Boatos sobre assaltos geram ataques a quem vive na cracolândia, diz pastor
Resumo da notícia
- Dependentes químicos que vivem na cracolândia não têm acesso a água e sabão
- A infectologista Raquel Stucchi diz que a informação não chega a essa população que está desassistida
- Prefeitura informa que criou Núcleo de Convivência em caráter emergencial no bairro de Santa Efigênia
Os portões da Missão CENA (Comunidade Esperança Nova Aurora), no centro de São Paulo, estavam fechados na última sexta-feira (27). Do lado de dentro, os missionários e voluntários, usando máscara e luvas, distribuíam comida para as pessoas em situação de rua da região conhecida como cracolândia.
A precaução, claro, é devido à pandemia do novo coronavírus — ontem, o Ministério da Saúde divulgou que já foram registradas 201 mortes por covid-19 e 5.717 casos oficiais da doença.
Um dos voluntários, João Carlos Batista, o João Boca, avisa: "Pessoal, nós estamos de máscaras e luvas para a proteção de vocês".
A resposta dada por um morador de rua é direta e descrente: "Quem bebe cachaça e fuma crack não pega essas coisas".
Na região da cracolândia, as pessoas, muitas vezes, não têm acesso ao básico para a prevenção da covid-19: água e sabão. "Eu nunca passei por uma situação como essa", afirma o pastor João Boca, que trabalha na recuperação de usuários de crack há mais de duas décadas.
Boatos sobre saques geram ataques
O pastor relata outro risco para quem vive na cracolândia. "Na segunda-feira (30) um motorista viu a 'muvuca' em frente à Missão CENA e atropelou duas pessoas na rua. Ele passou na maldade, na maldade. Passou por cima do grupo, e um dos atropelados pode morrer."
João Boca explica que boatos sobre ondas de violência na região central têm motivado cenas como essa. "Tem um monte de gente falando que estão rolando assalto, furto e ataques na rua. Não é verdade. Assalto sempre aconteceu, isso é o centro de São Paulo, mas estão alardeando demais, e as pessoas com medo cometem barbaridades como essa."
O missionário está distribuindo, com a ajuda de voluntários, duas refeições por dia, sete dias por semana. "Essa é a hora de tomarmos consciência de que somos todos iguais, só que tem gente que não vai entender isso. Esse atropelamento de ontem me deu medo, porque está todo mundo no mesmo barco, rico e pobre, e agora o rico mata o pobre?"
Os dois homens atropelados não foram identificados e, segundo testemunhas, um deles está internado em estado grave.
Sobre o atropelamento que aconteceu anteontem, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo não se pronunciou até a publicação desta reportagem. O Corpo de Bombeiros, que fez a remoção dos feridos, informou que pelo menos um deles foi encaminhado para a Santa Casa de Misericórdia. O hospital também não se pronunciou até o momento.
Falta informação a essas pessoas
Para Raquel Stucchi, professora de infectologia e doutora de clínica médica pela Unicamp, existe uma preocupação grande com todos os moradores de rua, principalmente com aqueles que sofrem de doenças pulmonares como consequência da dependência das drogas. "Muitos estão tratando de outras infecções, e isso pode, sem dúvida nenhuma, agravar um quadro clínico."
"Esta população está mais desassistida. Até as pessoas que entregavam comida não estão mais fazendo isso. O acesso à informação para eles está mais difícil", acrescenta a infectologista.
Stucchi faz a ressalva de que ainda não houve uma explosão de casos de covid-19 nas comunidades do Rio de Janeiro — embora haja diferença entre população em situação de rua e em favelas. "A gente pode ter surpresas agradáveis nesse sentido, mas, até que isso se confirme, é uma população que nos preocupa muito."
A médica da Unicamp sugere medidas que podem ser efetivas para a preservação da população em situação de rua.
"Existe uma proposta de oferecer aos moradores de rua a opção de ir para estádios de futebol que não estão sendo usados como hospital de campanha. Então precisa ter a aceitação deles, e isso não é uma coisa fácil. Há essa tentativa de levar para algum local com um pouco de higiene durante este período, que será longo."
E conclui: "Assim como têm sido instaladas tendas para diagnósticos e orientação, que se coloque também ali uma tenda para atendimento a essa população".
Posicionamento da prefeitura de São Paulo
Em nota, a prefeitura de São Paulo afirmou que, "por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), criou na última quinta-feira (26) um Núcleo de Convivência em caráter emergencial no bairro de Santa Efigênia, região da Nova Luz".
O poder municipal explicou ainda que "a parceria para realização do serviço foi firmada com a Organização da Sociedade Civil Comunidade da Graça que disponibilizou o espaço físico e viabiliza a distribuição de 200 refeições (almoço e lanche da tarde) para pessoas em situação de rua."
A Secretaria Municipal da Saúde esclareceu que, "para ampliação do acesso em saúde para a população em situação de rua na região central, estão disponíveis equipes do consultório na rua e do Redenção, que são compostas de profissionais de diversas categorias (médico, enfermeiro, assistente social, agente de saúde, entre outros), para o estabelecimento de vínculos, a orientação, atendimento e encaminhamentos quando necessário."
E concluiu: "Para o enfrentamento da COVID - 19, as equipes estão capacitadas a realizar orientação às pessoas em situação de rua sobre a prevenção, os sinais e sintomas de COVID 19 e as ações a serem tomadas em caso de aparecimento dos mesmos. Para as abordagens/atendimentos, os profissionais são orientados a utilizar Equipamentos de Proteção Individual (EPI)".
Posicionamento do governo do estado
Por telefone, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo informou que "o estado está passando todas as orientações e fazendo a gestão junto ao município. Além disso, o estado tomou medidas para a população de rua em geral".
A secretaria relatou que programas como o Bom Prato passaram a ter funcionamento integral para café da manhã, almoço e jantar sete dias por semana, incluindo feriado.
O estado afirmou ainda estar "articulando alojamentos provisórios para esta população, e todo o acolhimento vem sendo feito pelo município" e finalizou com a informação de que "o centro do prédio do Recomeço acaba fazendo acolhimento e encaminha para as comunidades terapêuticas".
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