Doria ignora pedido de artistas e movimentos para debater violência da PM
Resumo da notícia
- 29 instituições pediram audiência com o governador para apresentar propostas e debater a violência policial em São Paulo
- Sem resposta, divulgaram vídeo com denúncias de casos recentes que tomaram o debate público
- Lista inclui Antônio Fagundes, Emicida, Djamila Ribeiro, Fernando Meirelles, Zezé Motta, padre Júlio Lancelloti, entre outros
- De acordo com a SSP, as polícias Civil e Militar mataram, juntas, 514 pessoas de janeiro a junho
- É o maior número da série histórica do governo paulista, que iniciou em 2001
Passados 11 dias desde que foi feito um pedido de audiência com o governador João Doria (PSDB) para apresentar propostas e debater a violência policial em São Paulo, artistas, intelectuais e integrantes de movimentos sociais dizem que a solicitação foi ignorada pelo governador. Os movimentos pedem medidas para conter a violência e a letalidade policial.
Como resposta, as 29 instituições que assinaram um documento solicitando a reunião divulgaram um vídeo que mostra parte dos recentes casos de violência policial com a frase: "Não há cidadãos plenos se uma cidadania democrática não é praticada e não é incentivada pelo Estado".
O vídeo também diz que "enquanto houver racismo não haverá democracia". Os movimentos lançaram nas redes sociais a campanha "RecebeDoria", com o intuito de fazer o governador recebê-los. Procurado, o Palácio dos Bandeirantes disse que foi proposta uma reunião com a cúpula da segurança, o que foi recusado pelos movimentos.
A última solicitação de reunião foi em 17 de julho, mas a demanda é antiga. Uma mobilização para pedir a reunião com o governador começou no final de junho e teve origem no grupo 342 Artes, que reúne ativistas e personalidades. A ideia é cobrar transparência nos números de violência policial e um protocolo de abordagem da PM (Polícia Militar).
Entre as 29 instituições que assinaram o documento estão: Mães de Maio, Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Comissão Arns, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, UneAfro, entre outras.
Parte dos famosos que encorpam o pedido por ações efetivas incluem o ator Antônio Fagundes, o músico Emicida, a filósofa Djamila Ribeiro, o cineasta Fernando Meirelles, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, a atriz Zezé Motta, o padre Júlio Lancelloti, entre outros.
Douglas Belchior, historiador, ativista e professor do movimento negro Uneafro Brasil, diz que os movimentos negros sempre denunciaram a pauta, mas sempre tiveram o silêncio como resposta. "Diversos outros setores da sociedade que nem sempre prestaram atenção agora estão mobilizados", diz.
"A sociedade como um todo já não tolera uma política de segurança pública que tem a morte como principal estratégia. Que tem os assassinatos e o racismo como pano de fundo da sua atuação. As vozes contrárias a essa política se ampliaram", afirma.
Por meio de nota, o governo de São Paulo disse que "João Doria convocou o vice-governador e quatro secretários para atender as entidades, pois a sua agenda está dedicada ao combate à pandemia do coronavírus. Contudo, elas se recusaram a tratar o assunto com os membros do primeiro escalão do Governo".
"A reunião estava agendada para esta terça-feira (28), às 19h, no Palácio dos Bandeirantes, com o vice-governador e secretário de Governo, Rodrigo Garcia; o chefe de gabinete secretário particular, Wilson Pedroso; o secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos; o secretário da Justiça e Cidadania, Paulo Dimas Mascaretti; a secretária de Desenvolvimento Social, Célia Parnes; e o ouvidor das polícias, Elizeu Soares Lopes."
Os movimentos articulados disseram que não aceitaram essa reunião sem a presença do governador de imediato.
Recorde da letalidade policial
A polícia de São Paulo nunca matou tanto no primeiro semestre quanto em 2020, sob gestão do governador João Doria. De acordo com a SSP, as polícias Civil e Militar mataram, juntas, 514 pessoas em supostos tiroteios, durante o serviço e também durante a folga, de janeiro a junho. É o maior número da série histórica do governo paulista, que iniciou em 2001. No mesmo período, 28 policiais foram assassinados, mesmo índice registrado em 2018.
João Doria foi eleito governador de São Paulo nas eleições de 2018 afirmando que, durante sua gestão, a polícia iria "atirar para matar". No dia em que foi eleito, prometeu "os melhores advogados" aos policiais que matam no estado. Depois, elogiou ação da polícia com 11 suspeitos mortos e afirmou que a redução da letalidade policial seria algo que poderia acontecer, mas sem obrigatoriedade.
Após uma série de casos de violência policial registrados em vídeos, Doria mudou sua postura. Ele se diz chocado, afirma que o estado de São Paulo não tem comprometimento com o erro e indica o afastamento imediato daqueles que ele afirma considerar "maus policiais".
O governador também defende que São Paulo tem a melhor e mais preparada polícia do país, mas determinou o retreinamento dos agentes paulistas no último mês.
O recorde da letalidade policial ocorreu no mesmo período em que o departamento jurídico da Polícia Militar fez uma interpretação na lei federal do pacote anticrime em que determinava a suspensão das investigações de PMs que matam caso eles não nomeassem um advogado em até quatro dias, conforme revelou o UOL em 14 de julho deste ano. O MP (Ministério Público), no entanto, orientou, baseado na reportagem, que as investigações devem prosseguir.
Ao todo, segundo juízes civis e militares, mais de 300 inquéritos policiais militares envolvidos em ocorrências com mortes estavam travados. A expectativa é de que os casos sejam destravados e apreciados pelo Ministério Público, que poderá, inclusive, oferecer denúncia contra os policiais mesmo se eles não apresentarem advogados.
Investigadores dizem que PMs que sabiam da manobra jurídica estavam se valendo dela para atrasar as investigações.
Eles citam, como exemplo, os policiais que estão sendo investigados pelas mortes dos nove jovens na favela de Paraisópolis, ocorridas durante um baile, em dezembro do ano passado, em que 31 PMs estavam envolvidos. Seis oficiais não nomearam advogados e a investigação atrasou. Por causa disso, eles começaram a ser ouvidos apenas sete meses depois.
Sobre a alta na letalidade policial, a SSP disse que "o confronto não é opção dos policiais, que atuam para prender e levar à Justiça aqueles que infringem e lei" e que "todas as ocorrências de MDIP [mortes decorrentes de intervenção policial] são analisadas pelas instituições, rigorosamente investigadas e comunicadas ao Ministério Público".
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