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Esperança e tristeza: Moradores cavam com bombeiros para resgatar famílias

Lola Ferreira

Do UOL, em Petrópolis

16/02/2022 19h18

Moradores, bombeiros e agentes da Defesa Civil lutam contra o tempo em busca de sobreviventes no Morro da Oficina, no bairro Alto da Serra, em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Ao menos 104 mortes foram confirmadas até o início da manhã de hoje.

Parte da encosta deslizou na terça-feira (15) em decorrência do temporal que atingiu a cidade e destruiu ao menos 80 casas —ainda não há estimativa de quantas pessoas foram soterradas. O UOL acompanhou hoje as buscas —a tentativa de resgate é marcada por muita tristeza, mas também pela esperança de encontrar parentes com vida.

Ao longo da madrugada desta quarta-feira (16), moradores se dividiram em grupos para escavar a lama e encontrar vizinhos e familiares. Durante o dia, a Defesa Civil dos municípios de Magé e Duque de Caxias se uniu ao resgate e retroescavadeiras ajudaram a liberar o caminho e intensificar as buscas.

'Só quero achar'

Marcos Santos, 25, buscava sua mãe e seu filho, de 5 anos. Ele relata que estava no trabalho quando a chuva começou e que só conseguiu chegar no morro por volta das 21h. Desde então, com uma enxada e ajuda de vizinhos, ele cava sem parar na área em que ficava a casa da sua mãe.

No final da tarde, ele localizou o telhado do imóvel, que está completamente submerso em lama. Ele pretende passar mais uma noite cavando em busca de sua família. "O estrago já está feito, já perdi eles. Agora só quero achar", disse Santos.

Após a visita do governador Claudio Castro (PL) ao local, houve protestos contra o político, que contudo foram rapidamente deixados de lado. "Deixa política para lá, daqui a pouco anoitece, temos que achar gente", repreendeu um dos moradores que participam da força-tarefa.

O mesmo grupo interveio quando helicópteros de emissora de TV e forças de segurança se aproximavam do local. Com sinais que pediam silêncio e afastamento, eles justificaram que podia haver alguma vítima soterrada tentando contato.

Morro da Oficina concentrou vítimas em nova tragédia serrana - Google Earth - Google Earth
Imagem: Google Earth

Corpo da filha

Até as 17h, o grupo não havia resgatado ninguém com vida, mas não desistia. Tiraram telhas que atrapalhavam o caminho e fizeram força para levantar lajes.

Embaixo de uma delas estava a família de um morador que conversou com a reportagem no início da manhã. Em busca da sogra e duas crianças, incluindo sua filha, ele buscava ajuda para procurá-las. Por volta das 12h, conseguiu.

Bombeiros, Defesa Civil e voluntários encontraram sua família: estavam abraçadas no sofá e não sobreviveram. Foi ele quem segurou o corpo da filha morta pela primeira vez.

O agente da Defesa Civil de Duque de Caxias William, que tem uma filha de um ano, acompanhou o resgate e se emocionou ao relatar o momento. "Ninguém merece passar por isso." Após trocar poucas palavras com a reportagem, ele voltou às montanhas de lama, ainda emocionado.

Ainda que os relatos tristes e os choros de luto dominem o dia, os bombeiros se negam a entregar os pontos.

Com 20 anos na corporação, a técnica de enfermagem Tatiana, lotada no DGS (Diretoria Geral de Saúde) do Corpo de Bombeiros, diz já ter visto resgates com vida de desaparecidos por três dias. "Por isso eu não perco a fé, por isso a gente não vai parar agora."

O funcionário da Secretaria de Obras de Magé, Marcelo de Jesus, 50, usava uma enxada para liberar caminho. Ele se voluntariou a ir até Petrópolis para ajudar nas buscas e afirma que sente medo toda vez que crava a enxada no chão. "Medo de encontrar um ser humano na lama."

O Corpo de Bombeiros diz desconhecer o total de soterrados no Morro da Oficina.