Boate Kiss: Pena de condenados foi 'adequada para menos', diz procurador
O juiz Orlando Faccini Neto, responsável pelo julgamento do caso boate Kiss, não agiu de forma incorreta na aplicação das penas para os quatro réus condenados pelo incêndio que matou 242 pessoas, em 2013, na cidade de Santa Maria (RS). A avaliação é do procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Marcelo Dornelles.
"Inclusive, a pretensão do Ministério Público é recorrer para aumentar [a pena]. Não estamos tratando de um homicídio simples, e sim de 242 homicídios e mais de 500 vítimas de tentativa de homicídio", afirmou o procurador, em entrevista ao UOL News. "A pena até foi adequada para menos, tanto que estamos avaliando a possibilidade de buscar o aumento especialmente para os donos da boate."
Na semana passada, o juiz proferiu a sentença para dois sócios da Kiss e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que foram condenados a penas que variam de 18 a 22 anos por dolo eventual, ou seja, quando, mesmo sem desejar o resultado, se assume o risco de matar.
Advogados de defesa dos réus questionaram a sentença e citaram "vingança" na condenação pelo tribunal de júri. Para Dornelles, vence a disputa de "narrativas" o lado que tem maior representação na área criminal.
Enquanto somos 16 mil promotores no Brasil inteiro, são 1 milhão de advogados. É muito mais fácil ter, em quantidade, uma narrativa contra a pena e o júri que condenou do que a favor" Marcelo Dornelles, procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul
Tribunal de júri
Marcelo Dornelles também defendeu o tribunal de júri no país, citando que, nos Estados Unidos, todos os procedimentos cíveis e criminais são por julgamento popular. "No Brasil, é limitado aos crimes dolosos contra a vida porque são crimes diferenciados, que envolvem sentimentos e têm motivação própria. Aqui, há mais de século que o júri popular é assim."
"Não tem a conotação da vingança, ao contrário, tanto que se vê os advogados fazendo no júri todo aquele palco e não vê aquilo no procedimento normal. É muito mais fácil um jurado se envolver com aquela teatralidade desnecessária do que um juiz ou desembargador", afirmou.
Na análise do procurador, a discussão sobre o tribunal do júri voltou à tona porque os réus da boate Kiss foram condenados. "Tenho certeza que se eles tivessem absolvidos o mundo jurídico da defesa e dos advogados estaria muito feliz com o tribunal do júri. Tem muito a ver com o resultado. O júri ocorre todos os dias no Brasil e ninguém questiona isso, é o exercício da justiça pelo próprio povo."
Decisão de Fux é inédita
Hoje, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, vetou a soltura dos quatro condenados pelo incêndio da boate Kiss. O ministro acatou pedido feito pelo Ministério Público Estadual para impedir efeitos de eventual concessão de habeas corpus pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em benefício aos quatro.
Segundo o procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, a decisão é inédita na área criminal. "Normalmente, se utiliza esse tipo de expediente na área cível ou para evitar um grave prejuízo ao erário, por exemplo. Foi criada uma legislação que permite que o presidente do tribunal em algumas circunstâncias possa interferir diretamente e suspender uma liminar.
"Na área criminal, estamos inovando até onde sei, mas é um instrumento cabível. A legislação não faz nenhuma distinção em que haja essa falta de possibilidade, tanto que ela foi acolhida pelo presidente do STF, ou seja, é uma via correta e adequada", afirmou Marcelo Dornelles.
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