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Ecko matou ex-policiais para comandar milícia e se uniu ao tráfico no Rio

Herculano Barreto Filho e Eduardo Militão

Do UOL, no Rio de Janeiro e em Brasília

12/06/2021 21h36Atualizada em 12/06/2021 22h19

Considerado o chefe da maior milícia do Rio de Janeiro, Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto hoje durante operação da Polícia Civil do Rio, conseguiu manter os negócios ilegais apesar da pressão de ex-policiais, tradicionais "donos" desse tipo de organização criminosa. Eles tentavam retomar o domínio dos negócios, mas, segundo apurou o UOL, foram assassinados por Ecko ou por seus comparsas.

As investigações apontam que o miliciano se envolveu na morte de várias pessoas a fim de manter as atividades do "Bonde do Ecko", como extorsão de comerciantes, agiotagem, TV clandestina, transporte, gás e água.

Outra "tradição" quebrada por ele foi se associar a traficantes, em vez de tratá-los como adversários. A medida começou na "gestão" do irmão Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, mas foi ampliada por Ecko, o que lhe garantiu a expansão da organização — antes atuava só na zona oeste do Rio, mas depois chegou à Baixada Fluminense.

Ecko foi morto com dois tiros. Segundo a Polícia Civil do Rio, no segundo disparo, ele tentou retirar a arma de uma agente quando já estava detido na viatura. A operação foi batizada de "Dia dos Namorados".

Visual era diferente do da lista de procurados

Wellington da Silva Braga, o Ecko, está foragido --R$ 10 mil são oferecidos pelo Disque Denúncia por informações que levem a seu paradeiro - Reprodução - Reprodução
No cartaz da polícia, visual de miliciano estava desatualizado
Imagem: Reprodução

Ecko era procurado pela Polícia Civil e sua foto estava estampada em cartazes e imagens distribuídas em redes sociais e por aplicativos de mensagens. No entanto, quando foi preso, seu visual era diferente.

Ele ganhou peso. Os cabelos bem curtos agora estavam maiores e encaracolados. O miliciano deixou crescer o bigode.

O Disque Denúncia, serviço das autoridades de segurança do Rio, oferecia R$ 10 mil para quem desse informações sobre a aparência de Ecko.

Ecko e comparsas matavam ex-policiais

Normalmente, as milícias são comandadas por ex-policiais. No caso de Ecko foi diferente. Ele "herdou" sua organização após a morte de seu irmão, quando o grupo se chamava "Firma". Carlinhos Três Pontes também não era um ex-agente de segurança e havia tomado o comando da organização das mãos do ex-policial militar Toni Ângelo. Apesar disso, manteve ligações com os ex-agentes de segurança.

De acordo com fontes ligadas à Polícia Civil e ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ouvidas pelo UOL, a morte de Três Pontes fez ex-policiais tentarem retomar o domínio dos negócios. Mas, segundo esses investigadores, eles foram assassinados por Ecko ou por seus comparsas. Dessa forma, Ecko rompia de vez com os ex-agentes de segurança aliados de seu irmão morto.

A reportagem não localizou familiares e advogados de Ecko para comentar o caso.

Miliciano fez aliança com o tráfico

Além de não serem ex-policiais, Pontes e Ecko quebraram outra "tradição". Em vez de brigar com os traficantes de drogas, como é usual nas milícias, fizeram alianças. Foi uma mudança gradual do perfil da organização, determinante para a expansão territorial dos "negócios".

Tudo começou com a prisão do ex-PM Toni Angelo de Souza Aguiar, até então chefe da milícia. Ele foi capturado em julho de 2013 após ser baleado no rosto em uma briga em um bar na zona oeste do Rio

Três Pontes então passou a chefiar a maior milícia do país. O grupo paramilitar costurou a aliança com traficantes, dando início à expansão para a Baixada há três anos, segundo investigações. Ele morreu em uma operação organizada pelo Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), em abril de 2017. Mas a parceria não perdeu força.

Ecko intensificou expansão

Três Pontes foi substituído pelo irmão Ecko. Após derrotar a pressão de ex-policiais e se manter no poder, ele intensificou a expansão de território. Começava a gestão do "Bonde do Ecko", o novo nome da milícia.

Ele reforçou a aliança com os traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP), rivais do CV (Comando Vermelho).

Depois de tomar o território do CV na zona oeste do Rio, a milícia avançou rapidamente para a Baixada, abrindo "franquias" em parcerias articuladas por Danilo Dias Lima, o Tandera, com grupos locais. Tandera era apontado como o braço direito de Ecko no plano de expansão da milícia do Rio para a Baixada Fluminense. Foragido da Justiça, é um dos criminosos mais procurados do país.

Arsenal tem 400 fuzis, diz Promotoria

De acordo com o MP-RJ, os paramilitares possuem um arsenal de cerca de 400 fuzis na zona oeste do Rio, o QG da milícia. Com acesso pela rodovia, o grupo consegue deslocar milicianos fortemente armados rapidamente para a Baixada, neutralizando essas ações.

Os serviços do "Bonde" são amplos. Além da costumeira extorsão de comerciantes e sinal de TV clandestino, o grupo explora agiotagem e transporte alternativo nas comunidades, além de fornecer gás de cozinha e água. A Polícia Civil suspeita que Ecko possuía atividades lícitas em empresas de gás e de terraplanagem, mas a fim de lavar dinheiro na região.

A ação em condomínios do programa habitacional "Minha Casa Minha Vida', do governo federal, se tornou uma das mais rentáveis fontes de renda da milícia nos últimos anos.

Segundo estimativa feita por investigadores, há mais de 10 mil unidades habitacionais que passaram a ser exploradas com a expansão da milícia para a Baixada Fluminense.

Uma interceptação telefônica obtida pelo UOL registra o desespero dos traficantes ao perceber a chegada do grupo na Baixada Fluminense, em junho de 2018. O grupo paramilitar ainda estudava a movimentação dos traficantes do Comando Vermelho, que até então dominavam o território. O monitoramento se intensificou desde então.

Olheiro - Os caras estão muito pesado [sic], viado. Caralho! É muita coisa, viado!
Traficante - Mas o que é? O que é? Meia dois [fuzil 7.62]?
Olheiro - É meia dois, é AK [fuzil AK-47]. Caralho, os caras só tão de fuzil. Puta que pariu, eu não tava conseguindo nem falar, viado!

Testemunha presenciou assassinato e apareceu morta

André Vitor de Souza Corrêa, ex-integrante do grupo e um dos homens que figurou na lista suja da "Firma" e do "Bonde", depôs em setembro de 2018 na sede do Ministério Público em Itaguaí (RJ), um dos municípios da Baixada mais afastados da capital fluminense.

Segundo ele, Ecko mandou matar dois integrantes da organização por supostamente usarem o nome dele para extorquir dinheiro de moradores. Os extorquidos viviam em um condomínio do programa "Minha Casa Minha Vida". Com o auxílio de Souza, a Promotoria denunciou 44 milicianos por organização criminosa, inclusive Ecko.

Em fevereiro de 2019, o corpo da testemunha foi encontrado no porta-malas de um carro com marcas de tiro.

Morte de candidato pode estar ligada ao "Bonde"

No ano passado, às vésperas das eleições, o candidato a vereador de Nova Iguaçu (RJ) Domingos Barbosa Cabral (DEM) foi assassinado. O Ministério Público investiga se um plano de poder da milícia motivou a morte. Os promotores suspeitam de uma ação do grupo de Ecko.

Domingão, como era conhecido, estava sendo investigado por suspeita de ligação com a milícia do bairro Valverde, em Nova Iguaçu, chefiada, segundo a polícia, por seu irmão, o policial militar André Cabral. Uma conversa num telefone celular de André Cabral mostra que ele estava insatisfeito com os valores recebidos por ter uma parceria com Ecko.