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Justiça aceita pedido de F. Bolsonaro, mas mantém decisões do Caso Queiroz

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

25/06/2020 14h41Atualizada em 25/06/2020 20h06

Por 2 votos a 1, desembargadores da 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) aceitaram pedido de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para que a investigação sobre o suposto esquema de rachadinha na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) deixe a 1ª instância e vá para o Órgão Especial do TJ, 2ª instância do Tribunal. O senador sustentou que, à época do início das investigações, era deputado estadual e, por isso, tem direito a esse foro especial.

Apesar de encaminharem o inquérito ao Órgão Especial, os desembargadores mantiveram as decisões do juiz de 1ª instância Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio. Com isso, decisões como a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, e quebras de sigilos fiscal de mais de cem pessoas físicas e jurídicas não serão alteradas. Ao UOL, a advogada Luciana Pires, que representa Flávio Bolsonaro, disse que agora a defesa irá buscar a anulação de todas as decisões em 1ª instância junto ao órgão.

Com a decisão de hoje, a investigação do chamado Caso Queiroz, que foi feita por promotores do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do Ministério Público, agora passará para as mãos dos procuradores do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal) da Procuradoria-Geral de Justiça, que investiga deputados estaduais com mandato na Alerj.

Os efeitos da decisão da 3ª Câmara Criminal, conforme acordado pelos desembargadores, se estendem a todos os investigados no inquérito. Presidida pelo desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, a sessão, feita por videoconferência, contou com a presença virtual de mais de 80 pessoas.

25.jun.2020 - A sessão da 3ª Camara Criminal do Rio, presidida pelo desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, determinou que a investigação envolvendo Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e suposto esquema de rachadinha na Alerj fosse remetida ao Órgão Especial do TJ-RJ - Reprodução/TJ-RJ - Reprodução/TJ-RJ
25.jun.2020 - A sessão da 3ª Camara Criminal do Rio, presidida pelo desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, determinou que a investigação envolvendo Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e suposto esquema de rachadinha na Alerj fosse remetida ao Órgão Especial do TJ-RJ
Imagem: Reprodução/TJ-RJ

O entendimento dos desembargadores para que Flávio Bolsonaro tenha direito ao foro privilegiado é de que ele nunca deixou de ser parlamentar —ele cumpriu mandato como deputado estadual até 31 de janeiro de 2019 e, em seguida, assumiu o cargo de senador, que ocupa hoje.

A votação começou por volta das 13h30 de hoje. Veja como votaram os desembargadores:

  • Suimei Cavalieri, relatora do HC, votou contra a defesa de Flávio, isto é, pela manutenção do Caso Queiroz na 1ª instância
  • Mônica Toledo se posicionou a favor do pedido de Flávio, deixando a votação empatada. Ela contudo votou pela manutenção das decisões do juiz da 1ª instância
  • Paulo Rangel votou contra a manutenção das decisões do juiz da 1ª instância e deu o voto decisivo para que o processo fosse encaminhado ao Órgão Especial

Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações

Luciana Pires, advogada de Flávio Bolsonaro

"A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi. Flávio Bolsonaro era deputado estadual na época e o juízo competente para julgar o caso seria o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, como acaba de ser reconhecido", defendeu.

No HC, Luciana Pires solicitou a anulação da investigação. No entanto, os desembargadores mantiveram a investigação, apenas remetendo a mesma ao Órgão Especial do TJ.

No centro do debate, estava a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2018 que restringiu o foro privilegiado a políticos que estejam no exercício do mandato quando cometeram os supostos crimes em investigação. Especialistas ouvidos pelo UOL concordaram que, mesmo não sendo mais deputado estadual, se Flávio começou a ser investigado quando ainda ocupava o cargo na Alerj, o direito ao foro deve ser respeitado.

Decisões do juiz Flávio Itabaiana

Se fosse aprovado do modo como a defesa de Flávio pedia, o habeas corpus teria poder de anular decisões de Flávio Itabaiana Nicolau ao longo do inquérito das rachadinhas.

Entre as principais determinações do juiz de 1ª instância, está a quebra dos sigilos bancários e fiscais de mais de cem investigados, entre pessoas físicas e jurídicas, em abril do ano passado.

Foi essa decisão que permitiu, por exemplo, que o MP-RJ analisasse as contas bancárias de Flávio e da esposa dele, Fernanda Bolsonaro, e identificasse que a família não movimentou valores equivalentes a mais de cem boletos de mensalidades escolares de suas filhas e do plano de saúde (cerca de R$ 260 mil). Ou ainda que Queiroz depositou na conta da mulher de Flávio R$ 25 mil em agosto de 2011.

A análise das movimentações bancárias dos ex-assessores do gabinete de Flávio na Alerj também apontaram, segundo o MP-RJ, que os saques ou transferências para a conta de Queiroz aconteciam perto das datas de pagamento da Casa Legislativa —indício da devolução de parte dos salários.

Itabaiana também determinou as prisões preventivas de Fabrício Queiroz e de sua mulher, Márcia de Aguiar, que se encontra foragida. A partir de troca de mensagens em celulares apreendidos em operações também autorizadas por Itabaiana, ele entendeu que ambos atuaram para obstruir as investigações e que havia risco de fuga, caso viessem a ser condenados.

Flávio Bolsonaro sempre negou as irregularidades e fala ser alvo de uma campanha de difamação orquestrada por opositores. Mas nunca citou quem seriam os responsáveis por persegui-lo.

Em entrevista ao SBT, Fabrício Queiroz chegou a dizer que ganhava dinheiro com compra e venda de veículos. Depois, mudou a versão e chegou a admitir que recolhia parte dos salários para contratar colaboradores informais do gabinete de Flávio. Contudo, nunca apontou quem seriam.

Os efeitos da decisão de hoje para Flávio

Apesar de decisão ser encarada como uma vitória de Flávio, o advogado Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, vê contudo impactos negativos para o senador. Em vez de ser julgado por um juiz de 1º grau, com direito a recurso, o caso agora será avaliado por um colegiado formado por 25 desembargadores, sem a possibilidade de um recurso de apelação para reavaliação das provas.

Na prática, diz Bottino, só resta à defesa eventuais recursos para o STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça). "Ele vai perder o direito ao recurso e vai ser julgado direto pelo órgão colegiado. Isso tem repercussão na Lei da Ficha Limpa. Se for condenado, ele não pode mais se candidatar mesmo que o processo não tenha terminado."

Para o criminalista Wallace Martins, da Anacrim (Associação Nacional da Advocacia Criminal), Flávio ganha tempo com a mudança para o Órgão Especial do TJ. "Ele provavelmente seria denunciado nos próximos dias. Agora, apenas ganha tempo. Foi uma vitória efêmera e frágil", avalia.

O que é o esquema de rachadinha

Segundo o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), o esquema consiste no repasse de parte dos salários de funcionários do gabinete de Flávio na Alerj para a conta de Queiroz. De acordo com a investigação, o ex-assessor recolheu mais de R$ 2 milhões repassados por 11 funcionários entre abril de 2007 e dezembro de 2018 —70% desta quantia em dinheiro vivo.

No mesmo período dos recolhimentos, os promotores identificaram saques feitos por ele que chegaram a R$ 2,9 milhões —R$ 900 mil a mais na comparação com o valor recolhido dos 11 ex-assessores (a origem desse dinheiro ainda é desconhecida). Os ex-assessores listados eram ligados a Queiroz por relações de parentesco, vizinhança ou amizade.

O procedimento de divisão do salário chegou a ser confirmado por Queiroz em depoimento por escrito ao MP-RJ, em março de 2019 —após faltar quatro vezes—, mas segundo ele Flávio não teria conhecimento. Segundo essa versão, o dinheiro recolhido era usado para contratar mais funcionários com o intuito de "intensificar a atuação política" do então deputado estadual.