Projeto de pais de escola pública de SP doa alimentos a famílias sem renda
Com sacolas retornáveis debaixo dos braços, mães de alunos do CEU (Centro Educacional Unificado) Alvarenga esperam o fim de uma feira, no bairro Pedreira, extremo Sul de São Paulo, para receber doações. A entrega de frutas, verduras e legumes faz parte de um projeto do Conselho de Pais do escolão, que tem o objetivo de reduzir a fome entre as famílias dos alunos.
A ideia de fazer uma parceria com os feirantes surgiu depois que o grupo percebeu que o número de mães, pais e responsáveis desempregados e sem renda aumentou na pandemia de covid-19. A discussão começou em um outro projeto conduzido por professores com as turmas do 9º ano.
"Buscamos alguma forma de amenizar o problema. Como não temos verbas, pensamos em fazer essa ponte entre quem pode doar e quem precisa receber", diz Fernanda Machado, mãe de alunos do CEU e líder do conselho.
Durante a entrega das doações, um grupo de professores do ensino fundamental ajuda o conselho de pais. Participam vendedores de duas feiras da região, às sextas e aos domingos.
A parceria entre o conselho e os feirantes saiu do papel no começo deste mês e tem o objetivo de alcançar pelo menos 40% das famílias da escola —principalmente aquelas que enfrentam o desafio de não ter o que comer em casa.
Por enquanto, ao menos cinco feirantes de barracas diferentes colaboram com as doações.
Para a faxineira Rosenilda Demacena, 45, o projeto representa um alívio porque "ajuda a colocar comida na mesa". No dia em que a reportagem acompanhou a entrega, ela foi duas vezes até a feira com o grupo de pais e professores e levou para casa frutas e verduras.
"Na pandemia foi muito difícil, porque antes aparecia mais trabalho e eu conseguia fazer até R$ 400 por semana [limpando casa]. Agora não chego a fazer isso no mês", conta. Assim como Rosenilda, a maioria das mães que recebem auxílio mora em comunidades perto da escola.
A desempregada Cirlene do Santos, 41, conta que antes das doações dos feirantes só se alimentava com "arroz e feijão e olhe lá". Sua única renda era o Bolsa Família, que teve a última parcela depositada no mês passado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
"Carne a gente não vê há muito tempo e até o que vende na feira fica caro pra comprar no dia a dia. Pra quem é vulnerável, essas ajudas mantêm a gente vivo", avalia Cirlene.
Reportagem do UOL mostrou que ao menos 2 milhões de famílias brasileiras caíram para a extrema pobreza entre janeiro de 2019 e junho de 2021. Esse grupo tem uma renda per capita de até R$ 89 por mês. Outras 2,8 milhões de pessoas estão na pobreza —com renda per capita de R$ 90 a R$ 178 mensais.
Quem passou a ter uma renda quase zero foi a dona de casa Marinalva Silva, 56. Antes da pandemia, seu marido trabalhava como motorista de floricultura, mas foi diagnosticado com covid duas vezes e não conseguiu voltar ao mercado de trabalho.
A gente viveu de ajuda do começo da pandemia até agora também. Meus dois netos moram comigo, então não dá pra deixar faltar um alimento, mesmo que seja pouquinho. Aceitamos todas as doações."
Marinalva Silva, dona de casa
Marinava também contava com o Bolsa Família, mas disse estar confusa sobre o "novo benefício" —o Auxílio Brasil.
A reportagem chegou à feira por volta de 14h30, na sexta-feira passada (17), junto com pais e professores do projeto do Conselho de Pais. Às 16h, os carrinhos e sacolas retornáveis estavam cheios de uvas, abacaxis, alfaces, manga, repolhos, tomates e outros prudotos. "Hora de encher a geladeira para as crianças", disse uma das mães beneficiadas.
Do outro lado, os feirantes
Do outro lado da barraca, o feirante Ney Santos, que vende (e doa) frutas, diz que a atitude é pequena perto do desafio que muitos brasileiros enfrentam. "A gente ajuda como pode", afirma.
Na sexta, antes de chegar no momento da xepa, ele já tinha separado uma caixa com mais de dez bandejas de uva e outra com mangas. Antes do grupo se despedir, ele ainda distribuiu abacaxis.
Para Fernando Aguenna, que tem uma barraca de legumes com sua família, não tem sentido não colaborar com as doações.
Nós vendemos apenas mercadorias frescas, então se não vende, a gente doa. Por mais que a margem de lucro seja baixa."
Fernando Aquenna, feirante
O feirante Jonas Pereira de Araújo concorda. Na barraca de verduras, ele deixa separado um carrinho para doar ao grupo. "Quanto mais gente ajudando melhor. Temos sempre que pensar assim."
Aguenna observa que os negócios caíram bastante. Antes da pandemia, de acordo com ele, a barraca vendia 100 caixas de tomates por dia. Hoje, saem 40.
Todos os vendedores relataram que estavam acostumados a ver pessoas pedindo doações ou até mesmo pegando os alimentos que ficam no chão durante a feira, mas, durante a pandemia, a situação piorou.
Projeto pedagógico
Fernanda, representante do Conselho de Pais, conta que a intenção agora é ampliar o projeto e proporcionar experiências pedagógicas aos alunos e suas famílias. "Temos a intenção de ir além do assistencialismo, que agora é urgente. Queremos ensinar e aprender receitas, falar do desperdício de alimentos", afirma.
No próximo ano, ao lado dos professores, os pais também querem construir uma horta dentro da escola para que a comunidade possa produzir alimentos.
"Nossa proposta envolve uma formação cidadã, onde a escola proporciona caminhos e a comunidade se apropria, transformando sua realidade."
O grupo também pretende conseguir doações de mercados e grandes marcas.
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