Petrópolis: tragédia é reflexo de ocupação desordenada, dizem especialistas
A tragédia que deixou mais de 100 pessoas mortas em decorrência do forte temporal de terça-feira (15) em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, é reflexo da ocupação desordenada na cidade, apontam especialistas ouvidos pelo UOL.
Segundo eles, a catástrofe ambiental foi intensificada pelas construções irregulares concentradas nos morros em um município montanhoso e sem políticas habitacionais eficazes para minimizar a presença da população nesses locais. Um estudo elaborado em 2017 pela Defesa Civil alertou para a existência de 15 mil imóveis em áreas de risco de destruição —o equivalente a até 47 mil pessoas, diz o levantamento.
Os morros de Petrópolis começaram a ser ocupados por moradias irregulares na segunda metade da década de 1950. Contudo, a maior expansão de habitações ilegais ocorreu há 40 anos, com o deslocamento principalmente de moradores de municípios da Baixada Fluminense, no mesmo período das ocupações das favelas da cidade do Rio de Janeiro.
"Com um setor econômico que produziu desenvolvimento, Petrópolis atraiu muita gente atrás de emprego. A dimensão geográfica formada por morros e montanhas, onde a propriedade não estava constituída, também favoreceu a ocupação irregular. Era possível chegar e ter acesso a um terreno para construir uma casa em um local sem a violência urbana do Rio", compara o professor Luiz Cesar Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles.
No entanto, a precariedade das habitações torna a população vulnerável quando há fortes temporais na região, avalia o especialista. Segundo Ribeiro, o cenário é agravado pelas mudanças climáticas, que geram chuvas fortes concentradas em uma região, causando os deslizamentos de terra.
As montanhas e os morros são mais acessíveis para essa população de baixa renda, que quer mudar de vida. Mas são ocupações de risco quando ocorrem esses eventos climáticos, mais expostas a desabamentos e deslizamentos. Não é um fato novo. O cenário é de desequilíbrio ambiental e urbanístico"
Luiz Cesar Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles
"Por que cidades como Petrópolis cresceram sem que houvesse um planejamento para organizar esse crescimento? O desafio é preparar cidades com histórico de ocupação irregular e desordenada diante dessas mudanças climáticas para evitar a repetição dessas tragédias", complementa.
- Veja a cobertura sobre a tragédia em Petrópolis, entrevista com ministro do Desenvolvimento Regional, análises de Josias de Souza e mais notícias no UOL News:
Falta de política habitacional
Com 30 anos de atuação profissional em Petrópolis, o arquiteto e urbanista Frederico Martins também atribui o impacto da tragédia à falta de planejamento.
"Essa grande quantidade de chuva causaria danos em qualquer cidade do Brasil. Mas a tragédia não teria a mesma dimensão se o poder público tivesse feito um trabalho de prevenção e evacuação nessas áreas com ocupações irregulares".
Segundo ele, a situação também é agravada pela falta de uma política habitacional eficiente para a população de baixa renda. "Essa população não tem outra alternativa. Aí, as famílias se multiplicam ao longo dos anos e agregam outras construções no mesmo terreno. Isso potencializa o dano, porque são construções desordenadas, sem acompanhamento técnico e sem as devidas precauções", avalia.
Morador da cidade, o empresário e advogado Marcelo Fiorini afirma que nunca viu um temporal como o da última terça-feira, e define como "tragédia anunciada" os deslizamentos.
Estamos vivendo uma tragédia anunciada em uma cidade montanhosa, que vem sendo ocupada de maneira desordenada. Deslizamentos e fortes chuvas não são novidade em Petrópolis. Mas jamais ocorreu com essa violência"
Marcelo Fiorini, empresário e morador de Petrópolis
Professor de História e especializado em gestão de cidades e planejamento urbano, o vereador Yuri Moura (PSOL) também defende uma ação mais efetiva voltada à moradia para essa população.
"Existem locais com até quatro casas em áreas de risco. Mesmo assim, ainda não conseguimos criar uma política de moradia que não se resuma apenas aos conjuntos habitacionais, que levam até dez anos para ficar prontos. A especulação imobiliária faz com que tenhamos espaço para construir casa para o rico, mas não tem casa para o pobre".
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