ONG conta cem disparos no chão em operação que usou helicóptero e deixou 7 mortos na Maré
O diretor da ONG Redes da Maré, Edson Diniz, afirmou que a entidade verificou mais de cem marcas de disparos no chão do conjunto de favelas da zona norte do Rio de Janeiro após a operação da Polícia Civil que deixou na quarta-feira (20) sete mortos, entre eles, o estudante Marcos Vinícius da Silva, 14. Diniz disse que os tiros partiram do helicóptero usado na ação policial, chamado por moradores de "caveirão voador". Vídeos publicados nas redes sociais registraram o sobrevoo da aeronave na Maré ao som de disparos de armas de fogo.
“Contamos mais de cem marcas de disparos no chão, nas casas, na rua. Certamente foram tiros do helicóptero, já que caveirão [espécie de tanque das forças de segurança] não atira para baixo. Foi uma coisa absurda porque colocou todo mundo em risco”, afirmou o diretor da ONG, que definiu a operação como "desastrosa".
Ao UOL, ele criticou a ação policial, que contou com o apoio de dois blindados do Exército --Diniz pontuou excesso de uso da força policial e falta de critério na escolha da estratégia.
Não houve inteligência nessa operação, pelo contrário. Se a intervenção vinha para mudar alguma coisa, não mudou. Foi uso desproporcional de força. Quando há uma criança morta, percebe-se que não houve planejamento.
Edson Diniz, diretor da ONG Redes da Maré
Alba Zaluar, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), condenou a forma com que o helicóptero foi usado na operação da Maré e apontou que a morte do estudante, baleado na barriga a caminho da escola, causa um "desgaste completo" à intervenção.
“Helicópteros são usados há muito tempo, mas atirar de cima em um local densamente povoado? Você pode usar o helicóptero para vigiar, coordenar uma operação, até assustar um criminoso, mas não pode atirar em um local onde tem criança, mulher grávida e idoso. Não dá para entender nem para aceitar."
Para João Trajano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj e integrante do Conselho de Segurança do Estado, uma operação policial que termina com sete mortos é “desastrosa”. Ele avalia que ações policiais que "empilham mortos" são inócuas do ponto de vista da redução da criminalidade e põem em risco a vida de moradores.
Esse tipo de operação traz quatro pontos: a virulência letal, a ausência de planejamento, a negligência com a segurança e a vida dos moradores e também a falta de esclarecimento das autoridades sobre essa operação.
João Trajano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj
O pesquisador afirma acreditar que outras estratégias de operação seriam viáveis, mas se diz “pessimista” quanto à eventual adoção de uma estratégia alternativa “sobretudo pelo contexto de uma intervenção conduzida pela mão militar”.
Trajano relata que integrantes do Conselho de Segurança procuraram o general interventor Braga Netto, o secretário de Segurança, Richard Nunes, e o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, para solicitar informações a respeito da operação, mas, até esta sexta-feira (22), não houve retorno da cúpula de segurança.
A mãe do adolescente, Bruna da Silva, afirmou que Marcos Vinícius relatou a ela, após ser atingido, que os tiros partiram de um veículo blindado.
“Mais uma vez um menino assassinado na Maré, como o caso do menino Jeremias, que ainda não foi solucionado. Os moradores da Maré não aguentam mais enterrar suas crianças. É preciso dar um basta nisso”, desabafou o diretor da entidade que atua desde 2007 nas áreas de direito à segurança pública, educação, arte e cultura no Complexo da Maré. O também adolescente Jeremias Moraes da Silva, 13, morreu na Maré ao ser baleado, em fevereiro, durante confronto entre traficantes e policiais quando voltava de uma partida de futebol.
O diretor da ONG denunciou ainda que, entre os mortos na operação de quarta-feira, cinco jovens entre 20 e 30 anos foram rendidos e assassinados em uma das casas da Maré. O Hospital Federal de Bonsucesso informou que cinco rapazes deram entrada já sem vida na unidade de saúde. Segundo Diniz, os corpos tinham “sinais de execução”.
“Pelo que a gente sabe, eles tinham envolvimento com a criminalidade, mas não sabemos em que grau. Também não sabemos se estavam armados ou não, só sabemos que haviam se rendido”, afirmou Diniz. Ele defende que, em caso de rendição, os suspeitos devem ser detidos e conduzidos a uma delegacia.
Outro lado
Procurados sobre as críticas dos especialistas em segurança pública e do diretor da ONG Redes da Maré, o GIF (Gabinete de Intervenção Federal), a Seseg (Secretaria do Estado da Segurança) e a Polícia Civil ainda não se manifestaram. Até a publicação desta reportagem, o porta-voz do Comando Conjunto da intervenção, Carlos Cinelli, também não foi localizado para comentar os pontos abordados.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que "está empenhando todos os esforços para esclarecer os fatos que resultaram na morte do estudante Marcus Vinicius". Segundo o órgão, todos os protocolos de investigação estão sendo adotados pela Delegacia de Homicídios da Capital.
A DH realizou perícia no local em que o adolescente foi baleado e ouviu testemunhas que socorreram a vítima. Também prestaram depoimentos policiais civis que participaram a operação. Parentes devem prestar depoimento até segunda-feira (25).
A Polícia Civil também informou que uma reprodução simulada (ainda sem data definida) será realizada para ajudar a compreender a dinâmica do crime e definir de onde partiu o tiro que atingiu o estudante.
Laudo do IML (Instituto Médico Legal) aponta que o tiro entrou na região lombar esquerda do estudante e saiu na região esquerda do abdômen, em sentido horizontal, indicando inicialmente que o disparo foi feito por alguém que estava na mesma altura da vítima, segundo diz a Polícia Civil. O perito não pôde concluir se as lesões foram provocadas por projétil com alta energia cinética, o que facilitaria a identificação do tipo de arma usada.
Quanto ao uso do helicóptero, a Polícia Civil ainda não respondeu sobre a denúncia da ONG relativa ao excesso de disparos. No dia seguinte à operação, o órgão disse apenas que "a utilização do helicóptero em operações, como as ocorridas na quarta-feira, se dá para a garantia da segurança de toda a população, entre eles, os moradores da comunidade envolvida e os policiais que desempenham suas atividades".
Outro inquérito, também conduzido pela DH Capital, apura as circunstâncias das mortes dos seis homens --a polícia diz que eles eram criminosos e que receberam os agentes com "intenso disparo de tiros". Segundo a polícia, um deles era o chefe do tráfico no Caju (zona norte) e outro estava com uma tornozeleira eletrônica. Com eles, foram apreendidos fuzis, pistolas e granadas, também de acordo com a polícia.
A juíza Ana Cecilia Argueso Gomes de Almeida, em exercício na 6ª Vara de Fazenda Pública do Rio, determinou que o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, apresente em dez dias um relatório da operação. No mesmo prazo, o governo deve responder sobre o plano de redução de riscos e danos em intervenções em favelas, cobrado desde junho do ano passado.
A Polícia Civil disse que está elaborando relatório circunstanciado da operação no Complexo da Maré a ser remetido à Seseg. Segundo a polícia, a ação teve como objetivo o cumprimento de 23 mandados de prisão decorrentes de dois inquéritos sobre o tráfico de drogas, conduzidos pela Delegacia de Combate às Drogas e pela 39ª DP (Pavuna). A polícia nega que os inquéritos tenham relação com as investigações sobre a morte do detetive Ellery de Ramos Lemos em Acari (zona norte) no último dia 12.
*Colaborou Luis Kawaguti, do UOL, no Rio
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