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Em cinco dias, PM mata na Grande SP mais do que a média diária no estado

PMs preservam local onde balearam suspeito de ter roubado carro em SP; Março teve aumento de 46% na letalidade policial, segundo ouvidoria - 11.mar.2019 - Nelson Antoine/Folhapress
PMs preservam local onde balearam suspeito de ter roubado carro em SP; Março teve aumento de 46% na letalidade policial, segundo ouvidoria
Imagem: 11.mar.2019 - Nelson Antoine/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

03/04/2019 13h53

Resumo da notícia

  • Entre sexta e terça-feira, PM de SP matou 16 pessoas na capital e região metropolitana
  • Média de mortos pela PM no 1º trimestre do ano, no estado, é de dois suspeitos por dia
  • Entre janeiro e março, oito PMs foram assassinados, sendo seis durante a folga

Entre as noites de sexta (29) e de ontem, policiais militares de São Paulo mataram, em supostos confrontos que são, agora, investigados pela Corregedoria, 16 suspeitos na capital e na região metropolitana. Uma média de três mortos por dia. Em todo o estado, nos três primeiros meses do ano, a PM matou, em média, dois por dia. No mesmo período deste ano, oito PMs foram assassinados no estado, sendo seis durante a folga, e dois em serviço.

Entre janeiro e março deste ano, segundo dados compilados pelo UOL junto à Ouvidoria das polícias e ao portal da transparência da SSP (Secretaria da Segurança Pública), PMs de SP mataram 195 pessoas em supostos confrontos (média de 2,1 por dia) em todo o estado. No ano passado, no mesmo período, policiais mataram 172 também em supostos tiroteios no estado (média de 1,9 por dia) --um aumento de 13%.

Para o ouvidor da polícia, Benedito Mariano, "o melhor remédio para diminuir a letalidade é que o trabalho da PM Judiciária seja feito por quem tem expertise para isso: a Corregedoria. 100% dos policiais do órgão são voltados para fazer controle interno. É um alerta esse mês de março de 2019, que teve um aumento de 46% comparado ao ano anterior, para que, a curto prazo, a Corregedoria centralize esse trabalho".

Mortos pela PM no 1º trimestre de 2019:

  • 67 em janeiro;
  • 52 em fevereiro;
  • 76 em março.

Mortos pela PM no 1º trimestre de 2018:

  • 61 em janeiro;
  • 59 em fevereiro;
  • 52 em março.

O índice de março e dos últimos quatro dias, considerados atípicos até por membros da cúpula da polícia paulista, foi alavancado pela madrugada entre sexta-feira e sábado. Só ali, PMs se envolveram em supostos tiroteios que culminaram em 11 mortos. Entre domingo e terça-feira, houve mais cinco mortos. Nenhum policial morreu ou ficou ferido no estado nesse período.

De acordo com a Corregedoria da PM, órgão responsável por investigar se os casos foram ou não legais, foram mortos, nesses quatro dias, 14 suspeitos baleados por policiais em serviço. Outros dois foram baleados por PMs em folga. Não havia indícios de irregularidades nas ações, segundo integrantes do órgão.

    Por meio de nota, a SSP informou que os casos mencionados são investigados pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, além da Corregedoria. A secretaria informou, também, que foram requisitados exames periciais e residuográficos e que todas as armas, tanto as dos suspeitos quanto as dos policiais, foram apreendidas e encaminhadas para balística.

    Quatro tiros contra a Rota, aponta BO

    Local em que dois suspeitos foram mortos por policiais militares da Rota, no viaduto capitão Pacheco e Chaves, em São Paulo - 02.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress - 02.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress
    Viaduto capitão Pacheco e Chaves, onde dois suspeitos foram mortos por policiais militares da Rota
    Imagem: 02.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress

    Dos 16 mortos nos últimos quatro dias, três teriam se envolvido em trocas de tiro com uma equipe da Força Tática e outra equipe da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), batalhões considerados "especiais" pela corporação e pelo estado.

    De acordo com o boletim de ocorrência, as três armas apresentadas na delegacia (duas calibre 38 e outra calibre 7,65) tinham quatro cartuchos deflagrados, o que induziria que os suspeitos atiraram ao menos quatro vezes contra os policiais.

    Segundo a Polícia Civil, os três mortos tentaram roubar um médico, que estava em um carro Golf blindado, em Moema, zona sul. O médico acionou a PM na sequência, que realizou buscas. PMs localizaram o trio em um Vectra. Houve perseguição por 12 quilômetros, terminando na Vila Prudente, na zona leste.

    Os policiais envolvidos na ocorrência afirmaram na delegacia que dois dos criminosos desceram do Vectra atirando contra a viatura da Rota. Os dois foram mortos. Nenhum policial se feriu. O terceiro tentou correr. Uma equipe da Força Tática foi atrás. Ele teria atirado contra essa segunda viatura e também foi atingido.

    Segundo o boletim de ocorrência, os PMs informaram que dispararam 11 vezes contra o trio. O médico que denunciou a tentativa de roubo, ainda em Moema, reconheceu os três como os autores da tentativa de roubo, de acordo com a Polícia Civil.

    Policial civil do DHPP foi ao local onde dois foram mortos por policiais da Rota durante a madrugada, em São Paulo - 04.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress - 04.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress
    Policial civil do DHPP foi ao local onde dois foram mortos por policiais da Rota durante a madrugada
    Imagem: 04.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress

    PM entre principais causas da mortalidade violenta

    De acordo com Samira Bueno, diretora do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), "chama a atenção a persistência da letalidade policial em altos patamares, mesmo com o decréscimo dos demais índices". "É difícil uma explicação plausível e legal para o aumento das mortes provocadas pela polícia diante deste contexto de redução de todos os crimes", afirmou.

    "Resta saber se os 16 casos registrados em tão curto período tratam-se de desvios ou se estamos diante de um descontrole da tropa. Sob qualquer perspectiva, preocupa e coloca a Polícia Militar dentre as principais causas de mortalidade violenta em SP", complementou a especialista, doutora em administração pública e governo.

    Rafael Alcadipani, professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), relembra que o comandante-geral da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, é "alguém preocupado com a preservação da vida". "Ele implementou políticas tentando reduzir essa letalidade, mas a letalidade costuma ir se adaptando aos exercícios do comando, e isso tem que sempre ser feito e refeito", afirmou.

    Rafael Alcadipani, professor adjunto da FGV-EAESP, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e International Visiting Fellow no Crime and Security Research Institute na Universidade de Cardiff (Reino Unido) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
    Imagem: Arquivo pessoal

    Números alarmantes. É urgente que medidas sejam tomadas porque há chances de que abusos estejam sendo cometidos.

    Rafael Alcadipani, professor da FGV

    "A gente precisa ter ações mais efetivas, que passam por ter um compromisso do governador do estado de São Paulo com a redução desses índices. Na campanha política do ano passado, João Doria (PSDB) falou completamente o inverso", complementou o especialista.

    Doria afirmou, durante a campanha, que o policial deve "atirar para matar" e que os policiais que matarem devem ter, pagos pelo estado, "os melhores advogados" disponíveis. À época, o comandante-geral da PM disse que a orientação é de proteger vidas.

    Em 2018, a PM paulista reduziu em 9,5% o número de pessoas mortas por policiais. No ano anterior, as polícias de São Paulo bateram recorde de letalidade. Em contraponto, 60 policiais foram mortos em serviço e durante a folga tanto em 2017 quanto em 2018.

    A SSP informou que defende a investigação rigorosa de todas as ocorrências e que tem trabalhado para reduzir os casos de morte em decorrência de intervenção policial.

    Doria prometeu "melhores advogados" para defender policiais

    UOL Notícias