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Bloqueio de celulares em presídios "une" facções rivais e provoca onda de violência no Ceará

Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará, em Fortaleza, foi atacada a tiros na madrugada de sábado (24) - Jarbas Oliveira/Estadão Conteúdo
Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará, em Fortaleza, foi atacada a tiros na madrugada de sábado (24) Imagem: Jarbas Oliveira/Estadão Conteúdo

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/03/2018 04h00Atualizada em 02/04/2018 13h04

A série de ataques a veículos e prédios públicos nos últimos dias no Ceará mostrou que --após muitos meses de confrontos-- as facções criminosas estão unidas em torno de uma meta: impedir a instalação de bloqueadores de celular nos presídios.

A motivação agora é uma decisão de 2 de março que determinou que o “estado do Ceará, no prazo de 180 dias, proceda à aquisição e promova a devida instalação de bloqueadores de sinal de celular em todas as unidades prisionais”. Trata-se de uma decisão do Judiciário que deve ser colocada em prática pelo governo cearense.

Apesar de o tema não ser tratado abertamente pelo governo, as autoridades já sabem que as facções estão dispostas a atos "terroristas" para evitar a a instalação. "Isso é uma guerra, e não tenho dúvida de que vamos vencer", disse o governador Camilo Santana (PT), em entrevista concedida no último domingo (25).

Concentração de força contra o Estado

Segundo o presidente do Conselho Penitenciário do Ceará, Claudio Justa, apesar da "declarada" guerra entre elas, as facções estão ligadas para evitar o bloqueio de celular. "Isso é pauta comum. Elas não querem ficar sem o uso dos celulares nos presídios, aí somam esforços, ainda que de modo independente um do outro", diz.

"Em 2015, por exemplo, eles fizeram uma pactuação de paz. Os índices de homicídios baixaram muito. O governo até surfou na onda, porque atribuía a redução à ação da polícia", lembra.

Claudio Justa diz que não há ainda indícios de um acordo pactuado de paz, mas não há dúvidas de que exista um interesse conjunto de intimidar o Estado. "Cada facção, em sua área, faz a sua ação. Tudo indica uma concentração de força contra o Estado."

Para ele, não há dúvidas de que o motivo do ataque à Sejus (Secretaria de Justiça e Cidadania) foi uma resposta à ordem judicial sobre os bloqueadores. 

Inscrições do PCC (Primeiro Comando da Capital) são vistas em imóvel de Fortaleza, no Ceará, com a sigla e o número que representa as iniciais da facção criminosa (1533) - Wellington Macedo - 26.mar.2018/Estadão Conteúdo - Wellington Macedo - 26.mar.2018/Estadão Conteúdo
Inscrições do PCC (Primeiro Comando da Capital) em imóvel de Fortaleza, no Ceará, com a sigla e o número que representa as iniciais da facção criminosa (1533)
Imagem: Wellington Macedo - 26.mar.2018/Estadão Conteúdo
"Sempre que há endurecimento disciplinar nas unidades prisionais, como foi o caso da suspensão de visitas em dez unidades prisionais do Estado, e a informação de que o governo vai implantar bloqueadores de sinal de celular, observam-se reações nas ruas", conta.

Em resposta aos ataques, o governador Camilo Santana publicou um vídeo em que disse que o governo não vai recuar e classificou os atos como "terroristas". "Esses ataques têm ocorrido por causa de interesses contrariados desses bandidos, que buscam afrontar o Estado. Essas ações serão respondidas com a força e a altura que forem necessárias", afirmou.

Maior problema à segurança pública

O presidente do Conselho Estadual da Segurança Pública, Leandro Vasques, afirma que a força das facções é hoje o maior problema à segurança do estado.

"Existe um projeto [lançado em 2015] chamado 'Ceará Pacífico', feito em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas eles partiram do diagnóstico de que não havia facções, que elas não atuavam. Com essa premissa falsa, todo o projeto está comprometido, faliu em sua em finalidade", pontua.

"A partir do instante em que o estado escondeu da própria população de que o crime estava aqui, o governo decretou a sua perda de controle", diz.

Por meio de nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública nega que tenha desconsiderado a existência de facções do crime organizado durante a elaboração do plano Ceará Pacífico.

"O plano de ações do projeto prevê um programa de capacitação de policiais civis, militares e peritos criminais em temas prioritários, como abordagem policial, investigação de homicídios, análise criminal, inteligência em segurança pública e prisional, além do uso de estatísticas nnoplanejamento operacional", diz o comunicado.

"Essas ações ajudam a modernizar as forças policiais para que estejam preparadas a atuar em qualquer tipo de situação, inclusive no combate às facções. O fenômeno da violência é multicausal e demandaa construção de iniciativas articuladas e intersetoriais."

Quebra de comunicação afeta as facções, diz pesquisador

O pesquisador Ricardo Moura, do Laboratório de Conflitualidade e Violência da UECE (Universidade Estadual do Ceará), explica que uma eventual instalação dos bloqueadores afetaria a dinâmica de todos os grupos no estado, por isso eles estariam dispostos a atacar bens públicos para afetar a população e tentar acuar o governo.

"A quebra da comunicação nos presídios afeta o cotidiano desses grupos. É natural que haja uma reação forte para que a situação se mantenha, pois foi ela que contribuiu para expansão dessas facções. Todas as facções têm comando e lideranças encarceradas, ou seja, afeta a todos", conta.

Segundo ele, entre 2014 e 2015 houve um acordo entre esses grupos, que pactuaram um cessar-fogo em nome dessa pauta. "Hoje o cenário para que haja um entendimento é menos favorável e é mais provável que elas sigam com o conflito entre si e pontualmente contra o estado. É provável que permaneçam fazendo atentados contra o estado, mas até pela disputa em nível nacional, e isso reverbera forte aqui, não deve haver acordo", explica.

Retaliação não é novidade

A represália contra a instalação não é a primeira no Estado. Em abril de 2016, um carro-bomba foi achado próximo à Assembleia Legislativa que estava a postos para votar o projeto para instalação dos bloqueadores. 

Ônibus queimado Fortaleza - Reprodução/WhatsApp - Reprodução/WhatsApp
Ônibus queimado na última segunda-feira (26), em Fortaleza; facções impõem medo à sociedade
Imagem: Reprodução/WhatsApp
Dessa vez, o ataque foi mais intenso, e o primeiro recado forte veio com o ataque e tentativa de incêndio a um prédio dos Correios, em Fortaleza, na noite da última quinta (22). Em cartas deixadas próximas ao local, os bandidos prometiam ataques simultâneos caso o governo instalasse os bloqueadores.

Na madrugada do sábado (24), foi a vez do ataque a tiros à sede da Sejus. A polícia já estava atenta a um possível ataque e reagiu, matando três supostos integrantes do CV (Comando Vermelho).

Em uma mensagem captada de dentro de um presídio, integrantes do CV pedem que todos se unam para que seja dada uma "resposta à altura" e para "atacar tudo".

O recado foi entendido como uma ordem para vingar as mortes da madrugada de sábado. Imagens que circularam nas redes sociais chamavam os homens mortos de "guerreiros", com o logotipo do CV.

Entre sábado e segunda-feira, mais de 120 veículos foram incendiados e prédios públicos foram alvejados.

Os ataques entre sábado e segunda-feira (26) teriam sido comandados por CV e GDE (Guardiões do Estado). A outra facção que disputa poder dentro e fora dos presídios é o PCC (Primeiro Comando da Capital), mas não há informações sobre a participação delas nos ataques.

Procurada, a Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará informou que não possui data para iniciar a instalação de bloqueadores e que o assunto ainda está sendo discutido internamente pelo governo.

Para evitar ataques durante o feriado da Semana Santa, o governo anunciou nessa terça-feira uma operação com atuação diária de 1.680 profissionais de segurança.