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Lei da ditadura é usada contra suspeitos de ataque no CE; jurista critica

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

08/01/2019 04h01

Um juiz plantonista de Sobral, a 231 quilômetros de Fortaleza, usou a Lei de Segurança Nacional para decretar a prisão preventiva de quatro suspeitos de participarem de ataques contra instalações públicas no Ceará no último sábado (5).

Sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo durante a ditadura militar, em 1983, a lei é polêmica e utilizada em poucas ocasiões. Foi acionada, por exemplo, pela Polícia Federal para indiciar Adélio Bispo de Oliveira, que esfaqueou Jair Bolsonaro (PSL) na campanha presidencial no ano passado.

A lei foi também utilizada para processar integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), dois manifestantes em 2013 e um policial militar que comandou uma greve na Bahia em 2012.

Para a Justiça, os quatro presos no Ceará integram uma facção criminosa. Não há informação no despacho sobre as idades dos presos.

Na decisão proferida no último sábado, após analisar o flagrante policial, o juiz --que não assina o nome por questões de segurança-- diz que o atentado foi "contra a soberania nacional do Estado do Ceará".

Ele argumenta que "a conduta não constitui mero crime de incêndio em edifício público, pois contém motivação política, decorrente da inconformidade das organizações criminosas com a decisão política do Secretário de Administração em assumir a administração penitenciária e adotar a LEP [Lei de Execuções Penais] como único critério de separação entre presos".

O novo secretário da Administração Penitenciária do Ceará, Luís Mauro Araújo, anunciou que não separaria mais os presos de acordo com as facções a que pertencem -- uma das causas, segundo as autoridades, dos atentados vistos no estado.

Segundo o juiz, o cenário se enquadra no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional, que caracteriza como crime "incendiar por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas". A pena para o caso varia de três a 10 anos.

Por ser magistrado da corte estadual, ele ainda disse que a Justiça Comum não tem competência para processar e julgar o crime e determinou a remessa dos autos "a umas das Varas Federais competentes".

Especialistas veem erros do juiz

Para o diretor de prerrogativas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Ceará Marcio Vitor Albuquerque, existe uma clara necessidade de punir de forma severa todos os envolvidos nos ataques. Mas ele discorda da aplicação da Lei de Segurança Nacional.

"A referida situação se caracteriza como organização criminosa, inclusive a Lei 12.850/2013 tipifica esse tipo de atitude de forma rígida, além de outros crimes previstos no Código Penal", disse.

Albuquerque afirma que "a grande maioria da doutrina e jurisprudência não considera o ato ocorrido em Sobral como algo previsto na Lei de Segurança Nacional."

"Não há consenso de que a lei ideal é essa, pois ela trata de atos políticos. O mais apropriado é aplicar a Lei de Organizações Criminosas", diz.

Apesar de discordar da aplicação, ele aponta a falta de consenso sobre a legislação. "Existe posicionamento que defende o uso dessa lei, mas ainda é minoritário. O melhor é que os tribunais uniformizem esse posicionamento para não haver brechas", finaliza.

A pedido do UOL, o advogado, jurista e pós-doutor em direito criminal Welton Roberto analisou a decisão do juiz e afirmou que há conflitos jurídicos no despacho.

"Um juiz que reconhece ser incompetente para processar e julgar o caso por ter feito enquadramento na Lei de Segurança Nacional não poderia ter homologado o flagrante, e muito menos convertido em prisão preventiva sem qualquer fundamentação", diz.

O jurista ainda afirmou que não há argumentos suficientes para o uso da Lei de Segurança Nacional. "O caso só vai ser enquadrado se o MPF [Ministério Público Federal] assim entender, mas não vejo motivação para isso", afirma.

O MP (Ministério Público Estadual) do Ceará informou que não se manifestaria sobre a decisão porque "há investigações sigilosas sobre os vários casos de atentados criminosos contra o patrimônio público em andamento". Além disso, afirmou que, "como a decisão foi tomada durante uma situação de plantão, a demanda ainda será distribuída para análise de uma das Varas Criminais, com a finalidade de se averiguar a competência, ou seja, se o crime será tratado em âmbito federal ou estadual. Neste momento, o Ministério Público não se manifestará sobre a decisão".

O Tribunal de Justiça do Ceará não se pronunciou até a publicação desta reportagem.