Violência em São Paulo

Após declaração de Doria, comandante-geral diz que PM deve proteger vidas

Luís Adorno e Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

  • Divulgação/Cavalaria da PM

    Coronel Marcelo Vieira Salles, comandante da Polícia Militar de São Paulo

    Coronel Marcelo Vieira Salles, comandante da Polícia Militar de São Paulo

Um dia depois de João Doria, candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB, ter afirmado que a polícia deve atirar para matar, o coronel Marcelo Vieira Salles, comandante-geral da PM (Polícia Militar), afirmou ao UOL, nesta terça-feira (2), que a corporação tem como principal matriz a preservação da vida e que, para isso, os policiais devem atuar de forma técnica e legal.

Doria afirmou nesta segunda-feira (1º) que, a partir do ano que vem, caso seja eleito, a polícia deve ser letal. "Não façam enfrentamento com a Polícia Militar nem a Civil. Porque, a partir de 1º de janeiro, ou se rendem ou vão para o chão", disse em entrevista à Rádio Bandeirantes. "Se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar", complementou o ex-prefeito da capital.

O comandante-geral da PM afirmou que não opinaria diretamente a respeito do que disse o candidato tucano, mas, sim, sobre a técnica que a PM deve utilizar independentemente de quem seja o governador. "Qualquer polícia do mundo é feita para conter a violência. É um instrumento do estado, a representação física para conter a violência", argumentou.

"Sendo muito técnico, porque a polícia é uma instituição apartidária, devo dizer que a opção do confronto é do infrator da lei, não do policial. O policial só deve fazer uso da força, de forma progressiva, quando se vê numa situação em que deve se defender ou preservar a vida de um terceiro", disse o comandante à reportagem.

Ninguém sai de casa para matar. Somos profissionais. Tem que agir tecnicamente e dentro da legalidade. A opção do confronto é do infrator.

Marcelo Vieira Salles, comandante-geral da PM de SP

O comandante se diz preocupado com a sociedade que aplaude a letalidade policial, que bateu recorde em 2017. Com 939 mortos pelas polícias civil e militar, o ano passado foi o que a letalidade policial bateu recorde histórico desde o início da contabilização dos dados, em 1996. Em contraposição, o ano passado registrou o menor número de policiais mortos.

"Temo muito quando fazem esse tipo de declaração e a própria sociedade que a aplaude. Essa sociedade é a mesma que vai condenar o policial no júri. As pessoas não sabem o que acontece depois de um evento morte. O PM é processado, tem que constituir advogado. É ruim para ele [policial] e para a sociedade. Ninguém ganha com isso", afirmou o comandante.

"Acho que os candidatos poderiam se preocupar em defender o policial que está em serviço e aprimorar o sistema de segurança como um todo. Uma das colunas mestres da instituição é a preservação da vida", complementou o coronel. Nenhum dos três primeiros colocados nas pesquisas aponta a letalidade policial como problemática. As medidas propostas por ambos têm como principal função manter a queda nos homicídios e fortalecer os policiais.

Comandante da PM desde 26 de abril deste ano, Salles é amigo do candidato à reeleição Márcio França (PSB), que o nomeou. Ele é considerado, por colegas do oficialato, como defensor dos direitos humanos e agregador.

Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que a "Polícia Militar não comenta declarações dos candidatos sobre suas propostas de governo", mas salientou que sua postura "sempre será legalista". A campanha de João Doria disse que o candidato não tem interesse de se manifestar sobre o assunto.

Declaração de Doria é contrária a método da PM

Luiz Cláudio Barbosa/Estadão Conteúdo
João Doria, candidato do PSDB a governador de São Paulo

A declaração de Doria não leva em conta o método que leva o sobrenome do coronel reformado Nilson Giraldi, que orienta o policial a disparar dois tiros por vez, de forma gradual e se necessária, contra um suspeito, para que o policial fique seguro e, ao mesmo tempo, prenda o suspeito, em vez de matar.

Por email, o coronel reformado Giraldi afirmou ao UOL que o método tem como finalidade servir e proteger a sociedade, além do próprio policial. "Assim, o policial pode regressar, íntegro, ao seio da sua família, após uma jornada de trabalho, e não para o necrotério, para uma cadeira de rodas ou para a prisão", disse.

Sua família o espera. Para o agressor, a lei!

Coronel Nilson Giraldi, em entrevista ao UOL

O método é utilizado desde 1998 e tido como um sucesso entre coronéis que passaram pelo comando da corporação. "O método Giraldi é a nossa bíblia de procedimento. Tecnicamente, a linha que a PM adota há 20 anos. Não só minha. Uma linha da PM. Independente de quem seja", afirmou o comandante-geral da PM.

Rafael Roncato/UOL
Benedito Domingos Mariano

O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, que é o homem responsável por fiscalizar possíveis desvios de conduta de policiais civis e militares, reforça. "O tiro deve ser apenas por preservação da vida. A polícia deve atirar com como última consequência e em ocorrências de confronto. A polícia tem que estar presente fazendo policiamento ostensivo permanente nas ruas para evitar o crime e não com pressuposto de atirar para matar", disse.

O ouvidor das polícias criticou a posição de Doria. "Está totalmente equivocado. Polícia foi feita para evitar o crime, transmitir segurança e não atirar para matar. É uma fala representa o retrocesso na segurança pública", afirmou.

Adilson Paes de Souza, coronel da reserva da PM e mestre em Direitos Humanos, afirma que o método Giraldi estabelece que o tiro letal é a última ação do policial em um confronto e que a afirmação de Doria vai "totalmente contra".

"A sociedade acaba elegendo a polícia como única responsável pela segurança pública, existe essa cobrança, e não é desta forma. [A fala] Tem um viés eleitoreiro, sim, porque a população está com medo, não se sente segura e quer que alguém estabeleça ordem. É uma declaração infeliz, que poderá soar ao policial como um incentivo para matar", aponta Paes de Souza.

Declaração de Doria incentiva o confronto, dizem especialistas

Arquivo pessoal
José Vicente da Silva Filho

Para o coronel José Vicente da Silva Filho, que já comandou a PM Paulista e foi secretário nacional de Segurança Pública do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a declaração de Doria "é infeliz". "Ele dá uma orientação de mais agressividade, até de letalidade. A polícia não precisa de ordem de candidato a governador para saber se deve ou não atirar", analisou.

"Existem condições técnicas que fazem o policial adotar procedimentos de segurança para ele, que é o método Giraldi. Mas ele dá um certo estímulo aos policiais partirem para o confronto. O treinamento da PM de São Paulo é um dos mais rigorosos do mundo, a polícia sabe os limites da lei e quando atirar ou não", explica o coronel que, inclusive, integrou a equipe de campanha de João Doria, mas se desligou após o candidato afirmar que aumentaria o número de batalhões da Rota

Arquivo pessoal
Rafael Alcadipani

No âmbito eleitoral, Rafael Alcadipani, professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), observa que Doria utilizou essa frase para tentar subir nas intenções de voto para o segundo turno e que mostra "irresponsabilidade e desconhecimento" sobre Segurança Pública.

"O [candidato do PSB, Márcio] França está subindo nas pesquisas utilizando a Polícia e ele [Doria] está tentando surfar nesta onda. Isso mostra uma grande irresponsabilidade com o tema. Claro que o confronto é necessário em alguns momentos, mas a solução da violência se dá pensando em inteligência", explica o docente. "Toda vez em que acontece um disparo [de arma de fogo], o policial está em risco e a população está em risco. A declaração é de quem é amador em Segurança Pública".

Segundo a pesquisa Datafolha mais recente, divulgada na sexta-feira (28), Doria lidera a corrida ao Palácio dos Bandeirantes, com 25% das intenções de voto. Em seguida, estão Paulo Skaf (MDB, 22%) e Márcio França (PSB, 14%).

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