Antropóloga, mulher de Bruno Pereira mantém legado indigenista na Amazônia
O legado de defesa da floresta Amazônica, que marcou a carreira do indigenista Bruno Pereira, morto na Vale do Javari (AM), deve continuar vivo por meio do trabalho da antropóloga Beatriz de Almeida Matos, mulher dele e mãe de 2 de seus filhos —de 2 e 3 anos. Assim como Bruno, ela é reconhecida por sua vasta contribuição para a proteção histórica e de representatividade dos povos indígenas na Amazônia.
Professora da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará, com mestrado e doutorado em antropologia social pelo Museu Nacional (UFRJ), ela já publicou vasta lista de conteúdos acadêmicos voltados a estudar os costumes, a linguagem e a proteção dos povos indígenas isolados na Amazônia brasileira.
Em texto autoral na plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Beatriz descreve sua jornada profissional, que contempla teses de doutorado e pós-doutorado sobre os rituais, o xamanismo e as transformações históricas do povo indígena do Vale do Javari, onde o marido morreu.
Localizada na fronteira com o Peru e a Colômbia, com acesso restrito por vias fluviais e aéreas, a região de 85 mil km² (maior que a Áustria) abriga 6.300 indígenas de 26 grupos diferentes, 19 deles isolados —a maior concentração do mundo.
Ali, a ocupação da área demarcada e o avanço do tráfico de drogas, da caça clandestina, da extração ilegal de madeira e da mineração de ouro ameaçam povos como os Marubo, Matís, Mayoruna, Kanamari, Kulina e os de recente contato Tyohom Djapá e Korubo.
A antropóloga atualmente coordena projetos de documentação e salvaguarda dessas línguas indígenas transfronteiriças e especialmente da cultura material korubo, ligados ao Museu do Índio.
Ela ainda ajudou a fundar o Ameríndia, um grupo de pesquisa em etnologia indígena e dos povos e comunidades tradicionais, da UFPA.
Mais recentemente, foi coautora de um artigo sobre os impactos da covid-19 na região, no qual denunciou violações dos direitos à saúde dos povos indígenas isolados.
"O contexto de emergência que a pandemia de covid-19 impôs não é subterfúgio para legitimar o desmantelamento de políticas públicas que garantem a sobrevivência desses povos. Em muitos casos, trata-se literalmente de garantir condições mínimas para tanto, após anos de contatos desastrosos. Do contrário, estaremos diante de um Estado que assume, de forma consciente, sua incapacidade de proteger a diversidade étnica que habita seu território. No limite, um ato irresponsável que pode nos levar a sermos testemunhas de um genocídio em território brasileiro, no tempo presente", diz em determinado trecho do artigo.
Bruno Pereira e a luta pela Amazônia
Em nota divulgada pela família durante as buscas, Beatriz lembrou que o marido era "um dedicado servidor público federal", "muito apaixonado e comprometido com seu trabalho" e sempre entrou na floresta "com o propósito de ajudar o próximo".
Ele era servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio), conhecido defensor dos povos indígenas e atuante na fiscalização de invasores, como garimpeiros, pescadores e madeireiros.
Foi demitido do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato pelo atual presidente do órgão, o delegado Marcelo Xavier, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Bruno viajava com Dom Phillips, correspondente do jornal The Guardian, que veio para o Brasil em 2007 e frequentemente visitava a Amazônia para relatar a crise ambiental e suas consequências para as comunidades indígenas e suas terras.
A PF (Polícia Federal) confirmou no sábado (18) que os outros restos mortais encontrados na Amazônia são dos dois. Um dos suspeitos, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como "Pelado", está preso e confessou a autoria no duplo homicídio.
"Agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior", escreveu Beatriz no Twitter, em uma mensagem que recebeu grande apoio.
Apesar das mortes ainda não terem sido totalmente esclarecidas, há evidências de que o crime aconteceu em meio a ameaças de pescadores ilegais e outros grupo da área, como garimpeiros e desmatadores. Em entrevista ao UOL, o líder indígena Manoel Chorimpa afirmou que Bruno estava preocupado com as ameaças de morte que vinha sofrendo.
Ao menos 313 pessoas foram assassinadas na Amazônia por conflitos por terra ou água, conforme mostrou reportagem do UOL, e Bruno Pereira era alvo de ameaças explícitas.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a área em que a dupla navegava é "palco de disputa entre facções criminosas que se destacam pela sobreposição de crimes ambientais, que vão do desmatamento e garimpo ilegal a ações relacionadas ao tráfico de drogas e de armas".
Durante entrevista coletiva na quarta-feira (15), o delegado Eduardo Alexandre Fontes, superintendente regional da PF no Amazonas, disse que o jornalista Dom Phillips e Bruno teriam sido perseguidos por criminosos em uma lancha, que realizaram "disparo de arma de fogo" contra a dupla.
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