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Estratégico para o tráfico, Ceará vira centro de distribuição de droga e esconde guerra de facções

Mansão onde estariam Gegê do Mangue e Paca no Ceará - Divulgação/Polícia Civil
Mansão onde estariam Gegê do Mangue e Paca no Ceará Imagem: Divulgação/Polícia Civil

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

25/02/2018 04h00Atualizada em 25/02/2018 16h36

A morte do primeiro nome do PCC (Primeiro Comando da Capital) fora de um presídio, o "Gegê do Mangue", mostrou como o Ceará se tornou um Estado fundamental no mapa do tráfico de drogas no país. Gegê foi morto na quinta-feira (15) ao lado de um comparsa, em uma reserva indígena em Aquiraz, na Grande Fortaleza.  

As mortes motivaram o envio, pelo governo federal, de força-tarefa ao Estado e levaram o ministro da Justiça, Torquato Jardim, a afirmar que o Estado é estratégico para o tráfico de drogas, de forma que "quem conquistar o Ceará, conquista o Nordeste." 

Mas o que está por trás de tamanho interesse do PCC e de outras facções --e até de criminosos internacionais-- com o Ceará?

O interesse pelo Estado começou a ser prospectado no final da década passada, quando o trabalho das polícias coibiu com mais rigor a entrada de drogas pela tríplice fronteira, no Paraná, especialmente as vindas do Paraguai. Os traficantes então passaram a usar outro trajeto para trazer e distribuir drogas em território brasileiro. 

Com isso surgiu então a rota Solimões, trajeto que corta o Norte, para ingresso de drogas no Brasil vindas especialmente da Bolívia --o domínio dessa rota é um dos pontos-chave do desentendimento entre as facções FDN (Família do Norte) e PCC (Primeiro Comando da Capital). O ponto de escoamento e distribuição dessa droga é justamente o Ceará --de onde os entorpecentes são distribuídos para Europa e para outros Estados do país. 

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O cenário de violência no Estado traz indícios da relevância da região para o crime organizado. Em menos de dois anos, nomes importantes do tráfico de drogas nacional e até internacional foram presos ou mortos em território cearense. Um deles foi Alejandro Camacho Júnior, irmão de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC. Alejandro foi preso em Fortaleza pela Polícia Federal em março de 2016. 

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Em dezembro daquele ano, foi a vez de Chepa, grande traficante mexicano, ser detido no Ceará. Ele era apontado como um dos três líderes do cartel mexicano de drogas "Jalisco Nova Geração" --a CJNG, considerado o mais violento do país. Ele estaria de férias com a família, segundo a versão oficial, mas a suspeita é que ele prospectava mercado de drogas no Ceará.

Localização e logística explicam procura

Localização é fator determinante para compreender a ascensão do Ceará na geografia do tráfico de drogas no país. "O Ceará tem claramente uma vantagem frente a todos os Estados, que é logística operacional: é a menor distância entre o Brasil e a Europa. Além disso é pobre e tem uma gestão de segurança deficiente. Em 2010 já se tinha história de HUBs [centro de conexão de voos], que queriam implementar aqui uma logística de transporte aéreo. A mesma lógica que atrai as empresas áereas atraiu as facções", explica o pesquisador do tráfico de drogas no Estado e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará), José Raimundo Carvalho.

O professor trabalhou no setor de estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Ceará entre 2009 e 2015 e lembra que a mancha criminal cearense começou a mudar quando o PCC chegou. "Deixaram de ser homicídios comuns, como por vingança, bebida, traição, para se transformar em uma luta por espaço das facções", afirma.

Carvalho não tem dúvidas de que o Ceará se tornou hoje o principal distribuidor de droga do país, enviando também entorpecentes para Rio, São Paulo e Minas Gerais.

"Por essas vantagens naturais e por ter sequências de deficiências, o Ceará se tornou ponto-chave, ou seja, quem passa a dominar a logística e a distribuição de drogas internacionais é quem domina o Ceará", afirma o pesquisador. 

Uma das suspeitas que o professor levanta sobre a presença de Gegê no Ceará seria a missão de organizar uma suposta vingança para a morte de 14 pessoas em uma chacina comandada em janeiro pela facção GDE (Guardiões do Estado) em um forró da capital. O GDE é a maior facção do Estado. "Vimos muito o PCC oferecendo armamento e munição para fazer o que o secretário não consegue, que é eliminar o GDE.”

Gegê do Mangue, do PCC - Divulgação/SAP - Divulgação/SAP
Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, do PCC
Imagem: Divulgação/SAP

Quatro facções disputam espaço no Estado

O interesse pelo Ceará pode ser visto pela presença atípica de quatro facções na disputa por cooptação de presos e espaço. Além do PCC, há no Estado integrantes do CV (Comando Vermelho), GDE e FDN. A realidade é diferente dos outros Estados, onde há normalmente domínio de uma facção (como ocorre com o PCC em São Paulo) ou disputa de no máximo duas facções.

A guerra entre facções foi decisiva para que o número de assassinatos no Estado batesse recorde em 2017, com 5.134 mortes. Em duas décadas, esse índice cresceu 545%.  

Para o especialista, a disputa por esse espaço causou uma verdadeira epidemia de mortes, em número muito superior que o Rio de Janeiro, por exemplo. "É uma situação catastrófica, muito pior que a do Ri ", explicou.

Uma diferença marcante do PCC para facções locais é o poder de fogo, com oferecimento de armas e estrutura para o crime. Gegê, por exemplo, tinha a seu dispor um helicóptero com o qual viajava para a Bolívia. Joias e carros e casas de luxo também são marca dos líderes do grupo.

Mas, para se firmar, a organização exige taxas de membros e remete boa parte dos lucros para São Paulo. Foi contra essa lógica que dissidências surgiram no Nordeste e hoje disputam o poder, como no Rio Grande do Norte, com o Sindicato do RN, e no Ceará, com a GDE. Além disso, há a rixa com o Comando Vermelho, que também luta por espaço na região.

O jornalista, escritor e pesquisador do PCC, Josmar Jozino, explica que o PCC teve como estratégia expandir a dominação do tráfico para o Nordeste. Ele concorda que a força do Ceará nesse processo tem a ver com o tráfico internacional de drogas.

"O PCC cresceu muito e está se expandindo em todos os Estados, e aí acredito que o Ceará é um ótimo local para crescer. Mas as outras facções perdem espaço nas ruas e nas prisões, daí vem essa disputa", afirma. 

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Controle dentro dos presídios

Não é só no controle do tráfico de drogas que o PCC embasou sua estrutura: a facção conta com cerca de 5.000 integrantes nos presídios.

"Sabemos que o PCC é a maior e mais bem-organizada facção criminosa atualmente em atuação no Ceará, dentro e fora do sistema penitenciário. Não é por acaso a presença aqui dessas lideranças maiores, de âmbito nacional. Certamente, a morte delas surtirá efeito nas unidades carcerárias, com possível acirramento e a escalada de violência dentro e fora dos presídios", afirma Claudio Justa, presidente do Conselho Penitenciário do Ceará.

Diante das mortes, Justa vê risco de matanças nos presídios cearenses. "Como o sistema penitenciário do Ceará é muito vulnerável, há risco de rebeliões e novas chacinas de grande vulto. É, portanto, uma situação que deve pôr o sistema penitenciário e de segurança pública em alerta", diz.

O UOL solicitou entrevistas, na terça-feira (20) e quarta-feira (21), à Secretaria de Segurança Pública e à Polícia Civil, mas não obteve retorno.

Na segunda-feira (19), o secretário de Segurança Pública do Ceará, André Costa, disse que o Estado está sendo modelo no plano nacional de atuação contra as organizações criminosas.

"O problema dessas facções ultrapassa as divisas dos Estados. Nenhum Estado de forma isolada vai combater [facções]. É necessária a participação da União e suas polícias e estamos aqui para criar um projeto-piloto", afirmou Costa ao receber a força-tarefa federal que vai atuar na investigação desses grupos no Estado.