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Sucessão de Ecko: Polícia prevê disputa por principal milícia do Rio

O miliciano Wellington da Silva Braga, conhecido como Ecko, morto no último sábado (12) durante ação policial para prendê-lo - Divulgação
O miliciano Wellington da Silva Braga, conhecido como Ecko, morto no último sábado (12) durante ação policial para prendê-lo Imagem: Divulgação

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

16/06/2021 04h00

A morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, apontado como o chefe da maior milícia do país e alvo de uma operação da Polícia Civil, deu início a uma disputa pelo controle do grupo paramilitar.

Fontes ligadas ao MP-RJ (Ministério Público do Rio) e à Polícia Civil revelam que um grupo rival com mais de cem homens armados com fuzis cercou a zona oeste do Rio de Janeiro no domingo (13), dia seguinte à morte do miliciano.

Áudios aos quais o UOL teve acesso, também encaminhados às autoridades, mostram o pânico de quem presenciou a cena.

"Pica, mano. Invadiram Manguariba [reduto de Ecko em Paciência, na zona norte carioca]. Maluco da outra milícia invadiu. Colocaram mais de 30 carros, filho. Tudo de bico [gíria para se referir a armas de grosso calibre]", disse um homem.

"Não vou embora hoje. Eu vou ficar aqui em Manguariba. Tá cheio de homem aqui. Trancaram a gente dentro da pizzaria, fecharam tudo. Eu tô nervosa, tô tremendo", relatou uma mulher, em outro áudio.

De acordo com o MP-RJ e a Polícia Civil, um grupo de criminosos chefiado por Danilo Dias Lima, o Tandera, tenta assumir o controle da milícia. O Disque Denúncia, entidade privada sem fins lucrativos que coleta informações anônimas da população, aumentou para R$ 5 mil o valor da recompensa por informações que levem ao seu paradeiro.

Disque Denúncia aumentou para R$ 5 mil o valor da recompensa por informações de Danilo Dias Lima, o Tandera - Divulgação - Divulgação
Disque Denúncia aumentou para R$ 5 mil o valor da recompensa por informações de Danilo Dias Lima, o Tandera
Imagem: Divulgação

Contudo, há resistência de dois irmãos de Ecko, na linha de sucessão do miliciano morto: Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, e Wallace da Silva Braga, o Batata, preso no mês passado.

Também não está descartada a possibilidade do comando do grupo ser retomado por ex-agentes de segurança pública, que perderam o domínio da milícia após a prisão de Toni Angelo Souza de Aguiar, em 2013. O ex-policial militar foi transferido em março da penitenciária federal de Mossoró para o Complexo de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio.

O grupo do Tandera está na zona oeste para tentar dominar o território. Mas ninguém sabe ainda o que vai acontecer. A única certeza é que vai ter muito derramamento de sangue."
Elisa Ramos Pittaro Neves, promotora

Segundo a promotora Elisa Ramos Pittaro Neves, o próprio Ecko assumiu o controle do grupo paramilitar após matar ex-policiais na linha de sucessão da maior milícia do país.

"Ele [Ecko] tomou o poder matando um monte de gente. É muito poder e muito dinheiro envolvido", completa.

Só a expansão do grupo para a Baixada Fluminense representa uma arrecadação superior a R$ 10 milhões com a prática de crimes como homicídios, agiotagem, lavagem de dinheiro e extorsão, segundo o MP-RJ.

Com base em informações coletadas pelo Disque Denúncia, Zeca Borges, que coordena o serviço, não descarta que ocorra uma fragmentação do grupo paramilitar após a morte de Ecko.

Há até a possibilidade da volta dos ex-policiais para a cúpula da milícia. Mas também pode ocorrer um desmanche, porque são vários grupos criminosos que integram a mesma milícia."
Zeca Borges, coordenador do Disque Denúncia

Ações em massa com fuzis: a marca de Tandera

Antigo aliado de Ecko, Tandera foi o responsável pela expansão da milícia para os municípios da Baixada Fluminense, iniciada há cerca de quatro anos. Mas rompeu com Ecko em dezembro do ano passado, segundo investigações.

O UOL mostrou o poderio bélico do grupo em uma ação conduzida por Tandera a mando de Ecko em junho de 2019. Detalhe: na investida, também havia cerca de 100 milicianos fortemente armados, prática repetida na zona oeste do Rio após a morte do ex-chefão da milícia morto no último sábado (12), como revelado no começo desta reportagem.

Chefiados por Tandera, os milicianos expulsaram há dois anos os traficantes do Comando Vermelho (CV) de oito comunidades de Nova Iguaçu às margens da BR-465, a antiga estrada Rio-São Paulo, rodovia de 18 quilômetros que liga o Rio de Janeiro aos municípios da Baixada Fluminense.

Com carros adaptados e fuzis projetados para fora, os milicianos surpreenderam o tráfico local, segundo denúncia do MP-RJ, com o auxílio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, que registraram o desespero dos criminosos da região.

Olheiro - Os caras estão muito pesado [sic], viado. Caralho! É muita coisa, viado!

Traficante - Mas o que é? O que é? Meia dois [como os traficantes se referem ao fuzil 7.62]?

Olheiro - É meia dois, é AK [fuzil AK-47]. Caralho, os caras só tão de fuzil. Puta que pariu, eu não tava conseguindo nem falar, viado!

Segundo informações repassadas a investigadores, ele pode estar por trás do sumiço de três milicianos há seis meses. Os desaparecidos representavam um grupo de Queimados que foi denunciado ao MP-RJ, acusado de cobrar pela autorização de obras de saneamento de asfalto desde 2018.

Essa quadrilha também estaria exigindo propina de R$ 300 mil mensais para autorizar a circulação de uma empresa de fornecimento de energia elétrica nos municípios de Seropédica e Itaguaí, reduto de Tandera. Segundo as investigações, a mesma milícia ainda estaria cobrando pagamentos a um representante comercial encarregado de entregas de refrigerantes nos comércios.

Cemitérios clandestinos na Baixada

Tandera é apontado pela Polícia Civil como o responsável pelo desaparecimento de três integrantes da milícia, que teriam arrecadado R$ 1,7 milhão com extorsões em 2019 no município de Queimados (RJ), no auge da expansão do grupo para a Baixada Fluminense.

Segundo as investigações, Tandera teria ordenado a morte deles após uma reunião para cobrá-los pelo dinheiro arrecadado e pela encomenda de fuzis sem a sua autorização.

Os corpos nunca foram encontrados. Mas a Polícia Civil acredita que os cadáveres possam estar em um dos cemitérios clandestinos da milícia, em áreas rurais da região.