"Vem morar comigo": o apelo da irmã na última conversa com morto no Rio
Ao encerrar a que viria a ser sua última conversa com o irmão, Janete Alves Cerqueira dos Santos, 46, voltou a insistir para que ele fosse morar com ela e os dois sobrinhos em Curicica, na zona oeste do Rio. "Gilson, vem morar comigo!", disse ela. "Mas é que eu não posso deixar a dona Maria", respondeu ele do outro lado da linha.
Era final de março. Duas semanas depois, Gilson Cesar Cerqueira dos Santos, 42, morreu soterrado no morro da Babilônia, no Leme, na zona sul, em decorrência do temporal que castigou a cidade na segunda-feira e ontem. Ao todo, dez pessoas morreram.
Havia mais de dois anos que Gilson morava na casa de Maria Nilza do Nascimento, 77, mãe das irmãs Gerlane, 51, e Doralice, 58, na rua Caixa D'Água. Eram todos vizinhos.
Por volta das 19h de segunda-feira, depois de um dia inteiro carregando material de construção pelas escadarias e ladeiras da comunidade --ultimamente, seu principal ganha-pão--, ele se despediu dos colegas e disse que precisava descansar.
Quando a terra começou a invadir a casa de Gerlane, ele correu com Doralice levando uma lanterna e uma enxada nas mãos para tentar socorrer a amiga, que estava nos fundos do terreno. A tentativa, porém, não deu certo, e os três morreram.
Doralice até chegou a ser levada para a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) da rua Siqueira Campos, em Copacabana, mas não resistiu. O corpo de Gilson foi encontrado na tarde de ontem, 20 horas depois de iniciadas as buscas.
Segunda família
Gilson, que ficou órfão aos quatro anos de idade, tinha Maria Nilza como uma segunda mãe. E ela lhe retribuía o afeto como tal. "Perdi três filhos hoje", disse a mulher após a tragédia.
Gilson a levava para todo canto. Adoravam bater perna na Feira de São Cristóvão. "Eles saíam, se divertiam. Ele era carinhoso e estava sempre alegre", diz a neta Ingrid Araújo Magalhães, 22, filha de Gerlane.
A dupla até adotou um cachorro, que apareceu tempos atrás na frente da casa e para quem deram o nome de Snoop. Doente, o vira-latas morreu na semana passada, para tristeza dos donos.
A vida difícil no Babilônia
Gilson conheceu o morro mais de 20 anos atrás, quando deixou Salvador para tentar a vida no Rio e foi acolhido pela irmã Janete, que na capital fluminense havia chegado ainda criança.
Em 2007, quando viviam na parte baixa da Babilônia, uma chuva forte derrubou uma parede e afundou o chão da moradia de pau a pique, que foi interditada pela Defesa Civil.
Um ano depois, agora sob a mira de uma pedra gigante que podia rolar e arrastar tudo, mais uma vez eles se viram desabrigados.
O fantasma dos deslizamentos ainda assombrou Gilson mais uma vez quando ele foi morar na parte mais alta do morro, na casa que a sogra do outro irmão que vive no Rio, Paulo Cerqueira dos Santos, lhe havia ajeitado.
A área era de risco, a prefeitura mapeou o local e disse que tudo ali seria derrubado. E Gilson teve que se virar mais uma vez.
O dia seguinte
Durante a tarde e a noite de ontem, muitas pessoas da comunidade, que conheciam e gostavam de Gilson, começaram a se mobilizar em torno de uma vaquinha virtual para ajudar nas despesas do funeral.
Janete, no entanto, diz que não vai aceitar nenhum dinheiro antes de descobrir se a prefeitura vai arcar com as custas, como alguém lhe informou que haveria de ser feito.
Antes, porém, ela voltará ao morro com a filha, Victorya Alves Lourenço, 20, e se juntará ao irmão Paulo na busca pelos documentos de Gilson, que podem ter se perdido em meio à lama e ao entulho.
Também esperam encontrar objetos como as pinturas coloridas que ele costumava fazer sobre todo tipo de material, as esculturas com caroço de manga que tanto encantavam os gringos que visitavam a Babilônia e o caderno em que ele, fã do Afroreggae, anotava suas composições musicais.
"O que me conforta é que, do jeito dele, ele foi feliz", contenta-se Janete.
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