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Uma disputa à beira-mar: facções se enfrentam para dominar tráfico em bairro vizinho a Copacabana

As comunidades Babilônia e Chapéu Mangueira em encosta na frente da praia do Leme - Gabriel de Paiva/Agência O Globo
As comunidades Babilônia e Chapéu Mangueira em encosta na frente da praia do Leme Imagem: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

Do UOL, no Rio

11/09/2017 04h00Atualizada em 11/09/2017 19h17

Moradores dos morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, comunidades encravadas na encosta do bairro do Leme, na zona sul carioca, têm vivido sob constantes tiroteios que nada diferem dos tempos anteriores à chegada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

As trocas de tiros refletem a disputa entre facções criminosas rivais pelo domínio do território para o tráfico --as favelas vizinhas localizam-se em ponto estratégico, a algumas ruas da orla de Copacabana. Na Babilônia, o CV (Comando Vermelho) detém o poder da venda de drogas, enquanto no Chapéu Mangueira, o TCP (Terceiro Comando Puro) é quem domina o tráfico.

As duas comunidades, que têm cerca de 3.800 moradores, destacam-se por seus bares, hostels e até galeria de arte, surgidos após a instalação da UPP, em 2009. Os novos negócios viraram fonte de renda e motivo de orgulho para os moradores.

Mas, há ao menos um ano, os confrontos entre as fações rivais, além de trocas de tiros também com policiais militares da UPP, tiram o sossego dos morros.

Disparos, rajadas, tiroteios voltaram a fazer parte da rotina, a qualquer hora do dia. A parte alta dos morros, uma área de mata que liga as duas comunidades, é onde ocorre a maioria dos tiroteios. Por ficar no alto, o som reverbera e pode ser ouvido pelas duas comunidades e por moradores do Leme.

Morros favelas Rio - Valor Econômico/Agência O Globo - Valor Econômico/Agência O Globo
Violência assusta moradores e atrapalha negócios nas comunidades
Imagem: Valor Econômico/Agência O Globo

O aplicativo Fogo Cruzado, que tem parceria com a Anistia Internacional, recebeu 24 notificações de tiroteio nas comunidades do Leme entre julho de 2016 e julho deste mês. Em uma das ocorrências, uma moradora da favela foi baleada no rosto em troca de tiros entre PMs e traficantes e morreu no hospital.

A presença de traficantes armados em becos e vielas assusta visitantes. A situação provocou a mudança de diversos moradores e o fechamento de pontos comerciais.

“Quem mora de aluguel e não tem vínculo com a comunidade está indo embora”, afirmou o presidente da Associação de Moradores do Chapéu Mangueira, Luiz Alberto Jesus, um dos poucos procurados pela reportagem que aceitou falar sobre a situação nos morros. “Não tem violência contra morador, nem intimidação. A tensão é entre eles [traficantes]”, disse o líder comunitário.

Violência fecha negócios e assusta crianças

Babilônia e Chapéu Mangueira já serviram como cenário de filmes, como "Orfeu Negro", que foi Palma de Ouro no festival de Cannes em 1959, e para o maior blockbuster brasileiro, o filme "Tropa de Elite", de 2007.

Nos anos 90, os dois morros eram referência por seus bailes funk. Mais recentemente, um pedaço do Chapéu Mangueira ganhou projeção --o Bar do David recebeu o título de melhor boteco do Brasil em 2016, em um concurso realizado com os 60 melhores bares do país, graças a um de seus petiscos. No Rio, o bar se consagrou o único bicampeão do concurso ao também abocanhar o prêmio neste ano.

No Babilônia, um casal de estrangeiros comprou há quatro anos um terreno no topo do morro e construiu uma pousada e um bar. Com um deck com vista para o Cristo Redentor e parte de Botafogo, o Estrelas da Babilônia é queridinho entre turistas, principalmente entre os gringos.

Mas, em maio, os proprietários fecharam o estabelecimento por 20 dias por conta da violência no lugar.

“Não tínhamos mais ideia do que ia acontecer. Era [tiroteio] toda hora, às 8h, às 15h. Ficamos muito chateados em fechar. Muita gente foi embora daqui e pensei em ir embora também, não dá para viver nessa situação. Mas nós compramos esse lugar, fazemos trabalhos sociais, não estou devendo nada”, disse Bibiana Angel Gonzales, 34, colombiana que vive desde 2008 no Brasil.

O morro vivia outro momento quando ela abriu o estabelecimento, em 2013, ao lado do marido polonês.

“Tinha o tráfico, mas não víamos armas. Era perfeito, bem tranquilo. Durante a Copa, tivemos turistas de toda parte do mundo. Fazíamos eventos de intercâmbio cultural de acordo com o país que estava jogando. Já nos Jogos Olímpicos a situação já tinha mudado, os consulados falaram para os estrangeiros não subirem os morros e o movimento foi bem ruim”, contou Bibiana.

Estrelas da Babilônia - Divulgação - Divulgação
A pousada e bar Estrelas da Babilônia chegou a fechar por 20 dias por causa da violência
Imagem: Divulgação

A situação de vulnerabilidade é ainda mais grave quando se trata de crianças. A Escolinha Tia Percília, instituição que vive de doações e oferece aulas de reforço escolar a crianças e adolescentes, fica no principal acesso às duas comunidades, a ladeira Ary Barroso, longe da área onde ocorrem a maioria dos confrontos. Mas, o som dos tiros pode ser ouvido por toda parte e assusta os pequenos.

“Quando acontecem os tiroteios suspendemos as aulas e pedimos para os pais não trazerem as crianças. Quando há boato de que teve ou vai ter tiroteio, eles já não aparecem”, disse Monique Rocha, coordenadora da escola.

O comportamento das crianças, principalmente as menores, vem mudando, de acordo com Monique. “Eles estão mais agitados, principalmente em dias que têm tiros. Uns têm medo, mas outros já acham normal”, disse ela.

UPP perderá PMs com reformulação do programa

Há aproximadamente um mês, a UPP Babilônia/Chapéu Mangueira está sob o comando da capitã Sílvia Souza. Ela está se reunindo com moradores, comerciantes e lideranças locais para entender a situação.

“Os comerciantes locais estão bem insatisfeitos com a evasão de receita por conta da fuga dos turistas, mas demonstraram apoio à UPP e demonstraram estar propensos a atuar ao nosso lado. As pessoas têm esperança de o cenário mudar com a polícia comunitária, polícia de mãos dadas de verdade”, afirmou a comandante.

Segundo Sílvia, a UPP trabalha com o setor de inteligência da 12ª Delegacia de Polícia, em Copacabana, para localizar e prender os traficantes. As investigações identificaram a briga de facções.

“Sabemos que é uma briga de CV e o TCP, que agora pode ter virado TCA [Terceiro Comando dos Amigos], ao se juntarem com a ADA [Amigos dos Amigos] e formado uma terceira facção. Mas ainda não tem nada muito concreto sobre isso [da união das facções]. Sabemos que os confrontos e as ações deles não são muito focados, e que são muito jovens. Observamos que há uma inconsequência nas atitudes deles, o que assusta os moradores. Os jovens demais não têm princípio, não têm respeito”, contou Sílvia.

No último dia 23, o secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, anunciou que 3.000 policiais das UPPs de toda capital e região metropolitana serão deslocados para o policiamento nas ruas. Com cerca de 250 homens, a UPP Babilônia/Chapéu Mangueira ainda não teve o efetivo reduzido.

Apesar de o governo dizer que vai manter os efetivos nas comunidades com UPPs --o remanejamento afetaria, segundo Sá, agentes que atuam em áreas administrativas--, a comandante da UPP Babilônia/Chapéu Mangueira diz que a unidade perderá policiais.

“Vai sofrer diminuição [de policiais], mas não sabemos ainda o número certo. Ainda está em andamento”, disse ela.

Investigação levou a 30 prisões de traficantes

À frente da 12ª DP há pouco menos de um ano, o delegado Gabriel Ferrando trabalha com ferramentas de inteligência e em parceria com a UPP para conseguir mandados de prisão contra os traficantes dos morros do Leme. Nesse período, das cerca de 50 ordens de prisão, 30 foram cumpridas.

“Os traficantes se adaptam à presença da PM. Prender alguém hoje em dia por tráfico de drogas no interior na favela, além de riscos dos efeitos colaterais, que é a eventual resistência, você tem dificuldade de configuração desse criminoso. Por essa razão nós temos um trabalho pautado em inteligência, com o cruzamento das informações geradas pela UPP, mais as técnicas de investigação que a delegacia tem. Assim que consegue a identificação [dos criminosos], conseguimos os mandados e você faz a prisão no melhor momento”, explicou o delegado.

Segundo ele, a briga entre as facções criminosas para dominar o tráfico em duas localidades que podem ser encaradas como uma só é uma particularidade de Babilônia e Chapéu Mangueira.

“O que diferencia de outras regiões é que houve domínio por um largo tempo de uma única facção [CV]. Agora uma facção rival [TCP] chegou. Isso gera uma série de conflitos na medida em que eles buscam controle territorial”, explicou o delegado, sem precisar quando o TCP chegou ao Chapéu Mangueira.

Apesar de estar em uma localização privilegiada em logística e acesso, o tráfico nas duas comunidades não é robusto, afirma o delegado.

“Não é um tráfico considerado forte. Não tem rentabilidade em comparação com outras regiões. É um tráfico embrionário, tanto que eles não conseguem evoluir. Não é como em outras comunidades onde há produção, traficância pesada, fluxo de drogas maior. Mas qualquer criminalidade local gera transtorno e problemas, o ideal é que não tivesse. Mas não ter tráfico de drogas é utópico. Tem no asfalto e em qualquer lugar”, diz o titular da 12ª DP.

grafite morro da babilônia - Reprodução/Facebook do Jardim Babilônia - Reprodução/Facebook do Jardim Babilônia
Grafiteiros pintaram por dois dias 13 muros no morro da Babilônia
Imagem: Reprodução/Facebook do Jardim Babilônia

Mais muros x portas abertas

Um dos sintomas que a proprietária do Estrelas da Babilônia observou nos moradores da comunidade em relação à ocorrência de tiroteios e presença do tráfico armado foi o surgimento de mais muros e paredes protegendo as casas.

Pensando nisso e também em melhorar o sentimento das pessoas em relação às comunidades onde moram, Bibiana e outros ativistas culturais do lugar elaboraram a 1ª edição do Babilônia de Portas Abertas, um evento que ocorreu no último fim de semana de agosto com rodas de conversas, música e artes gráficas.

“As pessoas começaram a erguer muros cinzas, se fecharam, aí pensamos em fazer algo. Grafiteiros vieram conhecer as histórias e pintaram por dois dias 13 muros, o que resultou em uma galeria a céu aberto”, contou a comerciante colombiana.