Topo

Email neonazista com ameaças de morte a haitianos é investigado em SC

Grupo suspeito de integrar célula neonazista foi preso em Santa Catarina no início da semana - 14.nov.2022 - Divulgação/Polícia Civil de Santa Catarina
Grupo suspeito de integrar célula neonazista foi preso em Santa Catarina no início da semana Imagem: 14.nov.2022 - Divulgação/Polícia Civil de Santa Catarina

Eduardo Reina

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/11/2022 04h00

Um email com ameaças de morte a haitianos na cidade de Itajaí (SC) e conteúdo racista e nazista vem circulando desde o dia 15 de novembro.

Assinada por "Reich Catarinense", a mensagem reivindica a anistia e libertação de oito homens presos em flagrante na última segunda-feira (14) em um sítio no município de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis. O grupo é suspeito de integrar uma célula neonazista interestadual.

Alvos. O texto exige o cancelamento da Mostra Haiti de Cultura, que começou na quarta (16) e vai até sábado (19), e promete "liquidar" com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, e os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), chamados de "urubus togados".

A mesma mensagem traz ofensas à organizadora da mostra, Andréa Muller. O prefeito de Itajaí, Volnei Morastoni (MDB), e o prefeito em exercício, Marcelo Sodré (PDT) são chamados de "traidores da raça branca", e os policiais que prenderam os suspeitos, de "porcos". O texto exige ainda "a expulsão de todos os haitianos" do estado.

A Polícia Civil foi acionada e investiga o caso pela Delegacia de Crimes Cibernéticos.

Menção ao Sul. Caso a mostra não seja cancelada, os neonazistas prometem invadir o Centro de Artes e Esportes Unificados do bairro São Vicente, onde acontece o evento. A Guarda Civil e a polícia reforçaram a segurança no local. Os neonazistas de Santa Catarina alegam que a chacina de haitianos em Itajaí "será o primeiro ato para a purificação racial do Reich Catarinense".

Eles prometem outros atos violentos e mandam embora imigrantes e migrantes tanto de Santa Catarina como do que chamam de "estados irmãos" —Rio Grande do Sul e Paraná. "O Sul é nosso país e é um país de brancos e para brancos e nada vai nos deter até a vitória final".

haiti - 16.set.2022 - Divulgação/Lenon César - 16.set.2022 - Divulgação/Lenon César
Mostra Haiti de Cultura acontece até sábado em Itajaí (SC)
Imagem: 16.set.2022 - Divulgação/Lenon César

Lema nazista. O email utiliza um pseudônimo em seu endereço: "jedem das seine". Foi endereçado a várias pessoas em Itajaí e região. "Cancelem a Mostra Haiti ou faremos uma chacina em Itajaí", descreve o campo assunto da mensagem. O endereço do autor possui a extensão Mail2tor", cujas mensagens circulam livremente na deepweb.

Jedem das seine é a tradução da expressão em latim "suum cuique" que significa "a cada um o que ele merece" ou "cada um na sua". Foi utilizada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial como lema fixado na entrada do campo de concentração de Buchenwald.

No fim do texto aparece a expressão "Sieg Heil 14/88", que é uma saudação nazista a Adolf Hitler. O 14/88 é a combinação de dois símbolos numéricos populares da supremacia branca. 14 é a abreviação do slogan "14 palavras" —"devemos garantir a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas". Já 88 significa "Heil Hitler" —o H é a 8ª letra do alfabeto e também projeta a supremacia branca ao infinito.

A mostra. O email neonazista afirma que "Santa Catarina é terra DE BRANCOS E PARA BRANCOS". "Não vamos permitir exposição de cultura de negros, o lugar desses negros nojentos, dos índios fedorentos, dos nordestinos cabeças chatas, dos ratos judeus e da escória LGBT é longe de nossa terra europeia, limparemos nossa terra desses Untermenschen (subhumanos). Somos defensores da pureza de nossa raça..."

"Estou estarrecida com isso. Este é um evento tão amoroso, tão bonito. Estamos há mais de um ano fazendo os preparativos junto a famílias, jovens e crianças. Aí vem essa pessoa e escreve tal barbaridade. Mas vamos vencer esse ódio que está adoecendo todo mundo", afirma André Muller, atriz, arte educadora e promotora da mostra. Ela disse que fará um boletim de ocorrência assim que o evento terminar.

A cidade. Localizada a 94 quilômetros da capital catarinense, Itajaí tem hoje cerca de 225 mil habitantes. Os haitianos somam cerca de 6.000 pessoas não só no município, mas na região toda que engloba Brusque, Navegantes, Balneário Camboriú, Gaspar e Ilhota. Trabalham em empresas de pesca, de limpeza urbana, na construção civil.

Apoio a protestos. A ameaça escrita dos neonazistas revela que todos "serão tratados como traidores" e faz um desafio: "o deles está guardado, desafiamos os porcos policiais a vir nos buscar, temos uma surpresa para vocês. Total apoio aos caminhoneiros e fazendeiros que bloqueiam estradas contra a posse do molusco Luladrão, não permitiremos que esse lixo racial ocupe a cadeira de presidente. Vamos liquidar ele também, o FILHO DA PUTA Alexandre de Moraes e os urubus togados do STF".

A Superintendência Administrativa das Fundações e a Fundação Cultural de Itajaí informam que ter tomado conhecimento do email neonazista por meio da Procuradoria-Geral do Município. Diante disto, segundo a assessoria da Procuradoria municipal, "foram imediatamente acionados os órgãos de segurança do município. A superintendência também acionou o proponente do projeto para tomar as medidas cabíveis".

"O município de Itajaí repudia toda e qualquer forma de preconceito, e já repassou as informações para as autoridades competentes para reforço da segurança e providências junto aos realizadores da Mostra", explica nota do Departamento de Comunicação da Procuradoria-Geral do Município.

Quem são os presos? Entre os detidos, há um imigrante português que reside no Brasil há alguns anos, além de dois homens que são réus em ações criminais. Um deles, skinhead, usa tornozeleira eletrônica e é acusado de tentativa de homicídio de um judeu no Rio Grande do Sul. O outro foi denunciado por duplo homicídio envolvendo disputa de comando dentro de uma célula neonazista.

Para a polícia, o grupo integra uma facção skinhead internacional. No local da prisão, de acordo com a investigação, foram encontrados adesivos nazistas, livros e revistas sobre Hitler, além de suásticas e bandeiras.

Os nomes dos presos não foram informados. Na terça (15), as oito prisões foram convertidas em preventivas —sem prazo determinado.

Investigação. Os crimes de apologia ao nazismo em Santa Catarina estão sendo investigados pela 40ª Promotoria de Justiça da Capital. O caso do email contra os haitianos ainda não está incluído nas apurações.

A 40ª Promotoria foi criada no dia 10 de outubro pelo Ministério Público de Santa Catarina especialmente para identificar grupos que apoiam o movimento nazista.

O que diz a lei? O crime de apologia ao nazismo no Brasil está enquadrado na Lei nº 7.716/1989. Quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional pode ser condenado a pena de reclusão de um a três anos, além de multa. Mas, caso o crime seja cometido através de publicações ou pelos meios de comunicação social, a pena prevista é de dois a cinco anos além de multa.

Já quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular emblemas, símbolos, ornamentos (bandeiras, faixas, etc.), distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, com o objetivo de divulgação do nazismo, pode ser condenado a pena de reclusão de dois a cinco anos, mais multa.

A lei brasileira que elenca os crimes de racismo se baseia no artigo da Constituição que os descreve como inafiançáveis e imprescritíveis. É a mesma utilizada para crimes de apologia ao nazismo, a 7.716/1989.

Originalmente, essa lei se concentrava no racismo sofrido pela população negra. Não se referia de forma explícita ao nazismo e à sua ideologia racista.

A primeira referência à apologia ao nazismo foi incluída na lei 7.716/1989 em 1994, através de projeto do então deputado federal Alberto Goldman (PSDB-SP). Três anos depois, em 1997, foi acrescentada uma segunda referência, a partir de proposta do então deputado federal e hoje senador Paulo Paim (PT-RS).