que o delegado Carlos Henrique, titular da 29ª DP, vê a reconstituição dos acontecimentos da manhã do dia 16 de março, na comunidade da Congonha, em Vaz Lobo, na zona Norte do Rio, que culminou com a morte da auxiliar de serviços gerais Claudia Silva Ferreira. A simulação está marcada para às 9h desta quinta-feira (3), na própria comunidade. 

Após um confronto entre policiais e traficantes, Claudia foi levada no porta-malas da viatura pelos policiais até o hospital Carlos Chagas, no Méier, também na Zona Norte. Em imagens que chocaram o país, ela apareceu sendo arrastada pela estrada Intendente Magalhães por 350 metros.

Após os testemunhos de todos os policiais envolvidos no caso, de moradores e de pessoas que passaram pelo local, algumas dúvidas permanecem. Entre elas, uma é a principal: quem deu o tiro que atingiu Cláudia no peito?

Outra questão não esclarecida: a auxiliar de serviços gerais estava viva ao sair da comunidade, como afirmam os policiais, ou já deixou a comunidade morta, de acordo com os testemunhos de moradores?

"Gostaria de fazer essa investigação somente com os depoimentos e a investigação interna, mas ainda restam algumas dúvidas. Houve realmente um confronto, e o próprio comandante da operação, o tenente Rodrigo Boaventura, diz isso. Precisamos saber de cada parte envolvida a respeito do posicionamento de cada um no momento em que Cláudia foi atingida”, explicou o delegado.

Carlos Henrique deixou ainda em aberto a possibilidade da reprodução incluir também o trajeto até o Hospital Carlos Chagas, no Méier, Zona Norte do Rio, para onde Cláudia foi levada. "Tudo vai depender do perito", disse.

O laudo da reconstituição deve ficar pronto em até 30 dias. O delegado espera que os ânimos na comunidade não se acirrem devido à presença dos policiaiis. "Só não quero que atrapalhem os trabalhos", pediu Carlos Henrique.

Versões contraditórias

Rodrigo Medeiros Boaventura, 1º tenente e comandante da Operação no Morro da Congonha, e Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, 2º Sargento, tiveram a prisão temporária por 30 dias decretada pelo juiz Murilo Kieling. Os dois, apesar de estarem presos na Unidade Prisional da PM, em Benfica, na Zona Norte, participarão da reconstituição.

Os dois dizem que foram para a comunidade após avistarem um grupo de 15 traficantes na mata.  Assim que chegaram à rua Joana Rezende, Rodrigo e Zaqueu foram alvejados por criminosos e revidaram. Eles dizem que os bandidos tentaram encurralar a polícia, mas não conseguiram, indo embora em seguida.

Logo depois, de acordo com o depoimento, eles vislubraram Cláudia deitada na rua Joana Rezende, ainda viva. Depois, eles dizem que a viatura chegou, conduzida pelo tenente Rodney Miguel Archanjo, e eles imediatamente levaram a mulher à viatura, sendo hostilizados pelos moradores durante o processo.

Após informar à sala de operações sobre o ocorrido, Rodrigo diz que ficou sabendo que uma pessoa for a para a UPA de Manguinhos, sendo esta depois transferida para o Hospital Salgado Filho.

Ao chegar lá, ele viu que o homem, depois identificado como Ronald Felipe dos Santos, como um dos que atiraram nele ao chegar à rua Joana Rezende. Pediu uma viatura do 3º Batalhão para levar Ronald à 29ª DP.

Ronald Felipe dos Santos, que segundo a polícia disparou contra os oficiais, negou ser traficante e afirmou que o tiro que atingiu Cláudia foi disparado por um dos policiais.

Os moradores têm outra versão para o caso. Marcia da Silva Coutinho, em depoimento, alega que mora na Rua Joana Rezende desde que nasceu, e que pouco antes do confronto entre policiais e traficantes cumprimentou Cláudia.

Ao ouvir os tiros, ela procurou abrigo, mas diz que não se lembra da presença de traficantes na comunidade na manhã do dia 16 de março. Ela soube, porém, que o tiro havia sido disparado por policiais.

Já Denise Ribeiro da Silva, também moradora, alega que Cláudia foi alvejada no peito e que já estava morta ao ser levada para o Hospital. Segundo ela, que diz ter ficado o tempo todo ao lado da vítima, não havia pulsação ou respiração. Após pedir socorro, ela afirma que somente após 30 minutos a viatura chegou.

Os mesmos policiais que atiraram em Claudia, segundo a moradora, voltaram para socorrê-la, e retiraram ela de dentro da comunidade com o carro de ré. Ela diz que não viu a movimentação na comunidade dos traficantes ditos pela polícia, e nem a troca de tiros.

Ação de moradores pode ter aberto caçamba

O policial Rodney Miguel Archanjo, declarou que a caçamba estava aberta devido à ação violenta dos moradores, que teriam tentado impedir a saída da viatura da comunidade. A justificativa para colocar Cláudia na caçamba foi porque havia armas e coletes no banco de trás. Ele diz ainda que as portas traseiras carro foram danificados, fato confirmado pela perícia.

A versão é reforçada por Jaime Costa, que estava na comunidade juntamente com um amigo para tentar recuperar uma moto que havia sido roubada por bandidos da localidade em 2013.

Segundo o depoimento, ele esperava o amigo voltar com sua moto do alto da comunidade quando ouviu os tiros, e se escondeu em uma padaria. Depois, ouviu uma pessoa contar sobre o que tinha ocorrido com Cláudia e foi para a rua Joana Rezende.

Enquanto a auxiliar de serviços gerais era levada pela viatura, Jaime viu que um menor negro em uma bicicleta levantou a caçamba. A viatura, segundo ele, ao sair, estava com a caçamba oscilando pra cima e pra baixo.

Ao ver nos jornais que a caçamba estava aberta e que a mulher foi arrastada, ligou pro 190 e confirmou o que tinha visto. Jaime negou ainda ser parente de policiais ou ter conhecidos na comunidade.

Já Adir Serrano Machado, Subtenente do 9º Batalhão, testemunhou que mandou parar a viatura assim que viu que o corpo de Cláudia estava sendo arrastado pela estrada Intendente Magalhães. Cláudia tinha arranhões pelo corpo.

Ao chegarem ao Hospital Carlos Chagas, na Zona Norte, de acordo com o policial, a enfermeira Danusa Ramos foi a que primeiro atendeu a vítima, e atestou que ela ainda possuía sinais vitais. E que, após segunda verificação, a mesma enfermeira disse que “ achava que ainda havia sinais vitais". A enfermeira não prestou depoimento até o momento sobre o caso.

Cláudia morreu devido a "laceração cardíaca e pulmonar decorrentes de ferimento transfixante no tórax", causada pelo tiro. De acordo com o inquérito, o horário de atendimento de Cláudia no Hospital Carlos Chagas foi às 8h44.

O guia de remoção de cadáver foi registrado às 13h22. O laudo sobre a morte da auxiliar de serviços Cláudia Silva Ferreira, no último dia 16, no Rio, foi considerado inconclusivo pelos peritos do Instituto Médico Legal. Segundo os peritos, não é possível saber depois de quantos minutos Cláudia morreu.