Topo

Denúncia do MP detalha crimes atribuídos a suposta quadrilha de PMs de SP

Os sargentos Osmar de Oliveira Novais e Willians de Souza Bento foram denunciados pelo MP por suspeita de chefiar uma quadrilha formada por policiais militares de Campinas - Arte/UOL
Os sargentos Osmar de Oliveira Novais e Willians de Souza Bento foram denunciados pelo MP por suspeita de chefiar uma quadrilha formada por policiais militares de Campinas Imagem: Arte/UOL

Herculano Barreto Filho e Josmar Jozino

Do UOL, em São Paulo, e colunista do UOL

18/12/2021 04h00

A denúncia oferecida na quinta-feira (16) pelo Ministério Público contra 16 policiais militares de Campinas (SP) aponta o envolvimento do grupo em uma série de crimes, como homicídios, coação de testemunha, fraude processual e violação de sigilo funcional.

O documento, ao qual o UOL teve acesso, detalha como agia a organização criminosa. O grupo é acusado até mesmo de citar os "irmãos do partido" —em referência ao PCC (Primeiro Comando da Capital)— para ameaçar a testemunha de um dos assassinatos.

A denúncia aponta os sargentos Osmar de Oliveira Novais e Willians de Souza Bento como suspeitos de chefiar a quadrilha fardada. A reportagem não localizou os advogados dos PMs denunciados para que se pronunciassem.

Bento é apontado como envolvido no episódio da ameaça, ocorrida em uma abordagem ilegal do 35º BPM ao veículo da testemunha. A ação começou às 18h40 de 11 de agosto deste ano em Campinas (SP).

O homem ameaçado antes agia como informante dos policiais militares e chegou até a usar farda da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo). Em depoimento, ele confirmou que, após ações contra o tráfico, recebia pagamentos, que variavam de R$ 500 a R$ 1.000.

Contudo, segundo informou em depoimento, passou a ser perseguido pelo grupo após se tornar testemunha de um caso de tortura seguida de assassinato cometido pelos policiais militares em 26 de fevereiro deste ano em Mairinque (SP).

Ameaça de morte

Segundo a denúncia, o sargento Bento exigiu que a testemunha lhe entregasse uma arma, em um local a combinar, até dois dias depois da abordagem —de acordo com a corregedoria, esses equipamentos eram usados em cenas de crime para simular confrontos.

Caso se recusasse, os agentes iriam forjar uma prisão por tráfico, disse a vítima, que teve sua identidade preservada pelo UOL.

Ainda durante a ação ilegal, os policiais militares o ameaçaram de morte, dizendo "que a corregedoria da PM não poderia protegê-lo", segundo relato. Em depoimento, a vítima aponta o cabo Wagner Ricardo Pereira como o agente que se aproximou dele para dizer que iria "entregá-lo aos irmãos do partido", que se encarregariam do seu assassinato.

Suspeita de rastreador ilegal

De acordo com a testemunha, os próprios policiais militares manobraram o veículo e não deixaram que ele acompanhasse a vistoria. Em depoimento, a vítima disse acreditar que eles podem ter colocado um rastreador ilegal e ainda o obrigaram a desbloquear o próprio celular. A ocorrência ainda contou com a participação do cabo Homero Pereira Gonçalves.

A investigação da corregedoria da PM-SP confirmou a veracidade do relato da vítima ao verificar que o carro e a viatura do 35º BPM passaram pelo mesmo local no horário da abordagem, segundo consta no Sistema de Informações Operacionais. De acordo com o relatório de itinerário, o veículo da corporação permaneceu no local por 1 hora e 22 minutos, confirmando o relato da testemunha.

Fraude processual e tentativa de homicídio

No dia 10 de outubro deste ano, o sargento Bento se envolveu em uma ocorrência com o uso de arma de fogo em perseguição a dois homens em uma moto. Segundo a versão dos policiais militares, a dupla em fuga atirou contra a viatura, que reagiu.

O sargento Bento disparou, atingindo um dos jovens com um tiro no abdômen e o outro com dois no peito. Apesar dos ferimentos, eles sobreviveram.

Após a apresentação da ocorrência para a Polícia Civil, o delegado registrou o caso como possível fraude processual, já que os PMs apresentaram uma arma supostamente usada por um dos homens na moto diretamente na delegacia, desfazendo a cena do crime.

Segundo a corregedoria da PM, os jovens baleados não têm antecedentes criminais.

Sargentos monitoram ações, diz denúncia

No dia 18 de setembro deste ano, os sargentos Bento e Novais, apontados pela denúncia como chefes do grupo, monitoraram o deslocamento de equipes do 35º BPM com o auxílio de rastreadores instalados ilegalmente pelos próprios policiais militares, segundo a corregedoria.

"Os moleques acabaram de fazer um roubo. Tá online aqui o negócio", informou um dos PMs a Novais. Em seguida, comunicou que uma viatura estava a caminho do batalhão "para buscar o equipamento".

Para a corregedoria, ele se referia a uma arma de numeração raspada para forjar confronto com suspeitos mortos.

[Os policiais militares] não desejavam localizar e deter o criminoso (...). O monitoramento é empregado para que a abordagem se proceda longe de testemunhas e em situação que os militares já estejam com a 'ferramenta' em condições"
Trecho da denúncia do MP

Quatro dias depois, o sargento Novais se envolveu diretamente em uma perseguição iniciada em Campinas (SP) a dois suspeitos de envolvimento em um assalto, que acabou com um homem morto ao ser atingido por um disparo em Sumaré (SP) —a família alega que ele tinha sido sequestrado pelos assaltantes.

Após a ação, o sargento liga para um policial militar do batalhão e diz: "Traz o bagulho pra mim rápido, traz aceso [arma após disparo, para simular confronto]. Traz o QRU [ocorrência, na gíria usada pelos policiais] pra mim".

A informação consta em telefonema interceptado com autorização da Justiça. Segundo a denúncia, o sargento tinha solicitado aos colegas de farda uma arma de fogo para simular confronto no local do crime. "A arma foi plantada", diz a denúncia.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.