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Crise na saúde: Rio tem 18,8 mil pacientes graves na fila por atendimento

Funcionários da saúde protestam em frente a prédio da Justiça do Trabalho no centro do Rio - Érica Martin/ AM Press & Images/ Estadão Conteúdo
Funcionários da saúde protestam em frente a prédio da Justiça do Trabalho no centro do Rio Imagem: Érica Martin/ AM Press & Images/ Estadão Conteúdo

Igor Mello

Do UOL, no Rio

14/12/2019 04h00

Em meio a uma crise na rede municipal de saúde, pacientes do Rio de Janeiro com problemas sérios não conseguem atendimento em tempo adequado. Levantamento feito pelo UOL com base em dados do Portal de Transparência do Sisreg (Sistema de Regulação) mostra que 18.825 pacientes com classificação vermelha —a mais grave existente— aguardam a marcação de exames e consultas. O tempo médio de espera é de mais de 8 meses.

De acordo com o protocolo de atendimento, esses pacientes deveriam aguardar no máximo um mês para a realização dos procedimentos. Porém, existem pacientes esperando atendimento há anos: a maior espera é de uma pessoa que aguarda consulta em cirurgia vascular para doença venosa desde agosto de 2015.

Os últimos procedimentos incluídos nesta listagem, conhecida como "fila do Sisreg", datam de 25 de novembro. Com a paralisação de funcionários de saúde da rede municipal em decorrência de atrasos de salários, a tendência é de que a situação tenha se agravado.

Alguns procedimentos chamam especial atenção: a espera por um eletroencefalograma pediátrico sem sedação (exame que analisa atividade cerebral) chega a 561 dias —atualmente, há 158 crianças na fila. Já as consultas em neurologia para tratamento de AVCs (acidentes vasculares cerebrais) têm demora de 430 dias, com 159 pessoas aguardando pelo atendimento.

A espera também é grande para o diagnóstico de pacientes com suspeita de câncer. As biópsias de ganglio linfático, que podem diagnosticar o linfoma não Hodgkin (tipo de câncer que atua no sistema linfático) demoram 121 dias para pacientes com classificação vermelha. Já o mesmo tipo de procedimento para diagnosticar tumores no fígado leva 99 dias.

Tempo de espera não é adequado, diz sindicato

O Sisreg cadastra pacientes da rede de atenção básica e faz o encaminhamento para os procedimentos necessários, que também podem ser oferecidos em unidades de saúde estaduais ou federais. Para Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, uma espera média de oito meses coloca em risco os pacientes.

"Esse tempo não é adequado. Os procedimentos desses pacientes, que se tratam de emergências, deveriam ser regulados em até 30 dias. O médico, além de fazer a classificação vermelha, faz um resumo da história clínica desses pacientes", explica.

Telles afirma que a prefeitura não é a única responsável pelas longas filas de espera, mas contribuiu decisivamente para a situação ao cortar recursos da saúde e reduzir as equipes de atenção primária.

Ontem médicos, profissionais de enfermagem e outros funcionários terceirizados das unidades de saúde completaram quatro dias de paralisação em razão do atraso nos salários, que já passa de dois meses. A prefeitura diz ter feito ontem o pagamento dos débitos com as OSs (Organizações Sociais), responsáveis pela administração de hospitais, clínicas da família e outras estruturas da rede.

Peregrinação por atendimento e cortes de verba

Enquanto os serviços não são regularizados, pacientes vivem um cenário de incerteza. O UOL esteve ontem em duas unidades da zona norte carioca e encontrou diversos casos de pacientes peregrinando por UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento), clínicas da família e hospitais em busca de socorro.

14.dez.2019 - Suely da Silva tentou consulta para a mãe em duas unidades de saúde, mas não foi atendida - Igor Mello/ UOL - Igor Mello/ UOL
14.dez.2019 - Suely da Silva tentou consulta para a mãe em duas unidades de saúde, mas não foi atendida
Imagem: Igor Mello/ UOL

"Não tem médico, não tem remédio, não tem nada", reclama Suely Ferreira da Silva, que tentava socorro para a mãe, Sebastiana, que sofre de labirintite. A idosa de 77 anos precisa de uma nova prescrição de medicamentos. "Ela está com exame para fazer há um ano e nada", completa.

Suely tentou atendimento para a mãe em uma unidade da prefeitura no Méier. De lá, tentou socorro no CMS (Centro Municipal de Saúde) Dr. Carlos Gentile de Mello, no Complexo do Lins, uma das áreas mais carentes da cidade. Mas também saiu de lá sem atendimento.

O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), integrante da Comissão de Saúde da Câmara do Rio, diz que, além da prefeitura, há problemas nos atendimentos em hospitais estaduais e federais —que não disponibilizam vagas em número suficiente.

Porém, ele aponta que o principal fator que levou à atual crise na saúde é o corte de verbas feitas pela gestão Crivella.

"Todos os erros cometidos no governo Crivella cobraram sua conta. Durante esse ano fizeram uma reformulação na atenção primária, desabilitando 200 equipes e demitindo 2.500 profissionais", afirma.

"Nos últimos anos a execução do orçamento da saúde vem caindo muito. Em 2016, último ano de Eduardo Paes, foram gastos R$ 5,1 bilhões. Em 2018, esse valor caiu para R$ 4,7 bilhões. E, até ontem, a prefeitura só havia desembolsado R$ 4,3 bilhões em 2019."

O que diz a gestão Crivella

Sobre a fila do Sisreg, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que "a fila e o tempo de espera estão diretamente relacionados à oferta de vagas pelos serviços".

A pasta acrescenta que, "para alguns serviços, com maior oferta, o tempo de espera é reduzido. É o caso da mamografia, para a qual a rede municipal tem 15 prestadores e o tempo de espera é de 15 dias, em média. Já para alguns serviços especializados, entre eles aqueles cuja oferta depende de outras redes, como estadual, federal e universitária, ou contratualizada, a oferta de vagas por vezes é menor do que a necessidade, o que leva a maior tempo de espera".

Já sobre os reflexos da paralisação, a secretaria disse que os "centros municipais de saúde, unidades de gestão direta da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com servidores estatutários, estão funcionando com equipes completas. As clínicas da família seguem realizando acolhimento, em que casos mais graves têm prioridade no atendimento".

Governo federal anuncia repasses emergenciais

Hoje o ministro interino da Saúde, João Gabbardo, esteve no Rio para anunciar repasse emergencial de R$ 152 milhões para a prefeitura, que vem atrasando pagamentos de fornecedores e OSs na área de saúde.

Segundo ele, o valor será pago em duas parcelas de R$ 76 milhões cada, uma em dezembro e outra em janeiro.

Ambas dizem respeito ao dinheiro repassado pela União mensalmente para que estados e municípios paguem serviços de atendimento hospitalar de média e alta complexidade (o chamado teto MAC). Ele costuma ser parcelado em 12 vezes. No caso do Rio, para normalizar o atendimento de 24 unidades de saúde paralisadas, o governo adiantará todas as parcelas de 2020, concentrando-as em janeiro.

"Nós recebemos uma determinação do presidente e vamos fazer tudo o que foi possível dentro da legalidade do Ministério da Saúde para ajudar a transferir recursos e restabelecer a saúde no Rio", disse Gabbardo. "Temos uma dívida de governos anteriores com o município do Rio de Janeiro", reforçou.

O termo de ajuda emergencial também estabelece que técnicos do Ministério da Saúde e da prefeitura formarão uma comissão para calcular a quantia devida pela União desde a municipalização das unidades de saúde. O governo diz que, com isso, o Rio receberá uma terceira parcela repassada no teto MAC de até R$ 227,6 milhões.