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Homem negro constrangido na Zara pede indenização de R$ 1 mi: 'senti medo'

Luiz Fernandes Júnior afirma que precisou comprovar com nota fiscal que comprou mochila - Arquivo Pessoal
Luiz Fernandes Júnior afirma que precisou comprovar com nota fiscal que comprou mochila Imagem: Arquivo Pessoal

Aurelio Nunes

Colaboração para o UOL, em Palmeiras (BA)

05/01/2022 19h43

Um homem negro relatou momentos de aflição durante abordagem de um segurança do Shopping da Bahia, na semana passada. Natural de Guiné Bissau, na África, o estudante Luiz Fernandes Júnior, 28, afirma ter sido seguido até o banheiro após comprar uma mochila na Zara e ser obrigado a voltar até a loja para apresentar a nota fiscal do produto. Em conversa com o UOL, ele relata ter temido pela própria vida e que já está com advogado, que pretende pedir indenização da ordem de um milhão de reais.

Eu dizia que tinha como provar que paguei pela mochila, mas ele não queria saber. Disse que eu tinha roubado e foi ficando com o tom de voz cada vez mais agressivo. Senti que ele podia atirar em mim ali mesmo, dentro do banheiro, e depois justificar que eu tentei atacá-lo. Senti medo de morrer. Nem terminei o que eu estava fazendo, vesti minhas calças e sai para o corredor em busca de um lugar onde outras pessoas pudessem testemunhar o que estava acontecendo.
Luiz Fernandes Júnior

A discussão com o segurança, já dentro da loja, foi registrada em vídeo por alguns clientes no último dia 28 de dezembro.

Fernandes conta que pagou R$ 329 pela mochila, parcelada em três vezes no cartão de crédito. Antes de sair, viu dois pares de tênis em promoção e decidiu comprá-los em dinheiro. Saiu da Zara, já com a mochila nas costas, e pediu orientação a dois seguranças do shopping para localizar um caixa eletrônico, no qual sacou R$ 500. Voltou para o estabelecimento e pagou R$ 308 pelos calçados, que guardou na mochila.

Ele ainda deixou R$ 1 de troco no caixa porque estava com pressa e não queria perder o ônibus que saía da rodoviária, bem próxima ao shopping, rumo a Santo Amaro, onde faz estágio numa escola pública.

Na saída, apressado, percebeu que estava sendo seguido quando entrou no banheiro. Era um segurança do centro de compras, acompanhado de um colega, que só observava.

"Eu ainda estava urinando quando ele me disse que eu tinha que voltar para a loja da Zara para devolver a mochila que eu roubei. Eu disse que não, que eu paguei e tinha como provar, mas ele não queria me ouvir. Nessa hora, eu senti como é difícil ser negro neste mundo", diz Fernandes que reside há sete anos em São Francisco do Conde, no recôncavo baiano.

O guineense contou para a reportagem que teve a mochila arrancada de suas mãos ao sair para o corredor. E que ao chegar ao caixa da Zara, perguntou a quem pertencia aquela mochila. O atendente disse que a mochila era de Fernandes, que ele a havia comprado. Mesmo assim o segurança não devolveu a mochila, segundo Fernandes. "Tive de arrancar a mochila de volta", relata o estudante.

Resumidamente, sou negro, o meu lugar não era lá. Por mais que eu tivesse dinheiro pra comprar. A ideia é humilhar mesmo, pra que a gente não volte nunca mais, pra gente entender que essas roupas não são feitas para a gente.

Caso deve ser judicializado

Desde 28 de dezembro, quando ocorreu a abordagem, o estudante segue inconformado com o que aconteceu. "Não consigo dormir direito, nem me concentrar nos meus estudos. Minha vida parou", lamenta Fernandes, que cursa duas pós-graduações, uma delas em Gênero, Diversidade e Direitos Humanos, pela Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira).

No dia seguinte ao ocorrido, ele registrou ocorrência numa delegacia de Salvador e contratou o advogado Thiago Thobias, de São Paulo. O profissional é ligado à Educafro, entidade cuja missão é promover o acesso de jovens negros a ensino superior gratuito. Entre as causas defendidas por Thobias está a ação indenizatória contra o Carrefour por causa do assassinato de João Alberto Freitas, espancado até a morte numa loja do bairro Passo D'Areia, em Porto Alegre, em 2020.

"A Zara tem o racismo de forma reiterada em sua política interna, tendo inclusive um código chamado Zara Zerou para identificar clientes indesejados, geralmente negros. Vamos buscar uma indenização reparatória civilizatória para que isso não se repita", diz Thobias.

O advogado afirma que vai pedir indenização de R$ 1 milhão para seu cliente e também para ações afirmativas educativas. "Se tivermos que educar pelo bolso, vamos educar pelo bolso". O processo deve ser aberto contra a loja e contra o centro de compras, como corresponsáveis.

O UOL entrou em contato novamente hoje com a assessoria de comunicação da Zara sobre o suposto código, apelidado pelo advogado Thiago Thobias de "Zara Zerou", "a Zara Brasil nega a existência de um suposto "código interno" para discriminar clientes". A empresa diz rechaçar "qualquer forma de racismo, que deve ser tratado com a máxima seriedade em todos os âmbitos " e reforça que "conta com mais de 1800 pessoas de diversas raças e etnias, identidades de gênero, orientação sexual, religião e cultura. [A] Zara é uma empresa que não tolera nenhum tipo de discriminação e para a qual a diversidade, a multiculturalidade e o respeito são valores inerentes e inseparáveis da cultura corporativa".

A reportagem também entrou em contato com a assessoria do Shopping da Bahia sobre o caso. Até então, o centro de compras alegou que a segurança foi acionada por representantes da Zara, que pediram o retorno do cliente à loja, e admitiu que a ação viola o regulamento da empresa — alegou ainda que o vídeo do caso será mostrado em próximos treinamentos de profissionais de segurança. Ainda não há informações se algum profissional envolvido no caso foi punido.