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Inquérito sobre menino morto no metrô critica mãe: "culpa inconsciente"

O menino Luan Silva de Oliveira, que morreu aos 3 anos - Arquivo pessoal
O menino Luan Silva de Oliveira, que morreu aos 3 anos Imagem: Arquivo pessoal

Alex Tajra e Marcela Leite

Do UOL, em São Paulo

31/07/2019 20h44

A juíza Alessandra Teixeira Miguel atendeu um pedido do Ministério Público e arquivou a investigação da morte de Luan Silva de Oliveira, 3, morto em dezembro passado após ser atropelado por um trem do Metrô de São Paulo.

A sentença do final de maio, tornada pública nesta semana, reproduz inquérito assinado pelo delegado Marcelo Augusto Gondim Monteiro, que conduziu as investigações. No documento, ele critica o comportamento da própria criança e atribui "culpa inconsciente" à mãe do menino, Linéia de Oliveira da Silva.

Em determinado momento do inquérito, ao qual a reportagem teve acesso, Monteiro classifica Luan como uma criança "buliçosa" -- sinônimo de agitado, alvoroçado e ansioso. Para o delegado, que usa o depoimento de Linéia para sustentar seus argumentos, houve "passividade" da mãe.

"(...) Logo, mesmo que fosse uma mulher absolutamente desprovida de leitura, entenderia as informações visuais dos dispositivos de segurança dentro do vagão, ou acabaria com seu desespero, recebendo efetivo e eficaz auxílio de outros usuários, os quais certamente teriam, em seu lugar, violado a capa de proteção do chamado botão de segurança para acionar o dispositivo, provocando a imediata abertura das portas e parada do trem, com o resgate íntegro de Luan!!", escreveu o delegado.

No momento em que a mãe do buliçoso Luan, como ela mesma salientou em seu depoimento, o deixou em pé, próximo às portas abertas do trem, para melhor acomodar seus pertences. Isso certamente aguçou a criança, a transpor a área [sic]
delegado Marcelo Augusto Gondim Monteiro

No vídeo divulgado pelo advogado Ariel de Castro Alves em fevereiro, Linéia aparece sentada na parte interna do trem com uma criança no colo e outra do lado, carregando uma mochila na mão às 11h05. Em poucos segundos, a bolsa cai no chão, e quando a mãe se movimenta para pegá-la, Luan sai do trem correndo, provocando imediato desespero dela e dos passageiros que estavam no vagão.

Lineia desembarcou na estação seguinte (Praça da Árvore), avisou os funcionários sobre o ocorrido por volta das 11h15 e, segundo a mãe, eles afirmaram que iriam verificar as câmeras internas para localizar o garoto. Uma pessoa não identificada chegou a enviar uma mensagem SMS para a central do Metrô às 11h07.

Cãmeras de segurança mostram Luan saindo do vaga?o do metro?

UOL Notícias

Críticas aos funcionários e "culpa" da mãe

Nas imagens, é possível ver quando Luan ficou sozinho na plataforma e logo entrou no túnel para seguir o trem em que sua mãe estava. Ele caiu nos trilhos, tentou se levantar para sair da linha do trem, mas acabou sendo atropelado entre as estações Santa Cruz e Praça da Árvore, da linha 1-azul.

Segundo informações do jornal Folha de S. Paulo, o Metrô iniciou a busca pela plataforma e a autorização para buscar Luan nos trilhos aconteceu às 12h08. Quatorze minutos depois, o garoto foi avistado por um metroviário e as equipes resgataram Luan às 12h46. Ele foi encaminhado ao Hospital São Paulo, mas já chegou sem vida.

No documento, o delegado faz menção a funcionários do Metrô que "não captaram as imagens" e não viram o "menino ultrapassar a cancela da extremidade da plataforma, que dá acesso ao túnel". Em seguida, afirma que os equipamentos de segurança do Metrô "são de simples entendimento".

Em depoimento, um deles afirmou afirma que o trecho onde Luan foi morto estava "muito movimentado" e que monitorava "vendedores ambulantes, músicos e punguistas". Foram 13 minutos entre a mensagem recebida pelo Metrô relatando a fuga de Luan e a ideia do funcionário de procurar no túnel, "quando considerou esgotados todos os meios".

À polícia, a maquinista do trem que atropelou a criança disse que não "observou nada de atípico na plataforma ou nos túneis" e que ficou sabendo do ocorrido apenas um dia depois.

No inquérito, Monteiro concluiu que somente Linéia poderia ser responsabilizada de forma penal.

Ainda que o resultado não lhe fosse previsto, embora previsível, manifestou em seu comportamento alguma imprudência quando deixou o filho Luan, momentaneamente sozinho, o que revela, na espécie, culpa inconsciente

Ao decidir não indiciá-la por homicídio culposo, Monteiro disse que ela "já foi punida pelo destino, com a morte do filho"

Defesa fala em lentidão no atendimento

Para o advogado da família do menino, Ariel de Castro Alves, houve lentidão do Metrô na resposta ao caso em pelo menos dois momentos.

"A busca no túnel do Metrô também demorou muito, já que a direção de operações do Metrô demorou mais de 40 minutos para autorizar a entrada dos funcionários", diz. "Na declaração de óbito, o médico diz que houve demora entre a ocorrência e a apresentação da criança no Hospital São Paulo."

Além disso, segundo Alves, "a informação sobre o desembarque da criança sozinha sequer foi comunicada pela central de controle aos condutores dos trens".

Alves afirma ainda que a própria estatal reconheceu falhas em seus procedimentos, e instalou, dias após a morte de Luan, portas automáticas nas linhas administradas pelo Metrô.

Segundo o advogado, é possível que a família entre com uma ação civil por danos morais e materiais "pelas falhas no atendimento da ocorrência e pela insegurança do sistema da companhia do Metropolitano". Em breve, ele deve se reunir com Linéia para definir as medidas a serem tomadas.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Metrô afirmou que a empresa "foi intimada pela Justiça a prestar esclarecimentos durante o processo" e "se pronunciou nos autos". Desta forma, disse que não vai se pronunciar em relação à decisão da Justiça e às alegações da defesa.

"Dor que nunca vai passar"

Em fevereiro, a mãe de Luan explicou ao UOL que teve dificuldade de encontrar seguranças na estação seguinte a que o garoto escapou. "A gente procurou seguranças embaixo [na plataforma] para ver se tinha alguém, não encontramos, e aí gente subiu [até o primeiro andar da estação] e lá contamos. Os seguranças falaram que estavam vendo na câmera, então desci para procurar, uma moça se solidarizou e também foi", disse.

A dona de casa afirmou ter sido julgada por outras pessoas como responsável pela morte do filho.

"Todo dia passa um filme na cabeça. Eu nem tô dormindo direito. Me culpo por não ter conseguido fazer nada. É uma dor que nunca vai passar. Para mim ele não morreu não, eu acho que ele está vivo, em algum lugar eu sei que ele está vivo", disse.