Pai e ex-empresário: Quem era o ambulante morto por criticar preço da carne
O ambulante Wagner Lovato, de 40 anos, morto depois de reclamar do preço da carne em um açougue de Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre, viu nas ruas a oportunidade de renda para ajudar no sustento da família que inclui três filhos, um deles com apenas dois meses de nascido.
Considerada uma pessoa de alto astral, não quis ficar parado após dificuldades financeiras na pandemia o levarem à falência, com a loja de artigos para criação de animais que mantinha. Por isso, vendia salgados e garantia o sustento dos seus.
Primo de Wagner, o assistente de ensino e pesquisa Everton Lovato, de 27 anos, conta que, antes da pandemia, o homem tocava o próprio negócio há seis anos. Antes disso, trabalhava no ramo de transportes e, por anos, juntava dinheiro em função do empreendimento, que não foi escolhido por acaso. A família o considerava um amante dos animais e abertura da loja pet foi considerada a realização de um sonho antigo.
"Ele tinha muito amor pelos animais, principalmente por passarinhos. Chegou a participar de concursos de cuidadores de aves e essa paixão era algo muito positivo dele, transbordando para as relações humanas. Era capaz de tirar algo dele para dar ao outro", lembra Everton.
O comércio que mantinha antes da pandemia era localizado a poucos metros de onde a vítima acabou espancada no último sábado (2). O gerente do açougue e um amigo que o acompanhava estão presos suspeitos do crime. Hoje, a Polícia Civil divulgou imagens do momento do ocorrido, e o delegado afirmou não ver agressão por parte de Wagner.
Após falir, o empreendedor virou taxista, mas a falta de veículo próprio o fez largar a atividade. Contou com o talento da esposa para produzir pães caseiros e salgados recheados, que passou a vender pelas ruas de Alvorada. Trabalhava assim, de porta em porta, há sete meses, contando apenas com uma bolsa térmica e muita disposição.
Wagner era figura conhecida nas imediações da Avenida Getúlio Vargas, no bairro Bela Vista. Virou referência de bom atendimento pelo carisma. Nem mesmo os tempos difíceis de falência imposta pela pandemia tiraram do rosto o sorriso, seu principal poder de convencimento — tanto que era comum retornar à noite para a família com a bolsa térmica vazia.
A família se diz incrédula com ocorrido, pois Wagner era conhecido por ser uma pessoa muito alegre e divertida. Em razão de sua personalidade, os parentes suspeitam de que a vítima não deve ter reclamado, de fato, do preço da carne, mas feito alguma brincadeira sobre o assunto, mesmo que estivesse com o dinheiro das vendas do dia em mãos.
Ele tinha uma característica de ser brincalhona e querida por todos. Vários populares da região onde a loja existia disseram a mesma coisa em outras entrevistas. Não sabemos o que provocou a discussão, mas acreditamos que tenha feito alguma brincadeira ou piada, sendo mal interpretado pelo gerente da loja
Everton Lovato, primo da vítima
Nos últimos 12 meses, o preço das carnes acumulou alta de 30,77% no país, segundo os últimos dados de agosto do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor - Amplo), divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em Porto Alegre, o aumento atingiu 34,37% no mesmo período.
'Sentimento é de indignação'
Além da esposa, com quem manteve um relacionamento por 25 anos, Wagner deixa uma filha de 22 anos, um menino de quatro e o caçula, de apenas dois meses. Ele também tinha uma neta de 1 ano e 9 meses. As crianças eram a diversão da vítima em momentos de folga.
A viúva, segundo os parentes, está em choque. "Está desolada porque ninguém espera perder alguém por um motivo tão banal. Da parte da nossa família, iremos dar total apoio psicológico e ela e aos filhos", garantiu Everton.
O que a família mais deseja é que os suspeitos - que não tiveram as identidades reveladas - sejam punidos.
O sentimento é de indignação. Estamos em uma pandemia e, graças a Deus, não perdemos ninguém para a covid-19. Agora, com as coisas melhores, ver um ente querido morrer dessa forma brutal é desolador. Perder alguém nessa condição é muito injusto. Ele amava animais e a maneira como morreu não desejamos nem para um bicho. É totalmente injustificável, desabafou o primo
O crime
De acordo com a Polícia Civil, Wagner morreu em decorrência de agressões porque ele teria reclamado do preço da carne e um gerente do estabelecimento, que estava de folga, o ouviu e não teria gostado do comentário, o que teria provocado uma confusão em frente ao estabelecimento. A vítima sofreu diversas fraturas e morreu no domingo (3), no Hospital Cristo Redentor, na capital gaúcha.
O agressor estaria acompanhado de um amigo, que também participou das agressões, segundo a polícia. Ambos tiveram a prisão preventiva decretada ontem pela Justiça. Até ontem, os envolvidos não tinham constituído defesa. Caso não tenham advogado, a representação será feita por um defensor público. O espaço segue aberto tão logo a defesa dos envolvidos deseje se manifestar.
Em nota enviada nesta terça-feira (5) ao UOL, o açougue Shopping das Carnes, onde ocorreu o crime, afirmou que lamenta "profundamente a morte de Wagner de Oliveira Lovato" e que está "adotando todas as medidas possíveis para auxiliar as autoridades na apuração das responsabilidades neste ato criminoso em frente ao estabelecimento".
"O funcionário envolvido neste episódio inaceitável, que não estava em atividade de trabalho no momento do crime, foi afastado pela empresa e está sob custódia da polícia. Desde o ocorrido, estamos buscando contato com a família da vítima para dar o suporte necessário. Compreendemos o momento de dor e de reserva e respeitamos o tempo dos familiares. Estamos à disposição para que esse diálogo aconteça", conclui o comunicado.
Defesa dos suspeitos
Em nota encaminhada à imprensa, o advogado Eduardo Andreis, que defende Luciano Ribeiro dos Santos, autor dos socos vistos no vídeo, disse que o cliente lamentou "profundamente" o óbito do ambulante, "o que nunca foi desejado em nenhuma hipótese".
O advogado classificou o incidente como uma "fatalidade derivada de uma discussão", que terminou com um "acidente fatal". "[Ele] Nunca imaginou que de seu soco pudesse resultar o falecimento de outro ser humano, provavelmente causado pela queda. Até porque Luciano, jamais teve qualquer passagem similar em seus 47 anos de vida", declarou o advogado, no comunicado.
O homem, segundo seu defensor, tentou acudir o ambulante e acabou sendo agredido com socos e pontapés por testemunhas. "Ficou para prestar seus esclarecimentos às autoridades policiais e judiciárias, sem fugir de sua responsabilidade culposa. Deseja o esclarecimento total e a realização da Justiça", finaliza a nota.
Já o advogado Gilson D' Ávila Camargo, que defende o gerente Luciano Monteiro, afirmou ao UOL que ingressou com pedido na Justiça para reverter a prisão preventiva. "Ele não tem antecedentes criminais e a própria investigação aponta que não há imagens de agressões do meu cliente contra a vítima. Só houve socos (desferidos por outra pessoa)", disse Camargo.
O advogado reconhece que o gerente tentou deferir joelhadas e chutes no ambulante, mas que não conseguiu pois estava alcoolizado. "Ele não se recorda do motivo da agressão, depois do fato só se recorda da Brigada Militar pegando ele."
Monteiro está preso em uma penitenciária em Sapucaia do Sul, também na região metropolitana de Porto Alegre.
O açougueiro que atendeu o ambulante no balcão deve prestar depoimento na polícia hoje. O delegado também aguarda o laudo da necropsia que deve apontar a causa da morte. No atestado de óbito, consta traumatismo craniano.
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