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Jacarezinho: Vítima foi arrastada de lugar para mudar cena do crime, diz MP

7.mai.2021 - Casa na favela do Jacarezinho, onde ocorreu ação policial mais letal da história do Rio - OAB
7.mai.2021 - Casa na favela do Jacarezinho, onde ocorreu ação policial mais letal da história do Rio Imagem: OAB

Igor Mello e Anna Satie

Do UOL, em São Paulo

15/10/2021 16h28

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro concluiu que Omar Pereira da Silva, um homem negro morto aos 21 anos durante operação na favela do Jacarezinho em maio, foi arrastado por policiais do local onde foi baleado, um quarto de criança, para alterar a cena do crime. A perícia também não encontrou armas ou vestígios de conflito no local.

As informações constam na denúncia apresentada à Justiça contra dois policiais civis, Douglas de Lucena Peixoto Siqueira e Anderson Silveira Pereira. Ambos são acusados de fraude processual, e Douglas, de homicídio doloso (quando há intenção de matar). Os promotores também pedem que eles sejam afastados das funções públicas.

Esta é a primeira denúncia apresentada pelo MP-RJ na investigação da ação policial mais letal da história do estado, que deixou 28 mortos —27 civis e um policial civil.

Segundo o documento, Douglas atirou contra Omar, que estava desarmado e ferido com uma bala no pé, e o matou. Depois, ele e Anderson, "com vontades livres e conscientes", mudaram o corpo de Omar de lugar antes da realização da perícia. A denúncia traz fotos da perícia que exibem evidências de que o corpo foi arrastado do quarto infantil a partir da forma como o sangue se encontrava no chão.

Segundo o MP-RJ, os policiais apresentaram uma pistola e um carregador à delegacia, alegando que teriam sido recolhidos junto da vítima.

Ainda de acordo com a denúncia, outras pessoas, ainda não identificadas, colocaram uma granada no local onde o corpo foi encontrado para confundir a investigação em comunhão com Douglas e Anderson.

"Com tais condutas os denunciados Douglas e Anderson, no exercício de suas funções públicas e abusando do poder que lhes foi conferido, alteraram o estado de lugar no curso de diligência policial e produziram prova por meio manifestamente ilícito, com o fim de eximir Douglas de responsabilidade pelo homicídio ora imputado ao forjar cenário de exclusão de ilicitude", diz o texto.

Em maio, Omar entrou na casa de uma família para se esconder, desarmado e ferido com uma bala no pé. Segundo relatos de moradores ao UOL, cerca de meia hora depois, policiais invadiram o imóvel para matá-lo. O homicídio se deu no quarto de uma menina de 9 anos, que estava na casa no momento do crime.

A reportagem do UOL esteve nesta residência e conversou com moradores sobre o momento da ação policial que matou Omar. A mãe da criança disse na ocasião que a menina se recusou a voltar à casa após o crime e que Omar pediu ajuda ao entrar no imóvel (assista a baixo).

Homem estava desarmado, diz MP-RJ

A denúncia cita a perícia feita no local, que diz que não foram encontrados armamentos, munições ou sinais característicos de confronto.

"Não houve relatos de reféns ou referência a armamentos de posse dos invasores, tanto assim que o denunciado Douglas não encontrou oposição à sua entrada, tendo o laudo de local atestado ausência de vestígios de conflito", dizem os promotores.

Policial diz que homem apontou arma

Em depoimento, os dois policiais envolvidos diretamente na morte dão relatos idênticos.

Os relatos foram inseridos no sistema da Polícia Civil com um intervalo de 35 minutos e têm trechos inteiros iguais, o que indica que podem ter sido copiados e colados.

Um dos policiais declara ter atirado contra Omar. Em sua versão, ele empunhava "uma arma em sua direção".

"O declarante então para se defender da injusta agressão efetuou disparos com o fuzil que portava", afirma o depoimento. Ele diz ainda não se recordar quantas vezes atirou por causa "do estresse do momento".

Apesar de o policial admitir que atirou com seu fuzil em Omar, o laudo cadavérico da vítima afirma que ele foi atingido por um projétil de baixa energia, incompatível com esse tipo de armamento —a munição de fuzis é considerada de alta energia em perícias.

O laudo cadavérico também não descreve a lesão que o jovem teria no pé, segundo os moradores. A denúncia do MP-RJ traz uma foto do ferimento no pé de Omar.

Família mostra quarto onde homem foi morto em ação policial no Jacarezinho

O que diz a Polícia Civil

Em nota divulgada hoje, a Secretaria de Estado de Polícia Civil informa que "o inquérito que apura o fato está sendo finalizado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que acabou de receber do Ministério Público (MP) as oitivas de testemunhas e aguarda o laudo de confronto para encaminhar o relatório final ao órgão".

"Os policiais foram denunciados em procedimento próprio do MP, antes de finalizada a investigação no inquérito policial. A Polícia Civil só irá se manifestar no mérito após análise de todos os depoimentos e a chegada dos laudos periciais", acrescenta a nota.