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Jordaniano foragido é apontado como elo de máfia italiana e PCC no Brasil

Jordaniano Waleed Issa Khamays, suspeito de negociar drogas entre PCC e "Ndrangheta - Reprodução
Jordaniano Waleed Issa Khamays, suspeito de negociar drogas entre PCC e 'Ndrangheta
Imagem: Reprodução

Cecilia Anesi, Giulio Rubino, Lorenzo Bagnoli, Luca Rinaldi e Luís Adorno

Do IRPI, em Roma, e do UOL, em São Paulo*

21/02/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Máfia italiana 'Ndrangheta negocia drogas diretamente com o PCC
  • Jordaniano foragido é suspeito de continuar negociando entre o PCC e a 'Ndrangheta
  • Repórter que investigava possíveis laços com a 'Ndrangheta foi assassinado há 1 ano

No fim de 2018, o UOL revelou, em parceria com o IRPI (Projeto de Jornalismo Investigativo da Itália) e o OCCRP (Projeto de Jornalismo sobre Crime Organizado e Corrupção), uma investigação que durou dois anos na Europa e que apontou como funciona a negociação de drogas entre a facção criminosa paulista PCC (Primeiro Comando da Capital) e a 'Ndrangheta, a principal máfia italiana

A investigação prosseguiu nos últimos dois meses. De acordo com documentos de polícias europeias, a máfia italiana negocia exportações de drogas, sobretudo a cocaína, a partir do Brasil desde os anos 80, muito antes de o PCC existir (a facção criminosa paulista foi criada em 31 de agosto de 1993). Com o avanço do crime organizado no Brasil, os italianos tiveram de lidar com o novo modelo de exportação, que passou a incluir, sempre, o PCC.

O clã Morabito, conhecido como Tiradrittu, liderado por Giuseppe Morabito, um dos principais chefes da 'Ndrangheta, começou a traficar cocaína em todo o mundo há mais de 30 anos. No final dos anos 80, o mafioso mais violento, Rocco Morabito, conhecido como U'Tamunga (preso no Uruguai, em setembro de 2017, depois de 23 anos foragido), comandava a logística da exportação de drogas, a partir de São Paulo, para a cidade de Milão, no norte da Itália. 

Giuseppe Morabito, conhecido como Tiradrittu, o principal chefe da 'Ndrangheta - Divulgação - Divulgação
Giuseppe Morabito, conhecido como Tiradrittu, o principal chefe da 'Ndrangheta
Imagem: Divulgação

Além de U'Tamunga, essa logística englobava mafiosos da região da Calábria, no sul da Itália, onde se formou a 'Ndrangheta, além de traficantes nascidos na Jordânia. Esse segundo grupo era liderado pelo jordaniano Waleed Issa Khamays. Pouco mudou desde então. A logística do comércio de drogas continua administrado por italianos e jordanianos.

A investigação sugere que Khamays, o chefe jordaniano, e U'Tamunga, o italiano, mantiveram amizade estável por três décadas. Até que, em 10 de junho de 2017, um mafioso, Vincenzo Macri, foi preso no Brasil.

Macri iria viajar para a Venezuela, a partir de São Paulo, com um passaporte falso. Waleed Khamays foi obrigado a garantir que ele fosse assistido por um advogado de confiança no Brasil. Mesmo com o advogado, foi para a cadeia.

O advogado de Khamays no Brasil, Paulo Roberto da Silva Passos, negou que ele seja elo do PCC com a máfia italiana no Brasil. "O que temos na atualidade, foge totalmente disso. Ele não é elo com PCC, com absolutamente nada disso. Ele tem uma vida aqui sujeita a qualquer tipo de averiguação, com a esposa tendo sua vida no Rio Grande do Sul. Ele tem os seus bens que o mantêm. Não tem nada a ver com o PCC", disse à reportagem.

"Ele está sendo processado pelo seu passado. Ele foi condenado, não há muito o que dizer sobre isso. Mas os fatos atuais são bastante vagos e deficientes. Como lá no passado lhe davam esse estigma de ser ligado a outros italianos no Brasil, ele foi julgado, condenado e, até hoje, repercute contra ele, muito embora não tenha nada. Foi expedido mandado de prisão a ser cumprido. Não tenho contato com ele, mas está em local incerto e não sabido", complementou o advogado do jordaniano. 

Um dos advogados que assumiram a defesa de Macri durante um mês, por sua vez, afirmou que renunciou à defesa porque os contatos do italiano pararam de procurá-lo. "Recebemos uma ligação numa sexta-feira, atendi ao caso, mas não conseguimos a liberdade dele. Ele foi transportado para uma penitenciária em Avaré (SP) e, desde que ele foi para lá, não tive mais contato nem com ele, nem com a família, nem ninguém próximo", afirmou. Em junho de 2018, ele foi extraditado para a Itália. 

Morabito caiu dois meses depois da prisão de Macri no Brasil: foi encontrado em Montevidéu, no Uruguai, em 4 de setembro de 2017. Mas, enquanto Macri foi deportado para a Itália após ter sido preso, Morabito permaneceu em uma prisão no Uruguai onde, segundo fontes confidenciais, mantém negócios vivos. O governo italiano gostaria que ele também fosse extraditado. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do italiano.

Rocco Morabito após ser preso no Uruguai - 04.set.2017 - Divulgação - 04.set.2017 - Divulgação
Rocco Morabito após ser preso no Uruguai
Imagem: 04.set.2017 - Divulgação

O fato de Waleed intervir para ajudar Macri, contudo, provaria sua relação duradoura com a 'Ndrangheta e, consequentemente, com o PCC, nos negócios feitos no Brasil, de acordo com a investigação europeia. O PCC, o grupo mais poderoso de narcotraficantes brasileiros é o único grupo capaz de manter relações com estrangeiros e garantir a exportação internacional de drogas a partir de portos brasileiros.

Acusação datada em 1994, no Tribunal de Justiça de Milão, aponta que Rocco Morabito havia mudado da Calábria para Milão em sua juventude. Lá, trabalhou duro para transformar sua máfia em um dos grupos mais importantes do tráfico internacional de drogas no mundo. Waleed Issa Khamays foi fundamental para isso. Os dois se conheceram na Universidade de Messina e, em 1990, já administravam um tráfico colossal do Brasil para a Itália, enquanto o dinheiro era lavado em bancos suíços.

Chefes da máfia italiana se escondem em cavernas no sul da Itália

AFP

Jordaniano da máfia italiana no Brasil

Em setembro de 2017, a PF (Polícia Federal) brasileira procurou, por meio da operação Brabo, 127 pessoas suspeitas de integrar um esquema de tráfico internacional de drogas, liderado pelo PCC, para enviar cocaína a países da África e da Europa. Entre eles, estava um velho conhecido das forças de segurança do Brasil: o jordaniano Waleed Khamays.

A PF do Brasil começou a investigar o narcotraficante jordaniano em 1991. Foram levantadas evidências que apontavam que ele e seus parentes tinham criado empresas de fachada para o tráfico de drogas da Colômbia e da Bolívia. Na noite de 14 de julho de 1992, a polícia invadiu o local onde ele estava, na Praia do Pacheco, em Fortaleza, e descobriu mais de 500 quilos de cocaína pura escondidos em 12 toneladas de sacos de arroz. 

Operação Brabo da PF mirou 127 suspeitos de praticar tráfico internacional de drogas a partir do Brasil - 04.set.2017 - Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapress - 04.set.2017 - Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapress
Operação Brabo da PF mirou 127 suspeitos de praticar tráfico internacional de drogas a partir do Brasil
Imagem: 04.set.2017 - Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapress

Khamays e outros dois jovens italianos foram presos em flagrante. Khmays foi investigado novamente, outras vezes, no Brasil. E investigações recentes provam que ele continua sendo um gancho para o PCC, sendo um dos principais nomes da relação entre a 'Ndrangheta e a facção criminosa brasileira.

Saiba as táticas do crime para levar drogas para a Europa

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O jordaniano havia sido condenado a nove anos de prisão, pelo crime de tráfico de drogas, em 1992, em Fortaleza. Em 1996, após ser agraciado com o regime semi-aberto, em que ele só deveria voltar à prisão à noite, fugiu e foi para São Paulo, onde voltou a ser preso e ficou cerca de nove meses na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Voltou a fugir. 

Em 2004, foi flagrado com documentação falsa no Rio Grande do Sul. Ainda assim, por decisão do juiz Augustino Lima Chaves, da 12ª Vara Federal no Ceará, permaneceu condenado, mas em regime aberto, ou seja, em liberdade. No entanto, após novas investigações em que ele foi alvo, houve novos pedidos de prisão. Atualmente, o jordaniano tem dois mandados de prisão em aberto, a partir da Justiça de São Paulo e de Joinville (SC), sendo acusado de continuar negociando drogas entre o PCC e a máfia italiana.

Mandados de prisão em aberto no Brasil contra Waleed Issa Khamays - 12.fev.2019 - Reprodução/CNJ - 12.fev.2019 - Reprodução/CNJ
Mandados de prisão em aberto no Brasil contra Waleed Issa Khamays
Imagem: 12.fev.2019 - Reprodução/CNJ

Morumbi, Uberlândia e Praia do Pacheco

Em 1992, Khamays e Morabito organizaram um carregamento de 592 quilos de cocaína da Bolívia para a Europa. Para isso, Morabito viajou para São Paulo com sua mulher, uma angolana, e foi hospedado por mais de 20 dias por Khmayas em sua luxuosa casa, localizada na rua Luís Dib Zogaib, no Morumbi, área nobre da capital paulista.

O fornecedor da Bolívia garantiu o transporte de avião até uma fazenda brasileira, chamada "Nossa Senhora da Abadia", em Uberlândia (MG), que pertencia a um traficante brasileiro chamado Dion Luiz Marques, famoso criminoso dos anos 80. De lá, entrou em um caminhão e levou a droga até a Praia do Pacheco, em Icaraí, Fortaleza.
 
Waleed Khamays havia enviado um iate para pegar a carga, que mais tarde seria transportada para um barco maior e, depois, enviada para a Itália. Quando a polícia brasileira invadiu a casa na praia, encontrou mapas mostrando uma rota da Sicília para a Calábria, que era necessária para os mafiosos, uma vez que eles alcançassem o mar Mediterrâneo.

Atualmente, Khamays e seus parentes teriam duas empresas de fachada em Itu, no interior de São Paulo: uma siderúrgica e uma construtora. A investigação segue em andamento.

Porto de Gioia Tauro, em Calábria, região de onde surgiu a máfia 'Ndrangheta - 08.nov.2012 - Alessandro Bianchi/Reuters - 08.nov.2012 - Alessandro Bianchi/Reuters
Porto de Gioia Tauro, em Calábria, região onde surgiu a máfia 'Ndrangheta
Imagem: 08.nov.2012 - Alessandro Bianchi/Reuters

Repórter morto durante investigação

O repórter eslovaco Jan Kuciak estava investigando um grupo de empreendedores italianos na Eslováquia e seus possíveis laços com a 'Ndrangheta por meio do IRPI (Projeto de Jornalismo Investigativo da Itália). Em 21 de fevereiro de 2018, porém, ele foi assassinado. As causas do homicídio ainda não foram reveladas.

Protesto realizado em Bratislava para homenagear o jornalista morto Jan Kuciak - 26.mar.2018 - Joe Klamar/AFP - 26.mar.2018 - Joe Klamar/AFP
Protesto realizado em Bratislava para homenagear o jornalista morto Jan Kuciak
Imagem: 26.mar.2018 - Joe Klamar/AFP

Agora, exatamente um ano depois, o IRPI e o OCCRP (Projeto de Jornalismo sobre Crime Organizado e Corrupção) publicam hoje e amanhã revelações em reportagens internacionais divulgadas em parceria com jornais ao redor do mundo, no Brasil, Colômbia, Eslováquia, Estados Unidos, Itália e República Checa.

A investigação chegou a um grupo específico de narcotraficantes ligados à máfia 'Ndrangheta de Morabito. Antonino Vadalà, um expatriado da Calábria na Eslováquia atualmente detido na Itália sob acusações de tráfico internacional de drogas, foi um dos empreendedores que os repórteres, entre os quais Kuciak, estavam investigando.

Para traficar cocaína desde a América Latina, Vadalà precisava de algumas linhas de negócios legais. Para isso, ele começou a importar camarões do Equador e bananas da Colômbia. Sua atividade principal na Eslováquia é a criação de gado e o comércio de carne. 

Segundo um agente disfarçado da polícia italiana, Vadalà disse em 2014 que foi para a América Latina "para fazer este trabalho [legal]. Eu tenho atividades comerciais, tenho empresas, tenho coisas reais." No entanto, a investigação da polícia daquele país provou que o tráfico de drogas de Vadalà foi feito com o apoio da máfia italiana.

Irmãos do jornalista assassinado Jan Kuciak durante visita a seu túmulo, em um cemitério em Stiavnik, no centro de Eslováquia - 24.dez.2018 - Vladimir Simicek/AFP - 24.dez.2018 - Vladimir Simicek/AFP
Irmãos do jornalista assassinado Jan Kuciak durante visita a seu túmulo, em um cemitério em Stiavnik, no centro de Eslováquia
Imagem: 24.dez.2018 - Vladimir Simicek/AFP

* Esta investigação ocorreu em parceria do UOL com o IRPI (Projeto de Jornalismo Investigativo da Itália), o OCCRP (Projeto de Jornalismo sobre Crime Organizado e Corrupção) e o Investigace da República Checa.