Topo

PM reformado pediu ajuda a Queiroz para condenados no caso Amarildo, diz MP

23.jun.2020 - Queiroz em foto dos tempos em que era PM no Rio - Reprodução
23.jun.2020 - Queiroz em foto dos tempos em que era PM no Rio Imagem: Reprodução

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

24/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Contato ocorreu uma semana após major Edson passar para prisão domiciliar
  • PM reformado trocou mensagens com Queiroz pelo celular de sua esposa
  • Ex-assessor de Flávio Bolsonaro disse ter "contato com a cúpula de cima"
  • Defesa de condenados do caso Amarildo diz não ter sido notificada

Investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio) revela que a ligação de Fabrício Queiroz com ex-colegas de farda envolvidos em crimes não se limitava à amizade com Adriano da Nóbrega, ex-PM acusado de chefiar uma milícia e um grupo de extermínio morto em uma operação da Polícia Militar na Bahia em fevereiro.

O policial militar reformado Heyder Maduro Cardozo, que já cumpriu pena por homicídio, pediu ajuda para dois dos condenados pela tortura e morte do pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido desde 14 de julho de 2013 na favela da Rocinha, na zona sul do Rio.

O contato inicial foi feito uma semana após o major Edson dos Santos, comandante da UPP no local do crime, ter passado do regime semiaberto para a prisão domiciliar. A decisão judicial também beneficiou o tenente Luís Felipe Medeiros, subcomandante da unidade, que teve redução de pena. Em 2016, o major e outros 12 policiais militares foram condenados pelo crime de tortura seguida de morte.

Às 9h55 de 23 de agosto de 2019, Queiroz usa o celular da esposa Márcia Oliveira de Aguiar para enviar um áudio a Heyder.

"Se tiver alguma coisa pra falar, fala por aqui ou por aquele telefone que tá com minha filha, tá bom? Quando eu entro na cidade em que eu tô, eu desligo os telefones", diz, indicando, segundo o MP-RJ, que adotava o procedimento para dificultar a localização do seu paradeiro —ele foi preso na última quinta (18) em Atibaia (SP). A grafia das mensagens foi mantida pelo UOL, mesmo em caso de erros de ortografia e de gramática.

Em outro áudio no mesmo dia, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro diz a Heyder que poderia fazer contato com "a cúpula de cima", dando indícios de que teria preservado sua influência política, ainda de acordo com o MP-RJ. "Avisa pro doutor aí, cara, se quiser algum contato pessoal aí, com... a cúpula de cima aí, faz contato, valeu? Dá pra encaminhar", disse.

Em mensagens enviadas por WhatsApp entre as 4h51 e 5h09 de 1º de setembro de 2019, Heyder pede auxílio para o major Edson e o tenente Medeiros, do caso Amarildo, segundo mostra relatório da investigação.

Procurado pelo UOL, o advogado Saulo Salles, que representou os oficiais no processo criminal, disse ter sido surpreendido pela informação. "Confesso que estou surpreso com essa situação. Como o processo é sigiloso, não é possível saber o que tem no inquérito. A defesa não tem informações sobre esse episódio. Não fui procurado formalmente pelo MP-RJ", informou.

Hoje, Salles representa os dois oficiais em um processo administrativo e o tenente Medeiros no processo criminal.

A reportagem do UOL não conseguiu contato com o PM reformado Heyder Cardoso.

Colegas com passado criminoso

O miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega durante vida como fugitivo na Bahia - Reprodução - Reprodução
O miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega levou vida de fugitivo na Bahia antes de ser morto em operação policial, em fevereiro deste ano
Imagem: Reprodução

Adriano da Nóbrega e Heyder Cardoso atuaram com Queiroz no 18º BPM (Batalhão de Polícia Militar), em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. Adriano acabou sendo expulso da corporação em 2014 por causa das relações com o jogo do bicho.

Ele foi segurança de Shanna Harrouche Garcia, filha do contraventor Waldemir Paes Garcia, morto há seis anos. Queiroz admitiu publicamente que indicou parentes de Adriano para trabalhar no gabinete de Flávio Bolsonaro —a mãe e a ex-mulher são investigadas por suspeita de envolvimento no esquema de rachadinha. Em novembro de 2018, as parentes do miliciano foram exoneradas.

23.jun.2020 - Condenado por um homicídio cometido em 2002, policial reformado Heyder Maduro Cardozo pediu ajuda a Queiroz para agentes envolvidos no caso Amarildo, segundo o MP-RJ - Reprodução - Reprodução
23.jun.2020 - Condenado por um homicídio cometido em 2002, policial reformado Heyder Maduro Cardozo pediu ajuda a Queiroz para agentes envolvidos no caso Amarildo, segundo o MP-RJ
Imagem: Reprodução

Um anos depois, Queiroz determinou que Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano, deixasse a cidade do Rio e permanecesse escondida no interior de Minas Gerais, segundo afirma o MP-RJ. Ele temia consequências da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que liberou o compartilhamento de dados financeiros de órgão de controle, a exemplo da Receita Federal e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), sem a necessidade de aval da Justiça.

Capitão Adriano e Queiroz se conheceram em 2003, quando serviram juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois, o então deputado Flávio Bolsonaro homenageou Adriano com uma comenda da Alerj. Adriano estava preso à época, acusado de homicídio.

Heyder também tem um passado criminoso. Em agosto de 2002, o então tenente da PM teve um desentendimento com o vigilante Josenilson Rodrigues em frente a um bar na Vila Isabel, zona norte do Rio.

Ele sacou a arma e atirou no rosto do vigilante, que não resistiu aos ferimentos. Na fuga, Heyder acabou sendo baleado. O PM foi condenado em 2011 e cumpriu pena no BEP (Batalhão Especial Prisional).

Suspeito dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa, Queiroz foi preso na casa que pertence ao advogado Frederick Wassef, que afirma representar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em seguida, o ex-assessor foi conduzido ao presídio de Bangu, na zona oeste do Rio.

Antes da prisão, Queiroz não era considerado foragido, uma vez que a Justiça não havia expedido ordem de prisão contra ele. Contudo, o MP-RJ aponta que ele ocultava seu paradeiro para dificultar as investigações. Em 2018, ele faltou a depoimentos e alegou problemas de saúde.

Como funcionava a rachadinha, segundo o MP-RJ

Segundo o MP-RJ, a rachadinha ocorreu no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro entre abril de 2007 e dezembro de 2018. Os promotores apontaram Queiroz como o operador financeiro de um esquema que movimentou mais de R$ 2 milhões no período, com a participação de ao menos 11 servidores, que repassavam 40% dos seus salários —média de R$ 15 mil por mês, segundo levantamento feito pelo UOL.

Os recolhimentos eram feitos próximos às datas dos pagamentos dos salários na Alerj. Os funcionários eram ligados a Queiroz por relações de parentesco, vizinhança ou amizade, aponta o MP-RJ.

A investigação começou quando relatório do Coaf indicou movimentação atípica nas contas Queiroz de R$ 1,2 milhão em um ano, com depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas aos pagamentos na Alerj. Queiroz disse ao MP que usava o dinheiro para remunerar assessores informais do gabinete. Mas a defesa nunca apontou quem eram os supostos beneficiários.

Flávio diz ser vítima de campanha de difamação

A assessoria de imprensa de Flávio se posicionou por meio de nota. O texto diz que o político é vítima de uma campanha de difamação orquestrada por um grupo político, sem contudo dizer quem estaria envolvido. Ele alega inocência, garante que o patrimônio dele é compatível com os seus rendimentos e diz acreditar na Justiça.

Na sexta-feira (19), parlamentares da oposição entregaram uma representação no Conselho de Ética do Senado, em Brasília, pedindo a cassação de Flávio por quebra de decoro parlamentar. Entre os motivos alegados pela oposição para o pedido, estão o suposto envolvimento de Flávio com milícias, rachadinha, lavagem de dinheiro e emprego de funcionários fantasmas.

Sou um cara de negócios, disse Queiroz

O advogado Paulo Emílio Catta Preta contesta a prisão preventiva. Segundo ele, Queiroz estava colaborando com as investigações. Entretanto, ele faltou a depoimentos em 2018. Segundo o MP-RJ, forneceu endereço falso e ocultou o seu paradeiro, para obstruir as investigações.

A defesa de Queiroz entrou com pedido de substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, citando o tratamento a um câncer no intestino. Mas o pedido foi negado pela Justiça.

Em entrevista ao SBT em 2019, Queiroz negou ser "laranja" de Flávio. Segundo ele, parte da movimentação atípica de dinheiro vinha de negócios com a compra e venda de automóveis. "Sou um cara de negócios, eu faço dinheiro... Compro, revendo, compro, revendo, compro carro, revendo carro. Sempre fui assim", afirmou na ocasião. A investigação do MP-RJ identificou no entanto mudança nas versões combinadas com ex-assessores da Alerj.