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'Mulher de casa abandonada' se nega a abrir mansão e polícia arromba janela

Herculano Barreto Filho e Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

20/07/2022 15h43Atualizada em 20/07/2022 19h06

Um mandado de busca e apreensão foi cumprido hoje (20) à tarde em São Paulo por investigadores no imóvel onde vive Margarida Bonetti, conhecida como "a mulher da casa abandonada", tema de podcast da Folha de S. Paulo produzido por Chico Felitti. Ela tentou impedir a entrada dos agentes, que tiveram de arrombar uma janela para ter acesso ao local.

A ação faz parte de inquérito aberto pela Polícia Civil que investiga se ela sofre de distúrbio psiquiátrico e se foi vítima de abandono de incapaz. Margarida voltou ao Brasil para morar na mansão de Higienópolis, bairro nobre da capital paulista, após ser acusada de ter mantido uma empregada em condições análogas à escravidão entre o fim da década de 1970 e o começo dos anos 2000 nos EUA.

Os investigadores do 4º Distrito Policial estão no local com peritos para verificar se é possível constatar o crime, previsto no Código Penal brasileiro com base no Estatuto do Idoso. Condições de higiene, edificação e condições sanitárias são os itens levados em consideração no inquérito.

Margarida chegou a dizer aos agentes que abriria a porta após ter acesso ao mandado judicial e ter recebido orientação de um advogado. No entanto, a demora para abrir fez a polícia desconfiar que ela não pretendia deixar ninguém entrar. Por conta disso, os agentes tentaram arrombar a porta da casa, sem sucesso.

"Ela colocou um banco com um lustre, na verdade parece um resto de lustre, segurando a porta", relatou ao UOL a delegada Vanessa Guimarães, uma das primeiras a entrar na casa.

Guimarães e outra agente entraram por uma janela, que precisou ser aberta à força. Depois, as duas abriram a porta para que o restante da força-tarefa pudesse entrar.

"Ela não tentou me empurrar, mas ficou na minha frente dizendo 'não entra, não entra, é minha privacidade'. Aí ela percebeu que não tinha mais como evitar, então ela autorizou a entrada da escrivã de polícia e a minha enquanto mulheres", contou a delegada.

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Agentes disseram que as condições do local são insalubres e que havia ali forte cheiro de lixo
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Os agentes relataram à reportagem que Margarida repetiu diversas vezes que não os autorizava a entrar no local e que ela "tinha os seus direitos". A área está isolada, acessível apenas para os policiais e imprensa — que não pode passar do portão. Do lado de fora, era possível ouvi-la gritar com os policiais.

"A casa é uma fortaleza", teria dito ela à polícia.

"A gente explicou que está cumprindo uma ordem judicial. Nós estamos fazendo um trabalho dentro da lei e tentamos ao máximo não causar nenhum dano, nenhum estrago", disse Luiz Carlos Zapparolli, investigador-chefe da 1ª Delegacia Seccional do centro.

Cheiro forte e acúmulo de lixo

Margarida disse à polícia que "os vizinhos estão mentindo" e que os agentes foram enganados. No entanto, a delegada Vanessa Guimarães disse que o ambiente é insalubre. "Ao entrar o cheiro é muito forte, tem muita coisa acumulada, lixo acumulado, roupas, restos de comida."

Não dá para andar lá dentro, a condição é totalmente insalubre. A casa... Você não tem lugar no chão para pôr os pés."
Investigador Luiz Carlos Zapparolli

"Ela abre um corredor de passagem entre o lixo e o acúmulo, e a casa toda tem sujeira e todo tipo de acúmulo de lixo e sujeira", acrescentou Vanessa.

Um cão aparentemente desnutrido foi retirado de lá. "Esse aqui a gente achou em condição totalmente assustada, tremendo, é difícil até de pegar, o cheiro é terrível", disse Zapparolli sobre o cachorro. A ativista Luisa Mell também está no local auxiliando no resgaste do animal.

Assessor de deputado e Luisa Mell relatam agressões

Um assistente do deputado estadual Bruno Lima (PP-SP), que participou do resgate do cão disse ter sido agredido por Margarida em meio à ação policial hoje à tarde.

Segundo o servidor público Bruno Gallo, Margarida teria dado uma "gravata", golpe de estrangulamento, após ele retirar o animal de suas mãos. Em seguida, disse ter entregado o cachorro para Luisa Mell.

"O ambiente era insalubre, e o animal precisa de assistência veterinária. A delegada pediu para ela entregar o cachorro. Mas ela não quis. Ela disse: 'já tiraram dois [cães], não vão tirar o terceiro'. Quando fui pegar, ela me agrediu com uma gravata", disse o servidor ao sair do imóvel, com a voz ofegante.

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Cachorro foi retirado do local assustado e aparentemente desnutrido
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

A história foi confirmada pela própria Luisa Mell, que saiu em seguida. "[Antes] ela pegou o cachorro das minhas mãos e colocou por dentro da blusa. Aí, eu falei: 'gente, alguém pode fazer alguma coisa? Ela tá sufocando o cachorro'. Aí, ela bateu em um dos policiais. Eu só não apanhei também porque sai de lá correndo", disse.

Luisa Mell já havia resgatado outros dois cachorros de Margarida em ação realizada na casa no início do mês.

O UOL tentou conversar com a advogada que representa Margarida e que acompanhou o cumprimento do mandado. Mas ela saiu do local pelos fundos e não falou com a imprensa.

'Está preocupada com a janela'

Conforme o delegado Marcelo Palhares, a polícia verifica também se há condições para habitação do imóvel. "Constatamos na investigação energia elétrica ligada, água e luz funcionando, com contas sendo pagas. Então presume-se ambiente (para moradia)".

Em depoimento registrado no dia 11 de junho ao qual o UOL teve acesso, Rosa Vicente de Azevedo, irmã de Margarida, negou que Margarida possua "problema de ordem mental" e se apresentou como responsável pelo sustento da irmã, incluindo alimentação, vestuário, calçados, dinheiro para compras e locomoção.

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Margarida tentou fechar as janelas que foram abertas para que a polícia entrasse na casa
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Ela disse ainda que Margarida deixou a mansão por medo após a janela do imóvel ter sido atingida por um tiro. De acordo com o relato, houve uma escalada de violência em frente à mansão após o sucesso do podcast.

Margarida chegou a sair da casa nesta tarde após o arrombamento. Ela caminhou pela varanda até a janela que foi aberta à força e voltou para o interior do imóvel. "Ela está preocupada com a janela, disse que precisa fechar e até tentou fechar sozinha", disse a delegada Vanessa Guimarães.

Inicialmente, as pessoas que passam diariamente pelo local xingavam e até atiravam objetos no imóvel. "Em certo dia, ocorreu um disparo de arma de fogo que atingiu uma das janelas", disse. A ida da polícia ao imóvel hoje também ocorre para verificar se, de fato, houve o disparo.

Segundo Rosa, a irmã não se feriu no ataque e deixou a casa após o incidente. Ainda não se sabe quando ela retornou ao imóvel.

A casa que virou ponto turístico com o sucesso do podcast 'A Mulher da Casa Abandonada' - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
A casa que virou ponto turístico com o sucesso do podcast 'A Mulher da Casa Abandonada'
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Situação precária e 'indícios de delírio'

A investigação foi aberta após a Polícia Civil receber ligações da vizinhança com relatos de que residia no imóvel "uma pessoa com problemas de saúde mental, e que estaria necessitando de ajuda".

A reportagem conversou com profissionais da área da saúde que ressaltam que não tiveram contato com Margarida —por isso, fizeram apenas uma análise com base em relatos que ouviram.

O psicanalista Christian Dunker vê sinais de transtornos mentais em ações atribuídas a ela. "Há indícios de um processo delirante. Isso pode acontecer em vários transtornos mentais", avalia. Ele cita o isolamento dela na mansão como uma forma de "proteção" em meio a um delírio, onde ela pensa estar sendo vítima de perseguição.

A casa vira uma espécie de bunker [como são chamadas estruturas no subsolo de imóveis para resistir a projéteis de guerra] para uma pessoa que pensa que tem sempre algo ou alguém querendo prejudicá-la. Quem entra, vai trazer veneno ou vai mexer naquela ordem delirante que está ali."
Christian Dunker, psicanalista

"Ela é uma pessoa inacessível. Qualquer um que se aproximar, seja um médico, um psicólogo ou o próprio familiar, vai assumir o lugar do 'perseguidor'", complementa.

Após Margarida deixar os Estados Unidos e retornar ao Brasil, o engenheiro brasileiro Renê Bonetti, marido dela, cumpriu pena ao ser condenado a seis anos e meio de prisão em 2001.

Tratados internacionais assinados pelo Brasil e outros países vedam a extradição de brasileiros. Por isso, Margarida não foi levada aos Estados Unidos para responder pelo crime.

'Mulher da casa abandonada': polícia cumpre mandado e entra em mansão em SP