Com chefe "interino" do tráfico e dividida entre facções, Rocinha teme nova invasão
Um barril de pólvora. É com essas palavras que um morador descreveu ao UOL o atual clima da Rocinha. Reféns de tiroteios frequentes, moradores da favela da zona sul do Rio de Janeiro, que teve o chefe do tráfico, o Rogério 157, preso em dezembro, relatam que a comunidade está dividida entre facções rivais e temem uma nova investida de traficantes da ADA (Amigo dos Amigos), como a que desencadeou em setembro a crise de segurança que mobilizou quase mil homens das Forças Armadas.
Após a prisão de 157, o crime organizado na maior favela da zona sul não demorou nem 24 horas para nomear um novo chefe do tráfico. José Carlos de Souza Silva, conhecido como Gênio, assumiu o posto provisoriamente e, segundo policiais e moradores, continua atualmente à frente do tráfico da comunidade.
Assim como 157, ele pertencia à ADA, mas migrou para o CV (Comando Vermelho) após o racha entre 157 e o traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, preso em Rondônia, que tentou retomar o comando do crime da Rocinha no ano passado. Segundo a polícia, Gênio tinha a confiança de 157 e a rápida indicação demonstra a intenção de não permitir que o grupo fique sem comando, assim como tentar evitar que a ADA retome o território.
Uma possível invasão de traficantes rivais deixa os moradores apreensivos. A reportagem esteve na comunidade três vezes entre o final de dezembro e os primeiros dias de janeiro. Moradores relataram indícios de que criminosos se preparam para um possível conflito.
“Lá no Terreirão [localidade da Rocinha] tem mais de cem homens equipados com fuzil, colete, rádio. Parece que eles estão esperando”, relatou ao UOL um morador que pediu para não ser identificado. Segundo ele, muitos homens da ADA ainda resistem em áreas da Rocinha.
“Essa mistura é que dá mais medo, né? A Rocinha se transformou num barril de pólvora. Qualquer dia explode de vez.”
No dia da prisão de Rogério Avelino da Silva, o 157, criminosos ligados ao grupo de Nem comemoraram a prisão com tiros para o alto, efetuados na comunidade.
Outro morador, que também não quis ter o nome divulgado temendo por sua segurança, destacou o clima de insegurança na favela.
“Eu sinto o clima mais tenso até porque a gente não sabe ainda o que tem por vir. A gente dança aqui conforme a música e o momento é de silêncio. A gente sabe que o grupo rival não vai desistir fácil daqui. Durmo sempre achando que vai ser amanhã”, diz o ajudante de pedreiro Raimundo, que prefere que seu sobrenome não seja divulgado.
Moradora da comunidade há 11 anos, Maria Inês Santos diz que "estranhos" passaram a entrar e sair da Rocinha com mais frequência. Com isso, ela proibiu os filhos adolescentes de chegarem em casa após as 22h.
“Só queria ter paz de novo. O povo anda muito desconfiado. Tem umas caras por aí que nunca vi e ficam rondando as ruas. Como se fosse um patrulhamento. Agora, aqui em casa, todo mundo tem hora pra chegar. Não quero ninguém de madrugada passeando na rua”, disse.
Para o especialista em segurança pública Paulo Storani o momento na Rocinha realmente é de alerta.
“É um movimento que ocorre de acordo com os fatos. Qualquer sinal de enfraquecimento, como prisão ou morte de líderes rivais e operações sistemáticas da polícia contra uma determinada facção, pode gerar a gana expansionista. É assim que ocorre. O parasita prefere atacar quando o corpo está debilitado”, analisa o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais).
Diferentemente do que relataram moradores ao UOL, o delegado Antônio Ricardo Nunes, titular da Delegacia da Rocinha, negou a divisão de territórios na favela, acrescentando que ela tem sido monitorada e patrulhada pela polícia.
“Quem está à frente do tráfico é a quadrilha do 157. Não quero ficar citando nomes para não criar um novo Rogério na Rocinha. O Comando de Operações Especiais da Polícia Militar está atuando na favela desde de setembro, estamos monitorando e acompanhando a situação”, disse o delegado, minimizando a possibilidade de conflitos entre grupos rivais na comunidade.
ADA intensifica ações de retomada de território
Para policiais que atuam na favela, a perda da Rocinha para o CV enfraqueceu a ADA, que tem intensificado ações para retomar o controle do tráfico de drogas em pontos do Estado. Na semana passada, o grupo invadiu a comunidade do Lagomar, em Macaé, cidade do Norte Fluminense, para retomar o controle das atividades ilegais na região, o que resultou em um toque de recolher em toda a cidade.
Para a Polícia Civil, a prisão de Danúbia Rangel, mulher do traficante Nem, no ano passado, também ajudou a enfraquecer a ADA na Rocinha. Foragida desde março de 2016, ela era acusada de transmitir recados de Nem a traficantes.
Danúbia foi presa em outubro na Ilha do Governador, zona norte do Rio. Contra ela pesam as acusações de associação para o tráfico e corrupção ativa.
Rotina de tiroteios
Desde a tentativa de invasão do bando de Nem, em setembro, a Rocinha convive com frequentes confrontos na favela.
Nesta terça-feira (16), o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) realizou uma operação na Rocinha. Policiais e traficantes trocaram tiros. Um homem ferido foi socorrido no hospital Miguel Couto, na Gávea. Com ele, foram apreendidos um fuzil e munições.
Na última sexta (12), policiais do BPChq (Batalhão de Polícia de Choque) e bandidos também se enfrentaram na favela. Nem mesmo no primeiro dia do ano houve trégua. As primeiras horas de 2018 também foram marcadas por tiros.
Ao todo, 69 mil pessoas vivem na comunidade que convive com incursões policiais frequentes que resultam em fechamento de escolas, creches e comércio.
Segundo balanço da PM, desde o dia 18 de setembro, 81 pessoas foram presas, 17 menores de idade, apreendidos e 31 suspeitos morreram em confronto. Além disso, sete policiais e oito moradores ficaram feridos e uma turista morreu em visita à favela.
A corporação informou que foram apreendidos 27 fuzis, três submetralhadoras, seis espingardas calibre 12, 49 pistolas, cinco simulacros de fuzis, três simulacros de pistola, além de 60 granadas/artefatos explosivos. Duas toneladas de drogas também foram encontradas.
Por nota, a PM informou que atua para restabelecer a ordem na comunidade e que conta com 550 policiais de diversas unidades. A UPP Rocinha e o 23º BPM (Leblon) continuam realizando o cerco com o apoio de policiais de outras UPPs e dos batalhões, disse a corporação --são 15 pontos de cerco e 14 de contenção no interior da comunidade. Policiais das tropas especiais do Bope, BPChq, BAC (Batalhão de Ações com Cães) e GAM (Grupamento Aeromóvel), além da UPP realizam patrulhamento.
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