Topo

Inquérito concluído em 5 dias: lacunas da investigação da morte de petista

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

18/07/2022 04h00Atualizada em 18/07/2022 09h36

Com a conclusão em apenas cinco dias do inquérito sobre o assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, morto a tiros na noite de 9 de junho enquanto comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu (PR), ainda há lacunas para serem preenchidas na investigação do crime, como a extração dos dados no celular do autor do crime e a leitura labial na cena do crime.

Apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho foi indiciado nesta sexta-feira (15) por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas, em pena que pode variar de 12 a 30 anos de prisão. Contudo, a Polícia Civil não vê indícios para constatar que houve crime de ódio por motivação política.

O promotor Tiago Lisboa Mendonça, do núcleo regional de Foz do Iguaçu do Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado), notificou a Justiça na sexta-feira (15) informando aguardar o despacho de indiciamento formal e os laudos periciais pendentes no inquérito policial.

Isso inclui, por exemplo, a extração dos dados telefônicos de Guaranho. O mandado de busca e apreensão do aparelho só foi cumprido nesta quinta-feira (14), um dia antes da conclusão do inquérito. As informações contidas no aparelho podem auxiliar a investigação a identificar uma eventual participação indireta de terceiros na ação, de acordo com representantes legais da família de Arruda.

O inquérito ainda aguarda exames, como perícia de confronto balístico, exame complementar no veículo apreendido usado pelo atirador e laudo em local de morte. Também não foi feita a reconstituição no local do crime.

Os advogados da vítima contestam a conclusão do inquérito. "A defesa da vítima reafirma que a motivação do crime foi intolerância política. Agora aguardaremos a posição do Ministério Público", disse o advogado Ian Vargas, um dos representantes legais da família de Marcelo Arruda.

Eles também criticam a rapidez do indiciamento. Para o advogado Daniel Godoy, o assassinato é resultado do clima de ódio instigado "por quem deveria ser exemplo de ética, moralidade, respeito e carinho por seu povo".

Em nota enviada à reportagem, a Polícia Civil diz que "o indiciamento, além de estar correto, é o mais severo capaz de ser aplicado ao caso". (leia mais abaixo)

Leitura labial do vídeo

A Polícia Civil do Paraná concluiu o inquérito sem que houvesse a conclusão dos laudos periciais de leitura labial dos envolvidos na cena do crime, com base em imagens captadas pelas câmeras de segurança na festa onde Marcelo Arruda comemorava o seu aniversário.

Os investigadores solicitaram essa análise nesta quinta-feira, um dia antes da conclusão do inquérito.

"Efetuar linguagem labial de todos os indivíduos que aparecem nas imagens das 23h40 às 23h41; efetuar linguagem labial de todos os indivíduos que aparecem nas imagens internas e externas do local, das 23h51 até 23h52", cita o pedido elaborado pela Polícia Civil do Paraná no inquérito, ao qual o UOL teve acesso.

Em entrevista coletiva concedida nesta sexta-feira (15), a delegada Camila Cecconello, da DHPP (Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa), revelou um dos diálogos na cena do crime. "Abaixa a arma que aqui só tem família", teria dito Arruda antes de ser alvo dos disparos.

O que a gente vê, na sequência das imagens, é que vítima e autor ficam de três a quatro segundos apontando a arma um para o outro. A vítima disse: 'Abaixa a arma, aqui é polícia, aqui só tem família'. O agente penitenciário respondeu: 'Abaixa a arma você'. Até que ele efetuou alguns disparos."
Camila Cecconello, delegada

A advogada Poliana Lemes Cardoso, que integra a equipe de defensores do atirador, disse aguardar a conclusão das perícias para verificar a leitura labial dos envolvidos na cena do crime. "A motivação dele efetivamente foi retornar em razão da primeira e injusta agressão que feriu a honra dele."

Ficha disciplinar de atirador

A Polícia Civil do Paraná solicitou ainda a ficha disciplinar do atirador junto ao Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Reportagem do UOL apurou que Guaranho se envolveu em duas confusões em apenas 16 meses.

Em junho de 2018, ele precisou ser algemado e detido após insultar policiais militares durante uma abordagem no Rio de Janeiro. Em outubro do ano seguinte, o policial penal se desentendeu com seguranças de uma festa na cidade de Capanema (PR), a 118 km do seu local de trabalho, na penitenciária federal de Catanduvas.

A PM-RJ (Polícia Militar do Rio de Janeiro), onde Guaranho trabalhou durante dois anos, informou que não há registros de conduta violenta no período em que ele esteve na instituição.

Já o Depen esclareceu que Guaranho chegou a responder a uma sindicância interna por extravio de carregador de pistola, equipamento que deve ser acautelado nas unidades prisionais. "O servidor ressarciu a administração pública e recebeu a penalidade de advertência", informou o órgão, em nota.

Crime ocorreu por 'escalada da discussão', diz delegada

Questionada pelo UOL durante a coletiva, a delegada Camila Cecconello disse não ter feito o indiciamento por crime político por entender que não há comprovação de que o atirador pretendia impedir a vítima de exercer os seus direitos políticos.

"Para você enquadrar em crime político contra o Estado Democrático de Direito, tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar a pessoa de exercer seus direitos políticos. Quando [Guaranho] chegou [ao local do crime], ele não tinha a intenção de efetuar os disparos. Esse acirramento da discussão fez com que o autor voltasse e praticasse o homicídio".

Embora afaste o crime de ódio, Cecconello reconhece que houve desavença política. Contudo, no entendimento dela, o crime ocorreu em decorrência da "escalada da discussão". "Parece algo que virou pessoal entre duas pessoas que discutiram por motivações políticas", explica.

"Não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou porque se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão", complementa a delegada.

Defesa cobra apreensão de outros celulares

A defesa da família de Marcelo Arruda ainda contesta o fato de a Polícia Civil não ter apreendido os celulares de duas das testemunhas que mostraram as imagens a Guaranho da festa. Para o advogado Daniel Godoy, os dados contidos nos aparelhos poderiam indicar uma eventual participação de terceiros, reforçando a tese de crime de ódio por motivação política.

"Poderia haver ali uma instigação com relação a essa prática de crime de ódio", avalia.

Godoy também se queixa do fato de uma dessas testemunhas ter omitido inicialmente o fato de ter exibido o vídeo sobre a festa temática do PT ao atirador. E, em novo depoimento, ter relatado o episódio.

'Indiciamento é o mais severo', diz Polícia Civil

A Polícia Civil afirma, em nota, que sua atuação "é pautada exclusivamente na técnica". "Opiniões ou manifestações políticas estão fora de suas atribuições expressas na Constituição Federal", diz o texto.

De acordo com a corporação, "a qualificação por motivo torpe indica que a motivação é imoral, vergonhosa".

"Não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, portanto isto é inaplicável", afirma o texto enviado ao UOL. "Também não há previsão legal para o enquadramento como 'crime político', visto que a antiga Lei de Segurança Nacional foi pela revogada pela nova Lei de Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que não possui qualquer tipo penal aplicável."